As Ciências naturais se debruçam sobre um recorte da realidade para tentar explicar como determinados fenômenos acontecem dentro de condições específicas de espaço e de tempo. Já a Metafísica se volta para a realidade como um todo a fim de buscar o porquê das coisas; atitude esta que independe das condições do mundo material.

No século XVII, a ciência moderna surgiu não só separada da Metafísica, mas, pode-se dizer, em total oposição a ela. Isso porque os cientistas modernos assumiram a tarefa de tudo explicar, de tal modo que o que não pudesse ser abarcado pela explicação “científica” era relegado ao universo do inexistente.

Assim foi propagada a falsa ideia de que a ciência, recorrendo exclusivamente aos meios racionais, possui explicação e domínio sobre tudo. Desde as mesas de bar, passando pelos telejornais até chegar às universidades, ninguém hoje ousa questionar esse “dogma científico”.

No entanto, a verdade é que a ciência moderna nasceu de um grande embuste: em nome da razão, os primeiros cientistas assumiram a incumbência de sepultar a Metafísica; porém, às escondidas, abraçaram visões de mundo nada racionais buscando dar sentido ao que a ciência não conseguia explicar.

Eis o ponto de partida deste 15.º episódio do programa Studiositas, nossa formação permanente exclusiva para alunos.

Do projeto socrático à propaganda científica moderna

Alguém pode se perguntar se, neste programa Studiositas, temos feito aulas de Filosofia. De certa forma, sim, mas, com a seguinte diferença: o que se oferece por aí afora são cursos de cultura filosófica — história da literatura; um sumário das ideias dos principais pensadores etc. Aqui a finalidade é outra: queremos que os alunos aprendam a filosofar e, a partir disso, realizem uma formação pessoal. Estamos, pois, seguindo o projeto socrático — já seguido por tantos santos doutores.

Nós, seres humanos, como já dissemos, somos iluminados pela luz natural da razão e pela luz sobrenatural da fé. Nestas aulas, as nossas reflexões são clareadas sobretudo pela primeira, a luz da razão. Queremos aqui realmente aprender a pensar, no sentido mais profundo da palavra.

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Embora a ênfase deste projeto esteja mais na atitude filosófica do que no conteúdo apresentado, vamos recapitular um pouco qual foi o nosso trajeto até aqui.

Começamos tomando Max Horkheimer como nosso interlocutor, principalmente através de reflexões apresentadas nas obras Eclipse da Razão e Dialética do Esclarecimento. Trata-se de um dos principais autores da Escola de Frankfurt — que está na origem, dentre outras mazelas, da cultura do cancelamento.

Em Eclipse da Razão, Horkheimer apresenta uma série de críticas muito contundentes contra a Escolástica e o pensamento católico, mas, sobretudo, contra a sociedade norte-americana, onde o autor vivia como refugiado.

Uma das principais ideias sobre a qual nos debruçamos foi o conceito de razão objetiva: é assim que Horkheimer identifica a razão na Antiguidade e na Idade Média, de Sócrates a Santo Tomás. Havia uma convicção de que o Logos — Deus, portador de uma razão objetiva — é que pensava as coisas existentes. Neste sentido, Deus é o único que pode ser considerado realmente sábio, por conhecer a verdade das coisas como elas realmente são. Nós, com nossos limites, também podemos conhecer a verdade, mas de uma outra maneira — através do esforço filosófico: Deus é a verdade, Deus é o sofos, o sábio, no sentido pleno da palavra; nós somos apenas philosofos, amigos da sabedoria, em busca da verdade.

Max Horkheimer critica essa ideia, afirmando que esse tipo de pensamento tornou-se obsoleto e perdeu sua relevância com o advento da ciência moderna, que passamos então a estudar, de modo a entender sua gênese, seus promotores e os princípios que a norteiam.

Então concluímos, amaparados em sólidos estudos, que o surgimento da ciência moderna, tal como vendido nas escolas e universidades, é nada mais que uma peça de propaganda anticristã.

Para ilustrar, podemos mencionar o famoso encontro entre Napoleão e Laplace, conhecido como “Newton francês”. Esse cientista, já do século XIX, revisou e elucidou as idéias newtonianas, especialmente no que diz respeito às órbitas planetárias. Ao observar essa explicação abrangente, Napoleão questionou: “E Deus?”. Em outras palavras: qual o papel de Deus nisso tudo? A resposta de Laplace foi sucinta: “Je n'ai pas besoin de cette hypothèse” — “Eu não preciso dessa hipótese” [1].

É esse o ambiente em que nascemos, ambiente intelectual que acredita na possibilidade de explicar o mundo ignorando a existência de Deus.

Eis a propaganda da modernidade. Afirmam que deixamos para trás um mundo supersticioso e medieval para abraçar um mundo que “ousa pensar”, como o próprio Horkheimer diz na sua Dialética do Esclarecimento, fazendo referência ao conceito de Aufklärung, de Kant, segundo o qual a humanidade estaria deixando a minoridade intelectual para entrar na maturidade, entendida como a capacidade de pensar de maneira crítica, como adultos que não acreditam mais em histórias da carochinha.

Por isso, quem tem fé se sente muitas vezes embaraçado, como se possuísse uma crença frágil e infantil, contrastando com a predominante visão científica e adulta.

Essa é, em essência, a propaganda a respeito da ciência moderna.

Ciência, Metafísica e a explicação dos fatos

Em nossas últimas aulas, estamos conhecendo uma abordagem que questiona essa perspectiva. É importante, porém, enfatizar que não estamos impugnando a ciência moderna, estamos apenas narrando a história do seu surgimento. Não estamos desafiando a eficácia da física de Newton ou propondo a substituição dela pela física de Einstein. Seja Newton, Einstein ou uma terceira opção, a explicação natural, cientificista, não é o nosso foco. Não estamos fazendo Física, mas análise Metafísica. Proporcionamos aqui uma compreensão diferente, situada em outro mundo: o mundo da racionalidade no seu sentido mais radical.

Para esclarecer este ponto, tomemos o seguinte contraste: Newton fez os seus cálculos e análises na Teoria da Gravitação Universal, explicando como os corpos caem na Terra devido à força da gravidade. Por outro lado, a explicação da gravidade na Física de Aristóteles baseia-se nos quatro elementos fundamentais: fogo, ar, água e terra. Esses elementos coexistem nessa ordem, de cima para baixo, cada um tendendo a ocupar seu respectivo lugar. Assim, quando objetos eram misturados, a compreensão da tabela periódica de Aristóteles era consideravelmente mais simples do que a moderna, que leva em conta os vários tipos de átomos e elementos.

A premissa aristotélica era a seguinte: como tudo é composto desses quatro elementos, se pegarmos uma bola de chumbo e a jogarmos na água, ela afundará, porque contém uma maior proporção do elemento terra do que dos elementos água, ar ou fogo. Agora, se alguém mergulhasse na água e expirasse, o ar subiria, pois sua tendência natural é ficar acima da água. Se algo fosse queimado e produzisse fumaça, esta se elevaria, uma vez que associada ao elemento fogo, que ocupa as alturas da mesma forma que as estrelas e o Sol.

Estava certa a explicação aristotélica? Obviamente, não. Contudo, estamos abordando aqui o Aristóteles da Física, não o da Metafísica. A Metafísica lida com questões distintas. Em nossa discussão, exploramos o entendimento das coisas sob uma perspectiva humana que envolve toda a vida, em oposição a uma observação puramente limitada a um recorte da realidade.

Devemos entender que as ciências naturais não são destinadas a explicar fatos. O que elas fazem é pegar detalhes que compõem um fato e estudar aquilo que, em Filosofia, chamamos objeto formal. Quer dizer, as ciências naturais são analíticas: elas dividem uma certa realidade em pedaços e estuda-os um de cada vez, isoladamente. Mas cada um desses estudos isolados não dá conta de explicar o todo.

Pense num químico analisando um bolo. O homem estudará a composição química da guloseima, mas não será capaz de explicar por que a Vovó Mafalda fez o quitute para o netinho. Os químicos sabem dizer, cientificamente, o que é o bolo, mas não captam o seu porquê nem a sua totalidade. Porque os fatos da vida jamais são apenas químicos, físicos, biológicos, matemáticos, sociológicos ou psicológicos. Cada fato, como o preparo de um bolo, engloba tudo isso e muito mais. E não há ciência, no sentido moderno, que sintetize todas essas camadas do real e dê conta de explicar o fato no seu complexo conjunto.

Qualquer que seja a explicação científica para o bolo, ainda teremos o fato de que a Vovó Mafalda o fez para o Zezinho. Mas qual é o relacionamento entre essa avó e o seu neto? Que sentimentos estão presentes nesse gesto? Qual é o significado de um bolo na cultura ocidental? Aliás, o que significa uma pessoa para a outra? O que é a dignidade da pessoa humana? E o relacionamento familiar?

Cientista algum será capaz de explicar, nos estritos termos de sua especialidade, o que significa aquela criança extasiada diante do bolo com velinhas que brilham como fogos de artifício. Ou aquela vovó cansada, mas repleta de uma enorme satisfação interior por estar proporcionando ao neto uma inesquecível festa de aniversário. É possível levar tudo isso para o laboratório? Ora, é possível analisar cientificamente o que é aquele bolo — mas, para este fato, explicar o que tem de científico no bolo é absolutamente irrelevante.

Tenho um amigo que é padre numa diocese sufragânea de Chicago, nos Estados Unidos. Um dia, ele foi chamado às pressas no hospital por uma família que tinha uma criança internada. Chegou na hora em que o médico comunicava à família o falecimento da criança. Cientificamente, aquele doutor explicou a fatalidade: houve falência em seus órgãos e ela veio a óbito. A família estava lá, em choque com a notícia, e, no momento em que o sacerdote chegou, o pai olhou para ele com raiva, e disse: “Padre, por quê?!”

Ora, a ciência já não lhe havia explicado o porquê? A ciência expôs os motivos médicos de como a criança morreu, mas não explicou nada. Aquela família ainda queria — não do médico — mas do padre a verdadeira explicação. E esse padre deu a melhor e mais sábia resposta para aquele momento. Olhou fundo nos olhos desesperados do pai e disse: “Eu não sei, mas Deus sabe. E Ele é bom.” E os dois choraram e se abraçaram diante do mistério da morte.

Tanto a Teologia quanto a Filosofia estão preocupadas com esses grandes porquês, e suas respostas vêm da razão, ainda que o teólogo e o filósofo não pretendam alcançar uma visão puramente científica da realidade. A propaganda modernista, no entanto, levou as pessoas a crerem que o mundo é totalmente explicável pela ciência [2]. É a suposta busca pela verdade que já começa com uma grande mentira.

A pueril metafísica newtoniana (e suas consequências)

Vimos no último episódio que, apesar dos esforços de certos autores, como William Newman, para decantar a ciência moderna de Newton da prisca ciência, que ele tanto se empenhava em estudar, outros trabalhos, como os de B. J. T. Dobbs, demonstram que as duas realidades eram não só inseparáveis mas que uma, a antiga, servia de fundamento para a outra. Viu-se, no fim das contas, que Newton, no afã de refundar o cristianismo ou algo que o valha, abriu o sarcófago da sabedoria pagã e cavou a tumba de famosos heresiarcas, a exemplo de Ário, seu herói na luta obcecada que travou contra a doutrina da Santíssima Trindade.

Newton declarou guerra à Trindade pois a achava absurda. Na pista do arianismo, ele defendia, sim, a existência de um Deus, mas um Deus uno, que não se confundia com o Cristo e com o Espírito Santo. Vejamos, pois, como era essa divindade newtoniana.

Newton concebia esse Deus único como eterno, tão eterno, para ele, quanto o tempo e o espaço, também eternos. Ou seja, para ele, Deus não criou o tempo e o espaço, mas coexistia com esses dois outros absolutos desde a eternidade. Em outras palavras, Deus seria eterno porque existe dentro desse espaço-tempo. E já que Deus é eterno e onipresente, o tempo também deveria sê-lo.

Ora, trata-se de uma metafísica pueril, de criancinha. Se perguntarmos para um menino de sete anos o que seja a eternidade, ele provavelmente dirá, com risinho banguela, que é um tempo muito, mas muito comprido; tempo que não acaba mais. A essa resposta, justíssima para a idade, nós reagiríamos com benevolentes sorrisos e apertões na bochecha. Mas não levaríamos a sério como teologia ou filosofia, muito menos se elaborada por um adulto, homem feito, figurão da intelectualidade, cientista mundialmente conhecido. Mas Newton levava essa sua explicação muito a sério e, partindo dela, sentia-se com autoridade para impugnar todos os papas e concílios, toda a história da Igreja Católica.

Conforme Boécio, a vida eterna é caracterizada como “interminabilis vitae tota simul et perfecta possessio” [3] — é “a posse, sem sucessão e perfeita de uma vida interminável”; ou uma vida que consiste na posse simultânea de tudo, sem antes ou depois. Isso é eternidade.

O tempo, por sua vez, nada mais é do que a medida das mudanças e movimentos. O tempo não existe “em si mesmo”, mas se origina da constante transformação das coisas, a passagem do que não era para o que é. Ora, se não há coisas que mudem, não há tempo.

Pensemos: o que é o tempo de um dia? É a rotação da Terra. E o ano? É a translação da Terra em torno do Sol. Então, se precisarmos de um ano para fazer algo, significa que estamos adotando como referência aquela mudança da Terra, em que ela viaja por sua órbita elíptica, ao redor do Sol, até voltar para a mesma posição relativa ao grande astro. Esse movimento leva um tempo, que pode ser medido.

O tempo, portanto, consiste simplesmente em duas mudanças, comparadas uma à outra. Não existe tempo absoluto que exista antes das coisas mutáveis. Esse postulado newtoniano é um verdadeiro absurdo.

Mas esse absurdo metafísico, como dissemos, esteve na base da sua física. E é esse tipo de conceito que vai gerar, por exemplo, a Maçonaria, que dará origem à Revolução Francesa, que, por sua vez, influenciará o mundo contemporâneo.

Newton e o arquiteto aposentado

Vale ainda dizer que, embora não fosse um deísta, Newton, com sua metafísica e a física dela derivada, colaborou com o sucesso mais recente dessa doutrina.

É preciso reconhecer que Newton não tinha uma visão completamente mecanicista do mundo — diferenciado-se, nesse ponto, de Descartes. Para ele, por exemplo, Deus e os anjos desempenham um papel ativo no movimento dos corpos celestes. Além disso, apesar de calcular com certo êxito as órbitas planetárias, acreditava que elas precisassem de correção e supunha que Deus intervinha para retificá-las. Leibniz, chega a ironizar essa convicção, dizendo que o “Deus de Newton” é um relojoeiro que, de tempos em tempos, precisava ajustar seu relógio [4].

E aqui estamos muito próximos do deísmo.

Para os deístas, Deus é como um arquiteto aposentado que criou o mundo, mas agora permanece distante e desvinculado do universo. O mundo criado, pois, opera de forma autônoma, sem intervenção divina. Logo, não há que se falar em Revelação Divina, Encarnação, Redenção, Sacramentos e Igreja Católica. Daí para defender a inexistência de Deus, como os ateístas modernos, é um pulo. E, para muitos, decerto, Newton serviu de trampolim.

A manipulação psicológica imposta pelos “racionalistas”

Percebam como essas metafísicas heterodoxas vão evoluindo, ao mesmo tempo em que se vende a propaganda de que se pode pensar num mundo totalmente baseado na ciência experimental, e que qualquer coisa fora disso é crendice. No entanto, vimos como a ciência, por suas limitações metodológicas, é incapaz de explicar os fatos e dar sentido à nossa vida normal, fora dos laboratórios. Por isso, a biografia desses ícones da modernidade é cheia dessas tentativas — no mais das vezes furadas — de se conceber uma nova cosmovisão, uma teoria que remende os recortes científicos, dando-lhes alguma coerência.

O problema maior, no entanto, não é essa incoerência, mas o fato de que, quando nós, católicos, apresentamos a nossa explicação para a vida, eles logo a repudiam, afirmando que é preciso argumentar cientificamente. É, portanto, um jogo assimétrico, em que um dos jogadores pode falar de seu ponto de vista, e o outro não.

Para melhor ilustrar, imaginemos o seguinte diálogo:

— Olá, Sir Isaac Newton! Quero debater com o senhor, racionalmente, sobre o bolo da vovó Mafalda.

— Ah, sim. Mas saiba que o debate racional e, portanto, científico, é o seguinte: um recorte. Portanto, a respeito daquele bolo, você não pode falar de “vovó” ou “aniversário”, mas apenas de seus aspectos químicos.

— Bem…. mas eu gostaria de falar, justamente, sobre a relação da avó com o menino.

— Tudo bem. Então trataremos do assunto a partir da Sociologia.

— Não… mas eu quero falar sobre o valor que aquele bolo representa.

— Ora, neste caso, adentramos no campo da Economia.

— O senhor não está entendendo: quero falar da relação que existe entre aquela criança e a sua avó, dos direitos e deveres que estão representados naquele bolo.

— Pois bem. Esse é outro recorte: falemos de Direito.

— Não, quero falar do sentido de todo o gesto da avó que faz o bolo para seu neto, metafisicamente.

— Ah… Infelizmente, não posso ir adiante. Afinal, você é católico, e não é certo que venha aqui impor a sua fé. Trate de abordar o tema cientificamente, dentro de algum recorte. Esqueça essa história de “encontrar o sentido das coisas”.

— Ora, mas e o senhor pode tratar do sentido das coisas?

— Sim, cientificamente.

— Mas não é incoerente, Sir Isaac Newton? Em sua profissão, enquanto cientista, o senhor fala a partir desses recortes. Mas em sua vida privada, o senhor tem uma explicação metafísica para o sentido do mundo, e só não publica essas ideias por medo de terminar na fogueira.

Sir Isaac Newton, afetado e contrafeito, deixa a sala.

Toda a ciência moderna está ancorada nessa trapaça que, no final das contas, consiste numa manipulação psicológica. Para explicar isso, façamos uma comparação.

Imagine que alguém encontre uma criança, em torno de dez anos de idade, abandonada na rua. Ao perguntar por que ela está ali, o interlocutor escuta: “Minha mãe me expulsou de casa!”. Então, o sujeito se compadece e ajuda a criança.

Porém, o que essa bondosa pessoa não sabe é que a criança, consciente ou não, estava apenas criando uma impressão psicológica, a fim de que o fulano se compadecesse dela. A verdade é que essa criança foi “expulsa” porque espancava, maltratava e violentava seus irmãozinhos mais novos, e os pais não souberam lidar com a situação. Vejam, trata-se de uma parte relevante da história, que todos gostariam de saber.

A Filosofia cartesiana, empirista, ou essa Física newtoniana, usadas como peças de propaganda, resultam também em manipulação psicológica. Todos acabam prisioneiros desse sistema, e se convencem de que jamais devem perguntar nada que não caiba nessa concepção mecanicista, empírica, laboratorial. Ora, se o mundo é mecânico, como revelar através de cálculos ou experiências de laboratório “onde está Deus”? Como demonstrar sua existência sem usar uma lâmina no microscópio ou uma lente de telescópio? Nesse sistema, o mais provável é que se diga, como na frase atribuída a Yuri Gagarin — o primeiro cosmonauta: “Fui ao espaço e não vi Deus”.

Há aqui um fenômeno psicológico, social e histórico. As pessoas têm sido psicologicamente manipuladas para ter, a partir da leitura dessas obras, uma determinada impressão; e as impressões inibem a capacidade de pensar, pois o indivíduo se convence que é capaz de cogitar nada fora desses limites mentais.

Portanto, quando, por exemplo, o biólogo ateu Richard Dawkins quer que provemos a existência de Deus, ele o faz a partir das regras que ele mesmo impôs; por exemplo, que se mostre com provas genéticas que Deus é aquele relojoeiro dos deístas. Ora, mas se Deus é uma realidade metafísica, como exigir que se mostre a sua existência fisicamente? É como se disséssemos para nos provarem a existência de uma bactéria a olho nu — e ao mesmo tempo nos recusássemos a recorrer a um microscópio, alegando que aquilo poderia ser uma manipulação [5].

Buscando soluções para tempos dramáticos

É preciso que meditemos sobre tudo isso. É preciso enxergar que, por meio dessas armadilhas retóricas, nós, cristãos, terminamos amarrados e manipulados. Devido a essa propaganda cientificista, qualquer pessoa que tenha uma visão metafísica do mundo é tratada como um ignorante, um completo desqualificado para qualquer debate supostamente racional. Enquanto os cientificistas podem fazer todo tipo de especulação filosófico-teológica, nós, por sermos católicos, seguidores da tradição, somos tolhidos de entrar no debate. Por isso, precisamos estar bem equipados para fugirmos dessa arapuca e sermos capazes de manter nossas convicções e defendê-las, se preciso for.

Conclusão: a armadilha da razão instrumental

Esse processo meditativo que fazemos aqui, no Studiositas, é algo que não interessa, minimamente, a muitas pessoas de direita ou mesmo a muitos católicos que se identificam como tradicionais. Não querem saber de estudar, pensam que é perda de tempo. O que eles realmente desejam é uma solução imediata. Se há um caos na Igreja, pensam: “façamos uma revolução e excomunguemos o Papa!”

Será que não percebem que, antes de pensar em qualquer ação intempestiva, deveriam colocar em ordem a própria vida? Eis o estrago que nos tem causado esse triunfo da razão instrumental.

Como já dissemos, a grande diferença dos sistemas filosóficos clássicos e medievais está na convicção de que existe uma razão objetiva. Porque, se há uma racionalidade objetiva no ser, reconhecível pelo homem, precisamos nos adequar a ela, seja em assuntos sociais, morais, psicológicos, religiosos etc. Devemos nos adequar porque o caos na sociedade (um macroantropo, como diria Platão, um homem escrito com letras maiúsculas) é reflexo do caos e da desordem na alma dos homens que ali vivem (um microcosco, no dizer do mesmo filósofo).

Como, porém, houve um caos social atribuído ao cristianismo [6], viu-se aí motivo para abandonar a filosofia antiga, que harmonizava com a visão cristã, e junto dela a razão objetiva, dando preeminência à razão instrumental, prática, suposto meio de se resolver problemas imediatos. É, por exemplo, o que todos têm feito no Instagram — todos querem ser gênios resolvedores de problemas, buscando soluções mirabolantes que, verdadeiras ou falsas, funcionem de algum modo, mesmo que seja apenas como efeito psicológico dentro de um jogo de linguagem.

Estamos aqui nesta formação justamente para escapar disso. Há quem creia que valha a pena investir nas soluções práticas e deixar os estudos para mais tarde, porque o momento é propício, porque há um sólido movimento de direita no país, capaz de mudar o status quo. Eu não vejo assim. Vejo que há um movimento de loucos. Um bando de loucos inventando joguinhos linguísticos para manipular as massas a seu favor.

A questão é que, se esse movimento continuar se valendo desse tipo de expediente, então, de fato, será justo que sejam chamados de fascistas. Uma acusação que antes era leviana pode tornar-se justa. Por isso a necessidade de estudarmos: para não nos tornarmos exatamente aquilo de que nossos adversários nos acusam.

Junte-se a nós!