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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos (Mc 9,30-37)

Naquele tempo, Jesus e seus discípulos atravessavam a Galileia. Ele não queria que ninguém soubesse disso, pois estava ensinando a seus discípulos. E dizia-lhes: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, três dias após sua morte, ele ressuscitará”.

Os discípulos, porém, não compreendiam estas palavras e tinham medo de perguntar. Eles chegaram a Cafarnaum. Estando em casa, Jesus perguntou-lhes: “O que discutíeis pelo caminho?”

Eles, porém, ficaram calados, pois pelo caminho tinham discutido quem era o maior.

Jesus sentou-se, chamou os doze e lhes disse: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!”

Em seguida, pegou uma criança, colocou-a no meio deles e, abraçando-a, disse: “Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher, está acolhendo, não a mim, mas àquele que me enviou”.

I. Reflexão

Olá, meus queridos irmãos, minhas queridas irmãs. É uma grande alegria estarmos juntos mais uma vez no nosso programa “Testemunho de Fé”, e quero convidar você para, nos próximos minutos, refletir conosco a respeito da Palavra de Deus que a Igreja nos propõe neste 25.º Domingo do Tempo Comum. É importante que a gente dê importância à Palavra de Deus. Ou seja, nós estamos neste mundo e precisamos ser curados, curados, e um dos maiores males de que nós temos de ser curados é a ignorância. E a Palavra de Deus vem nos curar desse mal. Então, não é assim que: “Nossa! Eu preciso de um dia especial, de um momento especial, uma hora especial para, de repente, a Palavra de Deus ir-me curando”. Não, ela está sempre aí, está sempre pronta para agir em nós e nos curar.

O primeiríssimo mal do qual nós precisamos ser curados é a ignorância. Sabe por quê? Porque, se você não sabe o que é bom, se você não sabe o que faz bem a você, se você não sabe o que vai fazer você feliz — nossa! —, como você vai chegar lá? A ignorância é uma tragédia, uma tragédia que afeta a nossa felicidade. Então, Nosso Senhor vem, através da sua Palavra, para nos iluminar, por isso eu convido você, no início deste programa, a tirar um tempinho e prestar atenção no que a gente vai dizer, porque é a Palavra de Deus, que quer entrar na sua vida, que quer realmente fazer algo no seu coração, quer fazer algo de bom para você. 

O Evangelho deste domingo é tirado do evangelho de São Marcos, capítulo 9, versículos de 30 a 37. Vocês se lembram de domingo passado, em que houve a profissão de fé de São Pedro. São Pedro respondeu à pergunta de Jesus: “Quem dizem que eu sou?”, e São Pedro disse: “Tu és o Messias”. Nós sabemos pelo evangelho de São Mateus que isso causou uma reação em Jesus bastante importante, uma reação em Jesus até surpreendente. Jesus ficou alegre, feliz e disse: “Bem-aventurado és tu, Simão, filho de João, porque não foi nem a carne nem o sangue que te revelou isso, mas foi o meu Pai do céu”. Então, ali, Jesus diz para Pedro: “Pedro, tu és pedra, e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja”.

Por que eu estou recordando essa passagem do evangelho de São Mateus? “Nós estamos lendo São Marcos, padre!” Sim, mas eu quero que vocês notem que, de alguma forma, aqui, Jesus está colocando São Pedro em primeiro lugar, ou seja, ele é o príncipe dos Apóstolos. Em todas as listas dos Apóstolos — é interessante —, São Pedro aparece em primeiro lugar. Depois que passou essa cena, Jesus foi e anunciou pela primeira vez que ele iria morrer crucificado e ressuscitar ao terceiro dia. Ninguém entendeu nada. São Pedro até quis dar um conselho a Jesus para cair fora. Jesus então, severamente, olha para Pedro e diz: “Afasta-te, satanás”.

Depois, Jesus pegou os seus Apóstolos preferidos, Pedro, Tiago e João, e os levou para a montanha, e lá ele se transfigurou. Ele se transfigurou diante dos três, desses três preferidos. Jesus desce da montanha, cura o menino epilético… (Estou contando a história para você de tudo o que aconteceu). E aí, agora, no caminho para Cafarnaum, Jesus outra vez fala que ele vai morrer crucificado e ressuscitar ao terceiro dia. Quando chega a casa, Jesus pergunta para eles: “O que vocês vinham conversando no caminho?” Eles se sentiram envergonhados de responder para Jesus. Por quê? Porque eles vinham conversando no caminho quem é que ia ocupar o primeiro lugar.

Você vai dizer assim: “Padre, que conversa boba! Por que eles fizeram isso?” Bom, talvez a gente tenha uma explicação exatamente nos acontecimentos. São Pedro ouve de Jesus: “Tu és pedra”. Nossa! Parece que São Pedro é o primeiro! Mas aí Jesus chama-o de satanás. Ah! bom, então talvez não seja São Pedro! Mas aí Jesus sobe na montanha e, quando sobe na montanha, ele sobe com os três, Pedro, Tiago e João. Opa! Tiago e João estão se perguntando: “Será que sou eu, então?” “Não, vou ser eu, Tiago! “Não, vou ser eu, João, que vou ocupar o primeiro lugar”. 

Há outra cena do Evangelho que fala exatamente da mãe dos filhos de Zebedeu, Tiago e João, perguntando para Jesus e pedindo: “Olhe, quando vier o seu reino, faça os meus filhos ocuparem o primeiro lugar”. Jesus está dando sinais com relação a Pedro, Tiago e João, e começa a fazer surgir no coração dos outros Apóstolos essa pergunta: “Quem vai ser o primeiro? Quem vai ser o primeiro? Quem vai ocupar os primeiros lugares?” Então vem a resposta de Jesus. A resposta de Jesus é uma resposta — digamos assim — surpreendente. Ele diz: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos”.

Sabe de quem Jesus está falando aqui? Bom, primeiro, Jesus está falando de si mesmo. Ele está falando… dele! Quem é o último de todos e o que serve a todos? “O Filho de Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida por muitos”. Jesus também está falando de Nossa Senhora. Sim, Jesus está falando da Virgem Maria. Quem é a primeira no reino de Deus, depois de Jesus? Olhe para Nossa Senhora. Ela é a última de todos, é aquela que serve a todos. Ela nem aparece direito nos evangelhos. É ela quem está lá, dando a vida e se entregando. Então, é esse o caminho. 

Você vai perguntar assim: “Mas como assim? Como, na prática?” Jesus então dá um exemplo prático. Ele pega uma criança, coloca no meio deles, abraça a criança e diz: “Quem acolher em meu nome uma dessas crianças, é a mim que está acolhendo, e quem me acolher está acolhendo não a mim, mas àquele que me enviou”. Sabe o que Jesus está fazendo? Jesus está dizendo assim: “Olhem, deixa eu mostrar para vocês na prática o que quer dizer ‘ser o último de todos’ e ‘aquele que serve a todos’”.

Na sociedade da época de Jesus (como, aliás, em qualquer sociedade de todos os tempos), servir uma criança é um ato de humildade. Sim, claro. Por exemplo… Existem algumas sociedades, por exemplo, em que o homem, o pai de família, nem sequer toca na criança, não fica segurando a criança no colo, não vai lá trocar a fralda da criança porque isso é um trabalho, uma humilhação, isso é “serviço da mulher. Mas, vejam só, acolher uma criança, servir uma criança é um trabalho humilde. Não é à toa que no mundo atual (por exemplo, quando há essas ondas de feminismo etc.), a primeira coisa que as mulheres querem para mostrar que são “super-poderosas” — o “empoderamento” da mulher — é ver a mulher se livrar desse serviço humilde que é servir as crianças. Ser mãe é um serviço humilde. É serviço humilde você trocar as fraldas de uma criança, você limpar a sujeira da criança, você educá-la.

Mas o que acontece? Pois é desse serviço humilde que Jesus está dizendo: “Olhe, se você fizer isso, acha que está se diminuindo? Se você fizer isso, acha que está acabando com você? Não, pelo contrário. Pare com isso. Você está se realizando, está dando sentido para a sua vida. Se você tem a quem servir, sua vida tem sentido”. 

Eu fico pensando assim: por que hã tanta gente hoje em dia, principalmente entre os adolescentes, rapazes e moças, que depois ficam pensando em se matar, pensando em se cortar, ficam se cortando, pensando em tirar a vida? Por quê? Porque quiseram colocar na cabeça deles que: “Não, vocês são especiais, vocês não vieram a esse mundo para servir os outros”. Aí acabou o sentido da vida. Se você não tem a quem servir, você não tem por que levantar da cama de manhã; se você não tem a quem servir, você não tem um projeto.

Pois bem, nós viemos a esse mundo — deixe-me dizer para você —, nós viemos a esse mundo para amar e servir Jesus. E como a gente vai amar e servir Jesus na prática, no mundo real, na realidade, não na teoria? Você vai amar e servir a Jesus na humildade de servir os pequeninos, os irmãos, e ver Jesus nessas pessoas. Você tem de ter essa capacidade sobrenatural de ver Jesus. 

Vamos lá, vamos entender isso na realidade. Eu quero que você, aqui, receba de Jesus a graça de ser curado de uma ignorância, de uma ignorância que está impedindo você de chegar à realidade. Você tem de pedir a Deus: “Meu Deus, tira as escamas dos meus olhos para que eu enxergue”; “Domine, ut videam”, “Senhor, que eu veja”. O que você precisa ver? 

Vamos lá. Primeiro ponto. Jesus está tentando explicar para os seus Apóstolos queridos, Pedro, Tiago e João, que Ele realmente vai morrer: Ele vai ser entregue na mão dos homens, que irão matá-lo, e que irá ressuscitar ao terceiro dia. Ele está mostrando o quanto vai se fazer pequenino, o quanto ele vai servir. “O Filho de Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate de muitos”. A morte de Jesus é uma morte serviçal, é uma morte redentora. Jesus, humildemente, quer lavar nossas sujeiras, como o escravo que lava os pés sujos do seu senhor numa bacia. Jesus fez esse gesto na Última Ceia para explicar o que ele ia fazer na Cruz. 

Jesus, na Cruz, lavou os nossos pecados. Ou seja: o que ele estava fazendo lá era o serviço humilde do escravo de se rebaixar para lavar a sujeira. Qual é a nossa maior sujeira? Simbolizada ali pelos pés dos discípulos que Jesus está lavando, a nossa maior sujeira é o nosso pecado. Jesus não teve nojo dos nossos pecados. Ele se rebaixou para, com o seu Sangue, lavar nossos pecados na cruz. Foi doloroso, foi tremendo, foi dramático, foi injusto, mas é de lá que brotou a salvação!

Jesus está tentando dizer isso para os Apóstolos. Jesus está tentando mostrar: “Olhe, existe uma figura no Antigo Testamento que fala do Servo sofredor”. Nós vimos o cântico do Servo sofredor no domingo passado, na primeira leitura. A primeira leitura deste domingo é do Livro da Sabedoria, falando do justo: que armam ciladas para o justo para matá-lo etc., que o pessoal não suporta ver o justo… Jesus está dizendo: “Vejam, tudo isso era previsto nas profecias: sou eu”. Qual é a reação dos discípulos? “Os discípulos, porém, não compreendiam essas palavras, e tinham medo de perguntar”.

A nossa tradução litúrgica diz “não compreendiam”. O grego original tem nuances: é o verbo ἀγνοέω, “e eles ignoravam”. Não é que eles não compreendiam; é uma ignorância, e esse verbo muitas vezes comporta a ideia de uma ignorância voluntária, ou seja, eles não queriam porque, de alguma forma, não queriam saber. O próprio Evangelho diz isso. Era uma ignorância voluntária: eles não entendiam, e “tinham medo de perguntar”. Sabe por quê? Porque tinham medo de saber a resposta. 

Quantas vezes a gente não quer ser curado da ignorância porque a verdade pode doer! Nós precisamos compreender que o primeiro caminho é nós enxergarmos o grande ato de amor de Jesus na cruz. Sendo bem prático: o primeiro passo é curar a ignorância e ver o ato de amor. Os discípulos estavam com medo de perguntar: “Será que ele vai explicar? É disso mesmo que Ele está falando? Vai doer?” Mas se você ficar fechando os olhos, se você não quiser enxergar, você nunca enxergará o amor de Deus por você; e se você não enxergar a verdade do amor de Deus por você, você não vai ser libertado: “A verdade vos libertará”, porque, vendo o amor com o qual nós fomos amados, enxergando o amor com o qual nós fomos amados, o que nós vamos fazer? Nós vamos amar de volta. E esse é o segundo ponto: amar de volta. 

Do jeito que Jesus se rebaixou, nos serviu, lavou nossos pés morrendo na Cruz para purificar os nossos pecados, nós vamos querer também servir, nós também vamos estar dispostos a nos rebaixar para amar e servir Jesus. Como? Onde? De que jeito? Nos irmãos. Nos irmãos e, bem concretamente, quanto menos o irmão parecer digno de nosso serviço. Jesus pega a criancinha, abraça a criancinha e a coloca ali no meio deles para dizer: “Gente, se rebaixem!”, façam o que nenhum homem daquela época queria fazer (nenhum homem queria servir crianças). Mas Jesus diz: “Acolhe, acolhe a criança, se rebaixe, sirva ao pequeno porque, servindo ao pequeno, você está servindo a mim, servindo a Deus, acolhendo a mim e acolhendo a Deus”.

“Mas como, padre? É difícil para mim me rebaixar, me humilhar, fazer as coisas…” Mas por quê? Por que é difícil? Porque você não vê Jesus. É a ignorância. Você não enxerga Jesus presente nessas coisas porque você não vê como ele se rebaixou por amor a você. Você não vê o amor dele por você, então você tem dificuldade de amá-lo — de amá-lo concretamente nos outros. 

Vamos ser bem práticos. Abra a porta da sua casa esperando encontrar Jesus! Vá trabalhar e, no seu trabalho, espere servir Jesus. Faça as coisas do seu dia a dia para Jesus. Vai lavar o banheiro? “Nossa, mas que pessoal sujo! Olhe esse banheiro fedido! Olhe como o pessoal não se comporta, não sabe usar o banheiro!”… Mas com que alegria e leveza de coração você faria isso, se você soubesse que é Jesus quem vai usar esse banheiro! Sirva a ele com alegria, servir a Jesus fazendo as pequenas coisas, fazendo pequenos serviços para os outros, mas com essa visão sobrenatural. 

Nós, cristãos… Qual é a diferença entre a caridade do cristão e aquilo que as outras religiões fazem (por exemplo, com a filantropia)? Pegue os espíritas. Os espíritas fazem bastante filantropia. Eles têm lar para idosos, creches para crianças, sopão para os pobres. Eles fazem filantropia. Eu não estou condenando isso, gente. Só estou dizendo que nós, católicos, cristãos, podemos fazer (e devemos fazer) tudo isso, mas com uma qualidade diferente, porque nós temos que ver Jesus: ver Jesus no idoso que você visita. na criança que você acolhe, no pobre que você alimenta; no doente de que você cuida; no seu marido, com o qual você tem paciência; no seu filho, que você educa. Temos de ver Jesus, com essa visão sobrenatural. 

É isso o que transforma uma coisa que seria simplesmente filantropia (“amor” aos seres humanos) em caridade divina. Por quê? Porque ali você está amando a Deus. Por Cristo, com Cristo e em Cristo, as coisas ficam bem diferentes — as coisas ficam sobrenaturais!

Veja só. Vamos resumir o que nós dissemos no dia de hoje com relação ao Evangelho deste domingo. No Evangelho deste domingo, Jesus quer nos curar de uma ignorância principal: é a de nós não entendermos o amor com que ele nos amou, e ele nos amou se rebaixando e se fazendo servo, humilde escravo, lavando os nossos pés e nossos pecados com o seu Sangue.

Esse amor de Cristo é um amor que, claro, uma vez que a gente o recebe, a gente o vê como um privilégio: “Nossa! Como Pedro foi amado por Jesus! Como Tiago foi amado por Jesus! Como João foi amado por Jesus!”, e pode ser que nós, equivocados, vendo que Jesus nos ama, queiramos ocupar os primeiros lugares. Mas isso seria a destruição porque a forma de nós acolhermos esse amor de Jesus por nós é reconhecermos e o amarmos de volta do jeito que ele nos amou. E como ele nos amou? Rebaixando-se e servindo. Então ele pega uma criança e explica: “É desse jeito aqui: faça isso e me ame de volta, e me ame assim!”. Você vai ver que, fazendo isso, nós daremos passos de gigante. 

Tenha coragem! Não deixe de se deixar iluminar por essa luz que não somente quer curar nossa ignorância, mas também quer dar ao nosso coração a capacidade de amar. — Deus abençoe você. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

II. Comentário exegético

Nova predição da paixão (v. 30ss). — Novamente, o evangelista nos mostra o Senhor ocupado em instruir os Apóstolos. De fato, a fim de os ensinar com mais tranquilidade, quis manter em segredo seu caminho rumo a Cafarnaum. — V. 30. Tendo pois partido dali, i.e. do lugar em que curara o menino lunático, aos pés do monte da transfiguração, atravessavam (gr. παρεπορεύοντο = peregrinavam, iam em transcruso, sem se deter; segundo outros, peregrinando, percorriam sem demora) a Galileia, e Jesus não queria que se soubesse, para que os pudesse instruir em segredo. É, com efeito, o que se conclui no v. 31: ἐδίδασκεν γάρ etc., i.e. ia instruindo os seus discípulos, e dizia-lhes: O Filho de homem vai ser entregue às mãos dos homens, e lhe darão a morte, e ressuscitará ao terceiro dia, depois da sua morte. Ao longo do caminho, falou-lhes mais de uma vez sobre subre a paixão, como indicam as formas ἐδίδασκεν e ἔλεγεν. (Essa, pois, é a causa por que quis viajar ocultamente, e não, como pensa Maldonano, por já estar próximo do tempo da paixão e não desejar o Senhor que, reconhecido nas cidades e povoados, o detivessem no caminho para fazer milagres, curas etc.. O texto, afinal, não diz nada que sugira essa interpretação.)

Convinha falar da paixão depois de realizar outro milagre, para que os discípulos não pensassem que ele sofreria por impotência ou coação, mas por livre vontade (cf. Jo 10,18). — V. 32. Eles porém não compreendiam (ἠγνόουν = ignoravam) esta coisa (gr. τὸ ῥῆμα, lt. verbum), i.e. podiam captar o sentido das palavras, por serem claríssimas, mas não a verdade por trás delas. Com efeito, parecia-lhes impossível que Jesus, que sabiam ser o Cristo e o Filho de Deus, fosse tratado de forma tão indigna e submetido a penas tão cruéis; tampouco entenderam o motivo da paixão, ou o fim a que se ordenava, nem como ela seria compatível com a dignidade do Messias. Embora tenham ouvido antes o Senhor falar de sua paixão e morte, entristeceram-se profundamente com um sermão tão dramático e, à primeira vista, nada conforme ao poder e à dignidade dele (cf. Mt 17,23). No entanto, temiam interrogá-lo, o que manifesta o seu estado de ânimo, a um tempo perplexo e ansioso. Suspeitam haver nas palavras do Senhor algo duro e difícil de aceitar, mas temem também descobrir o que querem dizer aquelas palavras obscuras e tristes; talvez tivessem medo de ser repreendidos como Pedro o fora havia pouco, ou de ouvir o que não queriam (e.g. “Também vós não tendes inteligência”, “Sois tardos para crer” etc.), conquanto os vaticínio messiânicos anunciassem claramente a paixão de Cristo (cf. Lc 24,25s).

Beda afirma que os Apóstolos, por terem ouvido o Senhor falar muitas vezes por figuras e imagens, pensaram, horrorizados com o anúncio de sua morte, que também estas palavras sobre sua traição, paixão e condenação teriam sentido figurado. Daí pois que não as tenham entendido, ou que julgassem impensável ou absurdo tomá-las em sentido próprio.

O maior de todos é quem serve a todos (vv. 33-37). — Jesus falou repetidas vezes da proximidade do reino de Deus; além disso, o que já dissera de sua ressurreição lhes deve ter sugerido que o reino da glória estava às portas; tampouco é improvável que, no caminho para Cafarnaum, Cristo lhes tenha ensinado mais coisas sobre o assunto (cf. v. 30). Isso tudo foi ocasião para que discutissem entre si qual deles seria o maior no reino messiânico. Acresce que viam a preferência de Cristo por três discípulos (Simão, Tiago e João) e sabiam das grandes promessas feitas a Pedro (cf. Mt 16,17ss).

V. 33. Nisto chegaram a Cafarnaum. Quando estavam em casa (ἐν τῇ οἰκίᾳ γενόμενος), provavelmente na de Pedro, Jesus perguntou-lhes: De que vínheis vós discutindo pelo caminho? — V. 34. Eles porém, tomados de vergonha, calaram-se, porque no caminho tinham discutido entre si qual deles era o maior (τίς μείζων = lit. quem o maior?), i.e. eram conscientes de que a discussão não poderia agradar ao Senhor; por isso, como que flagrados em delito, calam-se, confessando pelo silêncio que se envergonham não só da discussão, mas de seu mesmo objeto: qual deles era o maior.

V. 35. Então, sentando-se, indicando assim que falaria de coisa séria, ou porque fosse próprio de um mestre sentar-se para ensinar (cf. Mc 4,1; Mt 5,1; 13,2 etc.), chamou os doze e disse-lhes: Se alguém quer ser o primeiro (πρῶτος), será o último (ἔσχατος) de todos e o servo de todos. A sentença, quase paradoxal, atendendo-se ao contexto, quer dizer isto: “Quem quiser ser o primeiro, seja”, i.e. “faça-se o último de todos”; noutras palavras: “Deveis aspirar antes à humildade que às honras”. Logo, Cristo dá um ensinamento de nova ordem, a fim de sanar o desejo de glória mundana com a busca da humildade: entre os seus discípulos, com efeito, só deve haver rivalidade em modéstia, discrição e serviço, i.e. em virtude, não em honra e exaltação. “Entre nós”, diz São Cirilo, “não pode haver contendas por grandeza; é da humildade que crescemos para as coisas mais altas e aprendemos a agradar [a Deus]” (de zelo x: M 4,660). — Quem portanto quiser ser maior em méritos diante de Deus e, consequentemente, em glória no céu deve sujeitar-se e fazer-se servo de todos. As palavras deixam claro que se trata do primeiro lugar no reino de Deus (cf. Mt 18,4; Lc 9,48), que há de ser possuído só por quem for o primeiro (do ponto de vista espiritual), não em poder e dignidade, mas em humildade e méritos adquiridos no serviço aos outros, o que significa ser o último (de um ponto de vista carnal). Podem, no entanto, ser estendidas também ao que é primeiro em dignidade e poder; neste caso, significam como deve agir quem tem algum primado na Igreja, ou seja, como servo de Cristo e, portanto, dos membros de seu Corpo.

V. 36. Para tornar mais eficaz a exortação e exemplificar que simplicidade e desprendimento devem caracterizar os cristãos, Jesus, tomando um menino (παιδίον, meniniho), pô-lo no meio deles; cf. Mt 18,2s, com isto significa que devem ser pequeninos em malícia (cf. 1Cor 14,20), ensinando-lhes pelos olhos a ser humildes e simples, sem máscaras, cobiça, inveja, vingança etc. Depois de o abraçar (ἐναγκαλισάμενος = de o ter recebido nos braços), indicando assim o quanto lhe agradam a humildade, a simplicidade, a inocência etc. porque, enquanto abraça o menino, abraça-lhe também as principais qualidades, na medida em que costumamos abraçar mais estreitamente o que mais aprovamos; do mesmo modo, indica com que afeto amará os que imitarem a inocência dos pequenos. Pois, como diz Beda, o fato de o Senhor abraçar o menino significa que os humildes são dignos de seu abraço e amor.

V. 37. Disse-lhes: Todo o que receber um destes meninos em meu nome (ἐπὶ τῷ ὀνόματί μου), i.e. de modo que o nome de Jesus seja a razão sobre a qual se fundamente e baseie tal recepção. Ora, o nome significa a pessoa mesma de Cristo, na medida em que ele se dignava manifestar-se aos homens; logo, o sentido da expressão é o mesmo de por minha causa (por Cristo = διὰ Χριστόν). — O Senhor refere-se ao menino ali presente como a um gênero, i.e., a todos os que, como se fossem crianças (bastante menosprezadas antigamente, sobretudo entre os pagãos) pela semelhança de condição e trato, são pobres, necessitados de auxílio e cuidado, negligenciados e até desprezados pelos homens. É o que sugerem claramente as palavras τῶν τοιούτων (lt. huiusmodi = de tais, dos de tal condição). — E para os estimular a receber os pequeninos com alegria, expõe como é valioso este cuidado e grande o prêmio que lhe está reservado: a mim recebe; cf. Mt 25,40: Todas as vezes que vós fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes. Mas não acaba por aqui, senão que sobre outro degrau, ainda mais sublime: e todo que me receber a mim, não me recebe a mim. Fala segundo o uso comum com que se costuma dizer: “O que me fazes, não o fazes a mim, mas a Deus”, querendo significar que algo é feito não só a nós, mas também a Deus, ou não menos a Deus do que a nós, na medida em que é ele quem há de remunerar (o que de bom) e vingar-se (do que de mau) se nos houver feito, como se a ele mesmo fosse feito; mas aquele que me enviou, i. e., isso é tão grato a Deus Pai como se ele fosse o beneficiado.

“Vês o quanto pode a humildade, o quanto [podem] os modos simples e alheios a toda maldade; fazem, com efeito, o Filho e o Pai habitar em nós; ora, é evidente que [fazem] também o Espírito Santo [habitar em nós]” (Teofilacto).

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