Filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles deixaram claro que existe uma razão objetiva na realidade, à qual, querendo ou não, precisamos nos adequar. Do contrário, não conseguiremos ordenar as coisas de acordo com o fim para o qual existem. Mas, para isso, precisamos buscar a verdade e contemplá-la, sem aderir à instrumentalização da razão que impera em nossos tempos.

Os pensadores modernos, porém, empenham-se constantemente em destruir essa visão de mundo. Max Horkheimer, por exemplo, embora reconheça as barbáries que a instrumentalização da razão pode causar, nega-se a admitir que exista uma ordem na realidade e acaba reduzindo à mera utopia a cosmologia dos filósofos antigos.

Eis o ponto de partida deste nono episódio de Studiositas, nossa formação permanente exclusiva para alunos.

Como abrir os olhos da alma?

Como sempre fazemos até que todos entendam a ideia do Studiositas, vamos lembrar mais uma vez o que estamos fazendo neste encontro semanal. O que mais importa nesta formação não é aprendermos conteúdos, mas aprendermos a abrir os olhos da alma.

Imaginemos uma experiência religiosa bastante marcante. Por exemplo, quando assistimos a uma pregação que nos tocou profundamente, ou participamos de um retiro que marcou a nossa vida. Saímos dessas experiências com uma sensação de sublimidade, pensando em Deus, na eternidade, na vida e em seu sentido, em Cristo e seu amor… Ora, não é necessário muita inteligência para notarmos que os animais não são capazes disso. Podemos cantar gregoriano o dia inteiro; promover uma liturgia belíssima; narrar os atos heroicos e belos de inúmeros santos; falar do Evangelho… mas os animais nunca enxergarão isso.

Podemos dizer claramente que vivemos uma experiência da verdade, porque, em determinado momento, nós a vimos! Mas essa experiência não costuma ser vivenciada por nós no dia a dia — tirando as nobres exceções dos grandes filósofos e dos santos de sétima morada, que estão sempre na presença da verdade: os primeiros, pela luz natural da razão; os últimos, pela luz sobrenatural da fé.

O ser humano, em sua esmagadora maioria, é um “animal que se esquece”. Temos a capacidade de passar por uma experiência inefável e maravilhosa, capaz de marcar a nossa vida e, pouquíssimo tempo depois, estarmos de volta ao fluir do mundo sensível — para usar uma linguagem filosófica: vamos até a esquina e já estamos imersos nas contas para pagar, na ligação que precisamos responder, no horário que temos de agendar, no sono que estamos sentindo. Essas coisas nos transportam para outro lugar.

Utilizamos o referente religioso porque é uma experiência básica para a maior parte dos alunos aqui neste encontro. Aliás, muitos de vocês devem estar pensando agora: “Poxa, realmente… por que somos assim? Porque acontece de eu estar com o pensamento imerso em Nosso Senhor, sabendo que Ele é tudo para mim, desejando o Céu… e, num segundo, o vizinho liga uma música alta e já quero matá-lo?” Ou seja, como saímos tão rápido da experiência transcendente de contemplar as verdades eternas para a trivialidade — quando não a baixeza — das coisas corriqueiras?

Os cínicos e os sofistas antigos tinham uma resposta para isso: eles diriam que essa sublimidade da contemplação seria apenas um autoengano, simples assim.

No teatro grego, há uma comédia de Aristófanes chamada As Nuvens, em que Sócrates é retratado como um personagem que aparece dentro de um cesto, pendurado no teto do palco — flutuando “nas nuvens”, com os pés fora do chão. Então, acontece um encontro entre dois pais atenienses, que perguntam um ao outro sobre seus filhos. Um dos pais começa a falar dos grandes feitos de seu filho, naquela sociedade pragmática e utilitarista dos sofistas. Já o outro pai lamenta-se, desiludido, dizendo que seu filho passa o dia debaixo das cobertas soltando flatulências, porque se meteu a ser filósofo.

Eis a visão do que é um filósofo nesse tipo de sociedade utilitarista: alguém dedicado a uma atividade inútil, ou seja, que “não faz nada”. Então vemos claramente que, num meio que valoriza a vida prática, somos incentivados a nos livrar dessas “bobagens”: sejamos nós fiéis católicos que querem contemplar a verdade pela luz sobrenatural da fé, ou filósofos iludidos com o “mito” de alcançar a verdade com a luz natural da razão.

Uma sociedade pragmática torna-se assassina

Qual o problema desse pragmatismo cada vez mais arraigado na cultura? O problema é que a sociedade que surge disso é uma sociedade assassina.

Não estamos aqui para uma aula a respeito do pensamento do Max Horkheimer, um dos pais e o presidente mais famoso do Instituto de Pesquisa Social — Institut für Sozialforschung — de Frankfurt. Mas em nosso encontro passado comentamos que ele trabalha esse conceito no livro que escreveu em inglês, Eclipse of Reason (Eclipse da Razão). O primeiro capítulo — muito bem escrito, por sinal — contém exatamente uma descrição da sociedade americana pragmatista [1].

Nesse capítulo chamado Means and Ends (Meios e Fins), Horkheimer notou como a sociedade atual concorda com a conversa daqueles pais, em As Nuvens, de Aristófanes, quando criticavam a atividade dos filósofos. A sociedade ateniense daquela época era assim: pragmática e sem o menor interesse em buscar a verdade, mas apenas o que funcionava e o que não funcionava. O que torna alguém bem sucedido ou não. Eles não tinham toda a elaboração sofisticada de pensadores pragmatistas americanos como James, Dewey e Peirce, mas, substancialmente, pensavam da mesma forma.

O que é esse “instrumento” chamado razão, do qual Horkheimer falou nesse livro e que depois se tornou uma expressão recorrente em sua obra — Zur Kritik der instrumentellen Vernunft (Para uma crítica da razão instrumental)? Trata-se da razão daquele sujeito que não é exatamente inteligente, mas que poderíamos definir como “sabichão”, esperto — em inglês, clever —, alguém que tem certo brilhantismo em alcançar seus objetivos. Lamentavelmente, é dessa forma que hoje enxergamos a razão. Por que os pais querem matricular um filho na universidade? Ora, porque o ensino superior será um meio disponível para que ele use sua inteligência como instrumento para se inserir no mercado de trabalho e, assim, conseguir dinheiro. E se ele for dessas pessoas mais especiais na elaboração de projetos, talvez consiga levar adiante grandes empreendimentos, como uma grande empresa ou uma carreira política.

Seja qual plano que tenham em mente, por que alguém quer estudar hoje em dia? Por que procurar saber de algo? Ora, porque o conhecimento é útil. São iguais as pessoas que começam a assistir ao Studiositas e constantemente precisam de uma “chamada de atenção”, porque sempre esperam que o Padre lhes dê instrumentos para a sua caixa de ferramentas, ideias úteis para que mostrem como são inteligentes, como conseguem resolver problemas com o que aprenderam aqui.

É exatamente essa veneração da razão como mero instrumento que, na análise de Max Horkheimer, gerou o horror da Alemanha nazista. Recordemos que as conferências que deram origem à obra Eclipse da Razão foram proferidas em 1947, quando havia recém-terminado o horror da Segunda Guerra Mundial. Ainda era motivo de choque que, de uma nação “avançada filosoficamente” ou “desenvolvida racionalmente” como a Alemanha — considerada o berço da civilização moderna florescente — tivesse surgido o barbarismo do nacional-socialismo, dos campos de concentração, de milhares de judeus mortos. Max Horkheimer então alertou que, observando os EUA — onde morava desde 1934 —, era possível identificar o mesmo problema. Ainda que os norte-americanos se gabassem de valores como a democracia e a liberdade, estavam imersos na razão instrumental, e não no compromisso com a verdade. Qual seria, então, a razão para que os Estados Unidos ainda não tivesse trilhado o mesmo caminho que a Alemanha nazista?

Aqui, deixo de lado o pensamento de Horkheimer para tentar responder a essa pergunta. É provável que os Estados Unidos não tivessem caído nos horrores extremos da razão instrumental, porque ainda possuíam uma inércia de cristianismo que a Alemanha já tinha perdido. Os EUA eram, em 1947, uma sociedade basicamente cristã, em muitos aspectos, ainda que fosse um cristianismo residual, sobrevivente, fruto de uma evangelização que ocorrera séculos antes.

O próprio Horkheimer destacou que a Constituição americana descreve que a nação está fundada em valores como justiça, igualdade, felicidade, democracia e direito à propriedade. Tudo isso, porém, seriam resquícios de uma época em que as pessoas, por exemplo, realmente criam objetivamente na justiça. Havia uma noção de que, no próprio ser das coisas, é possível distinguir o justo e o injusto. Desse modo, as constituições modernas só estariam “de pé” baseadas numa crença, ainda que residual, de que existe uma razão objetiva, uma ordem natural.

Na prática, porém, as pessoas já estariam vivendo contemporaneamente como quem tem convicção de que não há justiça ou liberdade objetivas. Cada vez mais, acredita-se no que é útil, no que é convencional, naquilo que é prático e funciona na ordem social. Ora, para Horkheimer, assim que se evaporasse esse resquício “mitológico-medieval” de crença na existência daqueles valores no mundo real e na existência de uma ordem no ser das coisas, nada impediria que os Estados Unidos se tornassem uma espécie de Alemanha nazista.

Nesse sentido, Max Horkheimer tem razão! Exceto por um detalhe: ele não percebe que seu pensamento, de forma geral, também está contribuindo para isso. Ao destruir a existência da razão objetiva, a Escola de Frankfurt e suas revoluções na área cultural fizeram dos Estados Unidos aquilo que eles são hoje: um país onde o utilitarismo da razão está se transformando numa tirania.

O caráter destruidor da razão instrumental

É importante entendermos qual é a nossa tarefa. Investimos um bom tempo conversando sobre essas coisas, para enxergarmos que o que importa nestas aulas não é que “O Padre Paulo Ricardo coloque ideias corretas na cabeça de seus alunos”. Eu posso fazer isso de outro modo: há 17 anos o site ensina a Doutrina da Igreja, os dogmas dos Concílios, as Encíclicas Papais, o Catecismo da Igreja, os tratados dos santos — tudo isso faz parte das ideias corretas que estamos ensinando. Mas o que estamos fazendo no programa Studiositas é um trabalho que, como já dito anteriormente, faz parte de uma outra fase do nosso apostolado.

Não é objetivo desta formação permanente apenas colocar ideias corretas na cabeça de vocês, alunos, mas ensiná-los a pensar. É como o pai que, em determinado momento, precisa deixar de só alimentar seus filhos, para ensiná-los a obter comida e prepará-la.

Na prática, isso quer dizer que a primeira coisa que estamos fazendo é “exorcizar” a atitude contrária ao nosso objetivo: ou seja, aquela atitude de quem apenas quer obter ideias úteis com o Padre Paulo Ricardo para guardar em sua caixa de ferramentas, em seu repertório de ideias, e utilizá-las quando for conveniente. Essa é a razão instrumental que Horkheimer critica com razão, por ser algo destruidor.

Escola de Frankfurt: dialética do negativo

Um adendo sobre a Escola de Frankfurt, pois sinto que falta aos alunos um pouco de conhecimento sobre o tema.

A Escola de Frankfurt é um grupo de pensadores que são, de certa forma, dissidentes do marxismo clássico. São estudiosos que se debruçaram sobre algumas intuições do jovem Karl Marx e levaram-nas a um radicalismo que nem mesmo o pai do comunismo ousaria.

Intrinsecamente, o que esses pesquisadores fizeram está bem resumido naquilo que eles chamaram de “dialética negativa”, que consiste em fazer duras críticas “a tudo e a todos”, como ocorre na obra Eclipse da Razão. Ao concluirmos a leitura desse livro, nós nos questionamos: “Mas qual a proposta de Horkheimer?” Resposta: nenhuma! Esses autores da Escola de Frankfurt não querem propor nada, somente destruir. Para usar a linguagem de Eric Voegelin, eles têm uma fé metastática — pensam que dessa destruição brotará “algo novo”. E isso lhes basta.

É como em Fausto, de Goethe, quando o demônio Mefistófeles responde ao Doutor Fausto, que havia perguntado quem ele era: “Eu sou uma parte daquele poder…” (“Ein teil ein kraft”; kraft equivale a “dynamis”, o poder no sentido de energia, de capacidade de fazer as coisas). Assim consta a resposta completa: “Eu sou uma parte daquele poder que sempre faz o mal, e que sempre dá origem ao bem” [2]. Eis a fé metastática. A partir do mal, da contínua destruição de tudo, a pessoa espera que um dia brote o bem. Convenhamos: quem pensa assim tem mais “fé” do que nós, católicos.

A fé metastática nada mais é do que uma perversão gnóstica de Horkheimer, Adorno, Marcuse e dos demais membros da Escola de Frankfurt. Por isso, quando alguém diz que tem dificuldade para entender a proposta frankfurtiana, respondo: exatamente, é que eles não têm proposta alguma. Seu objetivo é tão somente a destruição — agem como alquimistas que focam na fase do solve, esperando que a etapa do coagula surja espontaneamente.

Ainda assim, estamos nos deixando criticar por Horkheimer para que, nessa crítica cruel, ele ponha o dedo na ferida da sociedade em que vivemos. Estamos deixando que ele cumpra o papel de acusador — de Satã — para que aponte a nós, que buscamos a verdade, algumas fragilidades do meio em que vivemos.

Ainda que Horkheimer tenha o claro problema de se resumir à acusação e ao poder destrutivo, devemos lembrar que uma explosão não é uma coisa essencialmente ruim. Afinal, o motor de um carro é movido à explosão — uma explosão controlada. É isso que estamos propondo nesta dinâmica: não porque tenhamos a mesma fé metastática, acreditando que da destruição brotará algo bom; mas porque devemos admitir que mesmo um louco pode ver algo que não enxergamos. É como aquelas histórias em que um bobo da corte diz, a seu modo, muitas coisas verdadeiras e assim desnuda uma doença de sua sociedade.

A pragmatização dos estudos

Devemos reconhecer, portanto, essa nossa tendência de querermos estudar nas universidades — ou até mesmo aqui neste site — para conhecermos as coisas que nos farão “bem sucedidos”. Esse é o nosso utilitarismo pragmatista: às vezes radical, às vezes inconsciente, às vezes disfarçado. Seja como for, é algo que precisamos exorcizar.

O que dizer, então, de quem que quer estudar para “resolver a crise da Igreja”? Apesar de bem intencionado, é alguém que já introduziu uma premissa que vai impossibilitar o seu estudo e a sua capacidade de realmente enxergar a verdade; pois tudo aquilo que lhe parecer “desagregador” para a Igreja não será devidamente investigado. No entanto, poderia ser a partir daquele diagnóstico que você encontraria uma solução adequada.

Ainda no capítulo Meios e Fins, Horkheimer recorda que, antigamente, no projeto socrático — com Sócrates, Platão, Aristóteles — mas também na Escolástica e, de certa forma, até mesmo no idealismo de Hegel, há uma busca por uma finalidade: o Bem Supremo. Eles buscavam o que já pontuamos, repetidas vezes, que é também a nossa intenção: contemplar a verdade e ordenar devidamente as coisas. Afinal, sabemos que, quando temos a má disposição dos bens, acabamos fazendo o mal.

O problema da Escola de Frankfurt é que eles mostram a desordem, mas simplesmente não acreditam que exista ordem — o que é uma contradição, algo absolutamente impossível. Não é possível denunciar o mal sem acreditar que exista um bem, mas é exatamente o que os frankfurtianos fazem: denunciam a todo momento disfunções e contradições, sem admitir que isso só é possível quando temos em mente o que significa o coerente e funcional.

Para dizer que uma coisa está desordenada, precisamos ter em mente o modelo ordenado, ainda que esquemático ou hipotético. Os filósofos antigos buscavam a verdade e o Sumo Bem não porque tinham a pretensão de organizar as coisas num sistema perfeito — porque isso é impossível para a mente humana — mas devotam suas vidas para colocar em ordem o que estivesse a seu alcance.

Para usar uma metáfora, é como se nos questionássemos: quando é que teremos um quarto perfeitamente ordenado? Nunca! Um quarto perfeitamente ordenado é algo que não existe no mundo real. Só o fato de o tempo estar passando já é o suficiente para que a poeira siga se acumulando em suas prateleiras. Ainda que você fique estático em seu quarto, sem mexer em um livro, sem tirar nada do lugar, o tempo está passando, as coisas estão envelhecendo, a poeira está assentando.

O que deve fazer quem tem o desejo de ordenar suas ideias? Ora, deve constatar se elas correspondem à verdade, colocá-las em ordem, fazer um exame de consciência, melhorar a sua vida em função da verdade e da ordem encontradas, sabendo que existe o Sumo Bem, buscando sempre a coerência e assim por diante. Quando terá fim esse processo? Nunca. É algo constante enquanto você estiver vivo. É isso que o Studiositas propõe, e é o que estamos fazendo aqui.

Não me interessa que alguém assine o site padrepauloricardo.org para colecionar ideias boas ou “sacadas” para impressionar o pessoal da paróquia. Estou interessado em mudar a cabeça de meus alunos, tirar de uma vez essa atitude louca de se deixar levar por essa razão instrumental, subjetiva, utilitarista, pragmática.

Embora Horkheimer não seja parte da solução — e, na verdade, esteja agravando ainda mais o problema — ele tem razão quando diz que essa razão subjetiva é a premissa da desgraça. O que não quer dizer que ele tenha enxergado algo que ninguém havia percebido. Há séculos já havia essa noção.

Razão objetiva não é utopia

Vamos pensar a respeito da obra A República, de Platão. Os marxistas em geral — e Horkheimer também se inclui nisso — cometem a estupidez de pensar que, nesse livro, Platão está explicando como uma sociedade utópica deveria ser, como se estivesse apresentando um projeto de sociedade. Vejamos o que diz o autor de Eclipse da Razão:

Platão, por exemplo, em A República, dedica-se a provar que aquele que vive à luz da razão objetiva também vive uma vida bem sucedida e feliz. A teoria da razão objetiva não se focava na coordenação entre o comportamento objetivo, mas em conceitos, por mais mitológicos que eles hoje nos soem, sobre a ideia de um bem supremo, sobre o problema do destino humano e sobre a forma de realização dos fins últimos [3].

Isso só mostra que Horkheimer não entendeu minimamente A República. Em que consiste, de fato, essa obra de Platão? A República é uma análise da sociedade ateniense doente na qual seu autor vivia. Isso é apresentado de uma forma dialética, no sentido clássico (e não marxista) da palavra: ao longo do livro, Sócrates é utilizado por Platão como um personagem que dialoga com os sofistas — homens da antiguidade que pensavam de forma análoga aos pragmatistas americanos.

Sócrates vai realizando esses diálogos para mostrar — através de um conceito ideal e não realizável — a disfunção de sua sociedade para tentar melhorá-la, na medida do possível.

Vamos nos lembrar: não há como ordenarmos as coisas se não tivermos, pelo menos, uma noção esquemática de como é um estado de ordem. Afinal, como um médico poderia curar um paciente se não tivesse ao menos uma noção esquemática de como seria a condição ideal da saúde de um paciente? Por acaso, algum médico se ilude pensando que um dia conseguirá vencer a morte e fazer com que seus pacientes tenham um organismo perfeitamente saudável? Ora, isso não existe! A mesma premissa vale, portanto, quando analisamos a sociedade em que estamos inseridos.

Horkheimer, por sua vez, é um daqueles que se iludem: afirma não crer em bem ou mal, mas arvora-se no papel de mostrar onde estão a maldade e as contradições da sociedade. Mas como mostrar um mal sem estabelecer ao menos um contraste com uma noção referencial de bem? Isso é impossível! Não há como mostrar uma desordem sem uma noção ainda que aproximativa e hipotética de ordem.

Ao afirmar que Platão “dedica-se a provar que aquele que vive à luz da razão objetiva também vive uma vida bem sucedida e feliz”, Horkheimer trata o filósofo grego como um tolo. Quem de nós pensaria assim?

Algum de vocês, católicos, acredita realmente que, ao viver à luz da razão objetiva — à luz do Sumo Bem, do Evangelho, da verdade — terá uma vida bem sucedida e feliz aqui neste mundo? Pois, ou você não viverá plenamente feliz ou não viverá à luz do Evangelho e da razão objetiva. Não quer dizer que a santidade não seja possível, mas apenas que o “ideal de santidade” que você tem na cabeça: primeiro, não condiz com a realidade; segundo, é impossível de viver; e, por fim, não lhe trará a felicidade.

Não se preocupe, não sou um “relativista cínico”. Mas, para que nos aprofundemos nessa reflexão filosófica, façamos um parêntese religioso — afinal, não consigo viver duas vidas e creio que tentarmos fazer filosofia nos distanciando de quem somos não funciona.

Nosso Senhor Jesus Cristo é o Logos encarnado. Ele sabe! Quanto mais tentarmos buscar o conhecimento de Cristo, mais próximos estaremos de sua sabedoria. Porém, a Igreja não tem nenhuma ilusão de que viveremos isso plenamente aqui neste mundo, “do lado de cá da história”, mas sim na bem-aventurança eterna. Isso não nos isenta de fazermos o nosso trabalho: conversão, mudança de vida, oração, crescimento espiritual.

Subir às moradas do castelo interior e passar pelos graus de oração até os mais elevados? Tudo isso é verdadeiro! Mas mesmo o maior santo de sétima morada que estiver na terra, ainda que viva à luz da razão objetiva, ainda não o faz no último limite ideal. Por quê? Porque enquanto ele estiver aqui, pode sempre crescer e se aperfeiçoar. De alguma forma, esse santo que está na terra vive a experiência do já e do ainda não: ele experimenta, de alguma forma, a bem-aventurança do Céu, mas ainda não é a contemplação face a face, própria da eternidade.

Mesmo os maiores santos não podem viver uma vida perfeitamente feliz aqui na terra por causa das injustiças, loucuras e pecados ao seu redor. Considere a vida de Nossa Senhora: ela não viveu aqui, em momento algum, a “ilha da utopia”. A Bem-Aventurada Virgem Maria é Nossa Senhora das Dores.

Voltemos para A República: pensar que Platão está defendendo ali um pensamento utópico é desconhecer tanto essa obra quanto o pensamento de seu autor. Do mesmo modo, interpretar que nós, cristãos, defendemos um pensamento utópico aqui neste mundo, a busca de uma “terra sem males”, é reduzir a religião a um pensamento revolucionário. O cristianismo nunca defendeu essa ideia. Nunca houve um santo que tivesse tal objetivo.

Muitos atribuem erroneamente a São Thomas More alguma pretensão revolucionária por ter escrito a obra Utopia. Mas não percebem que se trata de uma sátira! Thomas More escreveu esse livro para seu amigo Erasmo de Rotterdam como um exercício imaginativo: como seria o mundo sem o pecado original? Ora, qualquer um sabe que isso é uma premissa irrealizável, o autor nunca teve a mínima pretensão de que aquilo se realizasse como algum tipo de projeto político.

Em uma entrevista do então Cardeal Ratzinger para um jornal francês, perguntaram a ele se a Igreja esperava realizar uma “sociedade perfeita”. O Cardeal então respondeu que sempre lhe desgostara o pensamento utópico; ao que o jornalista replicou: “Mas se não podemos esperar neste mundo a utopia, o que podemos esperar?”. O futuro Papa Bento XVI então disse: “Podemos esperar que sempre tenhamos força moral para resistir ao mal” [4].

A resposta acima foi dada a um jornalista, por isso seu tom mais racional; mas, se utilizássemos uma linguagem mais comum ao catolicismo, diríamos: podemos esperar que sempre tenhamos neste mundo a graça, para um dia, na eternidade, vivermos a “utopia da glória”. Obviamente, “utopia” aqui é somente uma alusão. Estamos, na verdade, referindo-nos a uma realidade sobrenatural.

Estou mencionando essas questões porque precisamos corrigir certas ideias loucas que trazemos conosco. Horkheimer faz sua crítica a Platão dizendo: “Plato, for instance undertakes in his Republic to prove that he who lives in the light of the objective reason also lives a successful and happy life” (“Platão, por exemplo, compromete-se em sua República a provar que quem vive à luz da razão objetiva também vive uma vida feliz e bem-sucedida” [5]). É uma afirmação categórica de que aquele que vive, no presente, uma vida pautada na verdadeira razão, também vive necessariamente uma vida de sucesso. Ora, dizer isso é transformar Platão num idiota!

Não criemos abstrações num mundo que já não existe. Não estamos mais no Paraíso de Adão e Eva. Para usar a linguagem teológica, não estamos mais numa situação pré-lapsária — o estado do homem antes d’A Queda. Estamos, sim, num mundo redimido, aquele no qual o Logos fez-se carne; e nós o matamos. Mas Ele ressuscitou e nos salvou; tem um lugar para nós no Céu e quer que sejamos santos.

A santidade é possível! Nós cremos nela! Há alguns anos, por meio deste apostolado, estamos nos esforçando para mostrar às pessoas o caminho da santidade. Todavia, podemos perceber que há uma certa alienação por parte de alguns católicos, que pensam que ser santo é ter uma vida sem percalços, utópica. Aqueles que vivem essa ilusão criam, em relação à santidade, uma expectativa irrealizável, que acaba resultando em um grande desânimo.

O que podemos realmente esperar? Percebam que Platão tinha um ideal de homem — que ele buscou, investigou e era um modelo que, digamos assim, meneava em sua cabeça —, mas era algo realmente muito esquemático, com o qual ele podia comparar o mundo real. Então, Platão pode escrever esse diálogo em que Sócrates vai perguntando às pessoas, para que ele mesmo vá depurando suas ideias e sabendo mais claramente o que precisaria ser feito.

Os diálogos platônicos são exatamente isso que fazemos no Studiositas: estamos aqui conversando para, aos poucos, começarmos a enxergar com ideias mais claras. Por um momento, saímos do “fluxo do dia a dia”, das preocupações cotidianas, para colocarmos a nossa vida sob a luz da razão. Neste diálogo, vamos abrindo aos poucos os olhos da alma, enxergando o que precisamos mudar em nossa vida a partir das verdades contempladas.

Temos sempre uma certa noção esquemática da verdade e, nesse processo dialético, vamos nos adequando cada vez mais a ela, ao mesmo tempo que essa mesma noção vai se enriquecendo. Porém, ao contrário de Platão, que possui somente esse ideal de homem bastante abstrato, nós cristãos temos a graça de podermos olhar para “o homem ideal”, mas bastante concreto: Nosso Senhor Jesus Cristo.

Para usar a linguagem de Von Balthasar, Jesus é o universal concreto — “Ecce Homo”, “Eis o homem”. Não precisamos mais, às apalpadelas, procurar quem é o homem. Jesus é o homem. O homem se fez carne e habitou entre nós; morreu na Cruz e ressuscitou; está vivo no Céu e presente nos sacrários; dá-nos a Graça e alimenta-nos em cada Eucaristia.

No entanto, não podemos nos iludir pensando que, por conhecermos Jesus, já esgotamos todo o seu mistério. A diferença é que temos um parâmetro concreto para buscar e nos aproximar. Trata-se de uma tarefa diária, incessante, mesmo para os santos de sétima morada. Ora, mesmo Nossa Senhora, a Imaculada Conceição, crescia em graça e merecimento, passando do menos para o mais todos os dias!

Exercer atos de inteligência

Podemos perceber, neste ponto, que Studiositas não é apenas um programa, mas uma tarefa! E qual a sua finalidade? Exercitarmos a nossa inteligência humana.

Nós precisamos fazer atos de inteligência. Quando exercemos a inteligência pela luz natural da razão, isso é chamado de estudo, investigação filosófica, a contemplação da verdade através de um ato de filosofia; se a inteligência for exercida pela luz sobrenatural da fé, chama-se ato de fé, um ato que pode ser cada vez mais iluminado, e até místico.

Os atos de inteligência, natural ou sobrenatural, mostram para o nossa vontade o que é preciso ser amado. Quando amamos o que é elevado e sublime, também nos tornamos elevados e sublimes. Quando amamos somente aquilo que é baixo e vil, naturalmente nos tornamos baixos e vis. Somos aquilo que amamos!

Aquele que se perde em curiositas o dia inteiro, preso num infindável carrossel de vídeos do Instagram, torna-se baixo como esse vício e seus conteúdos. Mas quem, humildemente, está disposto a trilhar o caminho da busca pela verdade, torna-se uma pessoa melhor.

Podemos resumir agora o conteúdo que vimos neste encontro — mas não o que vivemos, já que para cada um há uma experiência diferente. Recordemos que, na aula passada, vimos as tragédias e as dificuldades de uma razão vista como subjetiva. No episódio de hoje, nós nos debruçamos sobre a descrição que Max Horkheimer fez das tragédias da razão subjetiva. Vimos também que o pensador alemão fez um alerta, ao identificar, na sociedade norte-americana que o acolheu, alguns dos problemas presenciados em sua terra. Horkheimer também conclui que, se os Estados Unidos ainda não haviam caído em algo similar ao nacional-socialismo, isso se devia ao fato de que nos valores fundantes de Constituição americana, assim como em sua weltanschauung (sua “visão de mundo”), ainda permaneciam influentes, ainda que de forma “residual” — o conjunto de valores provenientes daquele tempo em que se havia uma razão objetiva, quando se cria em conceitos como justiça e liberdade como realidades intrínsecas à natureza das coisas. Pesava, porém, o fato de que contemporaneamente às conferências de Horkheimer, ninguém mais cria nesses valores de fato, motivo pelo qual o autor previu que, ao evaporar-se esse resquício de razão, os Estados Unidos também se tornariam uma sociedade perversa.

Com efeito, vimos que Horkheimer tem razão, embora ele mesmo não apresente solução alguma. Ao contrário, está ajudando a acabar com a remanescente razão objetiva e a transformar aquela sociedade num caos, haja visto que por grande influência da Escola de Frankfurt (com destaque para Herbert Marcuse, colega de Horkheimer), surgiriam a revolução sexual e as ideologias pautadas na destruição da família.

Esses pontos aos quais Horkheimer se refere, no entanto, estão presentes há séculos na boa tradição filosófica, remetendo a nomes como Sócrates e Platão. Voltando a falar de A República, há um diálogo marcante entre Sócrates e Trasímaco no qual se tem a impressão de que o filósofo está propondo uma sociedade ideal. Contudo, Sócrates — que podemos ler aqui nesta obra como uma persona do próprio Platão — está fazendo dentro de si um processo de abrir os olhos da alma: um parto de ideias.

Sócrates está começando a enxergar melhor a incoerência e a insensatez da sociedade em que vive, na qual há alguém como Trasímaco, que defende que a injustiça é melhor do que a justiça. Na visão do sofista, qualquer um gostaria de fazer a injustiça, que lhe é muito mais vantajosa, e só não faz porque as leis que o impedem são determinadas por homens mais fortes. Ele defende que a injustiça é melhor, porque é muito mais fácil roubar seu vizinho para ficar mais rico; ou matar seus adversários para se livrar de um problema. Entende, porém, que é preciso se conformar às leis vigentes.

Após ouvir as afirmações de Trasímaco, Sócrates começa a dialogar com ele, levando o seu interlocutor a enxergar a profunda incoerência e hipocrisia do que está dizendo. O filósofo mostra que, quando vamos viver em sociedade, damos ao outro o direito de viver aquilo que estamos pregando para as nossas próprias vidas.

Logo em seguida, entra na história outro sofista, Glauco, que tenta contrapor a sociedade truculenta descrita por Trasímaco com outra visão, que pode ser resumida, basicamente, ao mesmo utilitarismo pragmatista denunciado por Horkheimer na obra Eclipse da Razão.

Mas por que motivos Sócrates está debatendo com sofistas? Evidentemente não é porque o filósofo quer lhes apresentar uma proposta de sociedade ideal. Vemos, por exemplo, que quando Sócrates fala da figura do sábio, pensa no esquema abstrato do homem apartado do tumulto da sociedade para contemplar a verdade. Na vida concreta, porém, ali está Sócrates inserido nessa mesma sociedade, debatendo com sofistas! Fica evidente, portanto, que através desses diálogos, Sócrates está aferindo as contradições internas de seus próprios conceitos para que, nesse exercício, possa emergir como uma pessoa melhor.

Eis o grande ensinamento de A República: o que os diálogos fazem com o próprio Sócrates. O filósofo sai desse processo dialético como uma pessoa melhor — de tal forma que a passagem mais famosa da obra, o Mito da Caverna, pode ser identificada como a própria vida de Sócrates!

Está certo que a alegoria da caverna fala da epistemologia platônica, e de como ele vê o conhecimento, mas também quer dizer o seguinte: na cidade de Atenas, estão todos como que nas trevas de uma caverna; até surgir Sócrates, o homem que viu a luz, e aquele a quem o Oráculo de Delfos se refere como o mais sábio de toda a Grécia. Ciente do engano de toda aquela sociedade, Sócrates começa a acordar aquelas pessoas. E o que elas fazem? Sentem-se incomodadas por terem de sair da caverna e tentam matar o filósofo. Esse é o Mito da Caverna — e qualquer semelhança com Jesus Cristo e com os mártires não é mera coincidência!

Àqueles que se propuserem a fazer esse trabalho de Studiositas, deixando-se transformar interiormente, sem buscar uma utilidade prática imediata, irão se tornar pessoas melhores. Mas para fazer isso, é preciso que nos dediquemos a esses “diálogos platônicos”, constantes diálogos de Studiositas, como esse exercício que estamos fazendo aqui.

Por isso, quando alguém perguntar a algum de vocês “o que o Padre falou na aula passada?”, é porque ainda não compreendeu tudo aquilo que insistimos aqui: temos de passar pela experiência da aula, o que importa não é o conteúdo ou seu resumo, mas, sim, a experiência de diálogo. A cada vez que um de vocês assistir a esta mesma aula, irá enxergar um ponto diferente. Trata-se, portanto, do que a aula está fazendo em você.

Relacionando o que estamos fazendo aqui ao paradigma de A República, de Platão, percebemos que, mesmo nesta obra, o que mais importa não é o conteúdo do que foi discutido, mas o fato de que aqueles diálogos fizeram com que Sócrates se tornasse uma pessoa melhor.

Sócrates, mestre de Platão, é o protagonista que o autor utiliza para fazer essa dialética, esse parto de ideias, para libertar a si mesmo. O resultado final de A República é que Sócrates conseguiu se libertar do utilitarismo cínico e da cultura de morte na qual a sociedade ateniense, de forma real e concreta, estava imersa. Aquela cultura amarrava a todos na escuridão da caverna, mas o filósofo conseguiu se libertar e ir para a luz.

Vivemos também nós no dia a dia da caverna. Mas quando rezamos, vemos a luz. Quando estudamos, vemos a luz. Mas como somos pessoas que se esquecem, constantemente acabamos voltando para a caverna com “nossa coberta” e “nosso travesseiro”, para ficarmos acomodados na escuridão da cultura de morte.

1.ª Pergunta

“Este refinamento da nossa inteligência, para que esteja apta a buscar a verdade, seria o objetivo da arte da lógica?”

Não. E não devemos confundir dialética com lógica. A lógica refere-se ao mundo das conclusões inexoráveis: “dois mais dois é igual a quatro”. A dialética é outra coisa, é exatamente o que estamos fazendo aqui: nos debruçando sobre o mundo real e tentando extrair as contradições internas dos conceitos que temos das coisas, para verificar se elas são mais complexas e ricas do que a visão esquemática que temos delas. O exercício de nos aperfeiçoarmos para enxergar com mais clareza a luz da verdade que está no real não se faz com lógica, mas com dialética.

Qual é a diferença? A dialética é um diálogo verdadeiro: conversar com uma pessoa, questionando-a e deixando-se questionar, para que ambos consigam — nesse processo de cavoucar a verdade sob aspectos diversos — enriquecer e aprimorar o conceito que têm daquela coisa que está em discussão. É claro que isso supõe honestidade da parte dos dialogantes.

Naturalmente, precisamos nos lembrar que os conceitos que temos em nossas cabeças são abstrações, e que somente Deus consegue pensar o mundo real como ele é, de fato, em sua inteireza. Isso não quer dizer que não saibamos nada da verdade: podemos capturar aspectos importantes! Mas para isso é sempre necessário esse tipo de diálogo. E por mais que o mundo esteja repleto de gente desonesta, que utiliza o diálogo como mero instrumento ideológico escravizador, mesmo com esses interlocutores é possível tirarmos algum proveito com a devida habilidade e virtude.

É o que estamos fazendo, por exemplo, com o próprio Horkheimer. O autor já faleceu há anos, não vamos convencê-lo de nada, mas estamos dialogando com seu texto. Estamos nos servindo de um pensador ateu, com traços de gnosticismo, cuja obra teve um caráter bastante destruidor em nossa sociedade, entretanto, ao fazer esse processo dialético, estamos realizando algo similar ao que Sócrates fez em relação a Glauco e Trasímaco. É um processo no qual procuramos enxergar alguma coisa e sairmos melhores.

Para que esse exercício fique ainda mais claro, destacamos que Sócrates não conseguiu convencer Trasímaco. Em certo momento de A República, o sofista acaba até mesmo abandonando o diálogo, irritado. Mas o fato que nos importa é que Sócrates torna-se uma pessoa melhor. Do mesmo modo, não estamos procurando convencer frankfurtiano algum. Não nos interessa aqui lidar com silogismos ou com a arte retórica.

O que estamos fazendo em Studiositas é dialética no sentido clássico da palavra. Um diálogo através do qual enxergamos as coisas de forma mais rica e profunda. Desse modo, uma vez que vemos algo da verdade, sabemos que ali há algo de divino. É sempre com essa humilde disposição que, por meio do diálogo, podemos aprender algo com todos. Não no sentido de que estamos diante de um mestre, mas de um interlocutor a partir do qual podemos enxergar alguma coisa a mais.

2.ª Pergunta

“As tragédias gregas parecem expressar justamente o que o senhor chamou de ‘desânimo’ diante de um ideal que não se consegue realizar. O que o senhor nos diz a esse respeito?”

As tragédias gregas têm aquela finalidade própria da linguagem poética, da arte, que é expressar — para usar uma expressão do Freud — o “mal estar de uma civilização”. Os gregos, com as suas mitologias, terminam se aprisionando naquela visão do destino férreo de vontades divinas, o fatum — deuses que brincam conosco, criando entre nós situações de desânimo e de fatalismo.

É claro que a tragédia tem certa vantagem catártica: aquilo é, de certa forma, um exercício de purificação das angústias interiores que a pessoa vive. As tragédias gregas têm verdades, mas sua finalidade não é expressá-las.

Abordar uma tragédia grega como um livro-texto é deixar de colher para nosso proveito aquilo que ela realmente é: a expressão de impressões, de dramas sociais e interiores e de visões de mundo, com suas disfunções.

No mito de Sísifo, temos um sujeito que cometeu um crime e, por isso, foi condenado por toda eternidade, no Hades, a rolar uma pedra até o cimo de uma montanha e, uma vez alcançado o topo, a pedra rola de volta, de modo que ele precisa começar tudo outra vez.

Dentro da visão de mundo dos gregos, há grande enfoque na natureza cíclica do cosmos. Embora se realize a obra cósmica, cada vez mais bela e ordenada — κόσμος, “kósmos” significa “ordem” —, ela necessariamente terminará no caos; tal qual o ciclo do ano: a primavera e sua beleza, o verão e o amadurecimento dos frutos, o outono e a colheita e, então, de repente, vem o inverno, com sua morte, desgraça e tragédia.

Assim como o dia amanhece luminoso e bonito e, pouco depois, anoitece e tudo se torna trevas, assim também os gregos viam a vida humana e o ciclo do cosmos. Um ciclo inexorável do qual não se pode sair, por mais que se lute. Nesse contexto, todos os benefícios que conseguimos são transitórios, somos reféns desse ciclo e não há espaço para a esperança.

Na realidade, a própria esperança como virtude surgirá apenas com o cristianismo, que apresenta uma outra visão da história: não se trata mais de um ciclo claustrofóbico, uma uma sequência de ordem e caos, mas uma história que tem um télos — “τέλος”, uma finalidade, um “propósito final”.

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