É uma alegria iniciarmos este terceiro encontro de nossa formação permanente, pela qual queremos promover a virtude da studiositas e buscar o conhecimento da verdade, ao invés de ficarmos perdidos na curiosidade — algo que, infelizmente, tem aprisionado muitas pessoas.

A finalidade desta formação é levar nossos alunos a essa liberdade interior de quem enxerga a verdade. Nosso Senhor disse: “A verdade vos libertará” (Jo 8, 32). Isso significa que, quando obedecemos a alguém, ou estamos seguindo o pai da mentira, que nos leva para a escravidão, morte e destruição; ou estamos conformados à verdade, que é uma pessoa: o próprio Deus.

Hoje, começaremos a refletir sobre essa realidade de querermos, naturalmente, ser livres; e acabaremos descobrindo os fundamentos para uma vida séria de estudos.

Uma coisa que precisamos deixar claro, desde o início, é que “um homem de mentiras não pode conhecer a verdade”. Ou seja, quem se põe a caminho da verdade, deve ter um mínimo de virtude e disposição para mudar, e até desmontar a vida inteira se for preciso, a fim de se conformar à realidade.

A complicada relação entre cultura moderna e liberdade

Lúcifer, aparentemente, quis ser livre quando disse: “Não servirei!” Os adolescentes também são assim: possuem uma ânsia de saírem de casa para serem finalmente livres; mas muitos, quando o fazem, acabam se escravizando nas drogas e na pressão social dos grupos de que desejam fazer parte (e que massacram os que pensam diferente). Parece que o ser humano tem certa compulsão, uma tendência de se escravizar cada vez mais enquanto acredita em uma “propaganda de liberdade”.

Não é preciso muita inteligência ou cultura bíblica para enxergarmos nisso o drama de Adão e Eva no paraíso. As pessoas não param para pensar em um princípio básico: Deus fez as coisas. Portanto, Ele é o Ser e a fonte do ser. Deus é o próprio princípio, e a estrutura da realidade foi pensada e realizada por Ele. Logicamente, se Deus é o “engenheiro” que projetou todas as coisas, então Ele sabe como elas funcionam de forma correta — e sabe o que é o melhor para nós.

Satanás veio, porém, com a seguinte mentira: “Deus está enganando vocês! Não confiem nele, confiem em mim, que estou lhes mostrando a verdade. Comam do fruto da árvore do bem e do mal e vocês serão como deuses: serão livres como Ele, não precisarão obedecer-lhe e poderão decidir o que convém para vocês”.

É nesse projeto bastante sedutor do “Sereis como deuses” que toda a cultura moderna está conscientemente embasada. Isso não se trata de uma interpretação mística ou alegórica, mas sim de pura e simples historiografia. A cultura moderna se compreende, desde o princípio, como a elevação do homem ao centro de toda a existência, colocando-se inclusive no lugar de Deus.

Basta lembrar o que se aprende no Ensino Médio, sobretudo nas aulas de História, quando acaba a Idade Média e começa a Idade Moderna. A primeira coisa que se ensina é que “a humanidade saiu de um período teocêntrico e agora passou a viver sob uma visão antropocêntrica”. Depois se aprende que “o humanismo é o período da valorização do ser humano a partir da razão; após mil anos de trevas, inicia-se a ‘Idade das Luzes’”. Toda a linguagem didática que se usa nas escolas fala de termos como: Iluminismo, razão, enciclopédia, grandes filósofos. Tudo isso em detrimento do período anterior e de suas associações: Idade das Trevas, padres com suas batinas pretas, cantos escuros em mosteiros lúgubres (com todas as suas perversões sexuais enquanto reprimiam a sexualidade das pessoas e as impediam de serem felizes e livres).

O que acontece com a nossa cultura, desde esse processo do Renascimento, passando pelas revoluções Francesa, Marxista, sexual e todas as outras? Promete-se sempre uma liberdade maior, uma felicidade maior — “sereis como deuses”. Não nos iludamos pensando que os protagonistas desses movimentos ignoram Deus na elaboração de suas teses. O filósofo germano-americano Eric Voegelin, ao estudar o desenvolvimento das ideologias modernas, demonstrou que, em Hegel, Marx e Nietzsche, existe uma clara recusa de submissão a Deus.

Há uma conhecida passagem de Nietzsche: “…se existem deuses, como poderia eu suportar não ser um deus!? Por conseguinte, não há deus”[1]. Vejam que a desonestidade intelectual é assumida e clara! A conclusão, propositalmente, não decorre da premissa. É argumento nenhum, é deliberada auto-ilusão. Outro pensador da primeira metade do século XX, Nicolai Hartmann, também identifica esse fenômeno, dizendo que o problema do homem moderno não é tanto saber se Deus existe ou não, mas se recusar a pensar “o que significa ter um Deus?”.

Ora, se Deus existe, nós não nos pertencemos! Nenhum de nós é causa sui — homem algum é “causa de si mesmo”. Portanto, ninguém pode inventar o que deseja ser. Existe um Deus, e Ele me fez homem e pensou que eu seria assim: orelhudo, dentuço, careca, magrelo, etc. Enfim, Deus me pensou assim e Ele me pensou nesta estrutura de realidade.

Como a nossa inteligência se relaciona com a estrutura da realidade

Os seres humanos são essa forma de as inteligências espirituais viverem unidas à matéria, a este mundo físico — todos, por conseguinte, dentro de seus limites: uns mais e outros menos inteligentes, uns mais e outros menos saudáveis, uns mais e outros menos ricos. Essa é a estrutura do real, é assim que nós somos. E se existe um Deus, o que devemos fazer? Podemos perceber que algo não está certo, porque existem o mal, o demônio e o pecado, mas também enxergamos que a estrutura do ser vem de Deus, e uma vez que descobrimos isso, precisamos adequar a nossa inteligência à realidade.

A inteligência humana funciona assim: buscamos as coisas, investigamos, pensamos a respeito e, quando finalmente enxergamos o que algo realmente é, então nos adequamos à maneira que aquilo se encaixa à realidade. Nesse processo, muitas vezes precisamos mudar nossa posição e desistir de opiniões prévias àquele conhecimento concreto. Verdade encontrada é verdade obedecida.

Por isso, quando vemos que existe uma estrutura do ser que só pode ser regida por uma inteligência maior — Deus, que fez todas as coisas — o que devemos fazer imediatamente com as nossas “belas ideias”? Mudá-las! E não somente as opiniões, devemos mudar de vida e nos adequar à verdade, porque é isso que nos fará mais livres — e mais felizes! É assim que deve funcionar a inteligência humana.

No entanto, o que vemos na prática? As pessoas querem que a inteligência humana seja como a divina. E como é a inteligência divina? Primeiro, vamos à definição escolástica de verdade: uma relação entre uma inteligência e um objeto, em que um está adequado ao outro.

A verdade, portanto, é uma relação — e aqui se encontra o primeiro problema: as pessoas pensam que a verdade é uma coisa: “The book is on the table”. Um cachorro pode até ver o livro em cima da mesa, mas não sabe o que é um livro nem a sua finalidade; ele tem, simplesmente, um conhecimento muito primário das coisas.

A inteligência, por sua vez, consegue ver o objeto e enxergar questionamentos acerca dele: “O que é um livro? Para que serve?”. Da mesma forma, ela também chega a respostas: “Um livro é um objeto que transmite um diálogo com uma pessoa, até mesmo uma pessoa morta”. Nós conseguimos, enfim, estabelecer uma relação entre as nossas ideias prévias e as novas ideias com as quais estamos tendo contato.

Ao buscarmos, honestamente, a verdade para enxergarmos a estrutura do real, vamos nos modificando à medida que aprofundamos o nosso estudo. Mas, para que haja um verdadeiro estudo, devemos nos questionar se a cultura que estamos recebendo corresponde a algum referente no mundo real. Essa é a adequação do intelecto à verdade, atitude que é própria dos seres humanos.

Deus, no entanto, lida com a verdade de maneira inversa aos seres humanos. A definição escolástica é a mesma: a verdade é a adequação entre a inteligência e o objeto. Mas, no caso de Deus, o que precisa mudar é o objeto — nós mesmos! Ou seja: se não somos como Deus pensa, não estamos sendo verdadeiros.

Há uma inteligência criadora: Deus, que é o Ser e a fonte do ser. Então, a adequação da coisa à inteligência deve se refletir na forma como nós, seres humanos, decidimos viver. A adequação da coisa à inteligência é a verdade como Deus a vive. Ele é a verdade por antonomásia. O próprio Jesus disse isso: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6). Por que Ele é a Verdade? Porque o relacionamento de Deus — da inteligência divina — com as realidades criadas acontece de forma inversa ao das inteligências criadas com as realidades divinas ou mesmo criadas. Em outras palavras, sob o olhar de Deus, nós não podemos ser mais os mesmos de antes, porque precisamos nos adequar a Ele.

Uma experiência fantástica chamada pensar (e o seu preço)

Algo precisa ficar claro para cada aluno deste projeto de formação permanente: se você quer realmente estudar, então deve estar disposto a mudar, senão estará perdendo tempo. É um processo em que, naturalmente, muitas opiniões vão ficar para trás. Não se trata, de forma alguma, de imposição das minhas ideias, mas de ensinar você a investigar a realidade e a enxergar as verdades que ela apresenta. É um processo de mudança de vida em busca da virtude, para que você seja realmente livre. A finalidade do Studiositas é ensinar você a pensar.

Pode parecer irônico, mas muitas pessoas realmente passam suas vidas neste mundo sem jamais fazer a experiência fantástica de pensar. Alguém pode rebater dizendo que isso é impossível, pois estamos pensando o tempo todo. Mas, precisamos entender que o verbo “pensar” possui vários significados analógicos.

Há quem diga que um animal irracional pode pensar, mas isso seria um conceito de pensamento muito amplo e vago. Outros podem ir além, dizendo que pensar é esse diálogo interno que fazemos o tempo todo em nossa cabeça — isso certamente já seria algo mais elevado do que um macaco é capaz. Entretanto, esse “diálogo interno” das pessoas normalmente é mero reflexo de suas paixões e sentimentos. Imaginemos um cachorro em cima de um tapete: podemos puxar esse tapete e arrastar o cachorro por toda a casa. Ora, o que esse animal precisa fazer para se libertar? Simplesmente se levantar e sair dali. Da mesma forma, o apego que as pessoas têm a seus sentimentos e opiniões é algo tão impressionante que elas terminam por ser “arrastadas pelo demônio” a vida inteira. Se não é pelo demônio, é pelos “secretários” dele, pessoas que, conscientes ou não, fazem o seu serviço.

Um grande autor católico italiano, Alessandro Manzoni, escreveu um clássico romance chamado Il promessi sposi (Os Noivos, em português). No livro, há uma personagem chamada Dona Praxedes, descrita como alguém que “fazia com as suas ideias o que se deve fazer com os amigos”. Ora, o que devemos fazer com os amigos? Ter poucos e ser bem afeiçoados a eles; porém, ela fazia isso com as ideias: tinha poucas ideias e era afeiçoadíssima a elas (“me aveva poche, ma aficionata a sai”). Em palavras simples, ela era bastante teimosa.

Assim acontece com a maior parte das pessoas: ficam aficionadas às suas ideias, ainda que não tenham valor real algum. Aos ouvidos politicamente corretos, isso pode soar bastante ofensivo, até como um desrespeito. Mas, precisamos ter claro o seguinte: devemos respeitar as pessoas, não as suas ideias. As ideias valem o quanto a pessoa estudou, o quanto ela realmente se dedicou a elas; e, principalmente, o quanto essas ideias estão adequadas à verdade.

1ª Pergunta

“Parte do processo de compreensão da verdade envolve, de certa forma, uma submissão àquilo que está posto por uma inteligência superior. Então, a dificuldade de transmitir o conhecimento aos outros pode estar relacionada ao exercício da humildade?”

A verdade exige virtude e humildade, algo que Dona Praxedes não tinha. Descartes ironicamente fala algo interessante sobre isso (usando a palavra “critério”, mas poderíamos substituir por “inteligência”): “Critério parece o bem mais distribuído do universo, mas ninguém reclama de não ter critério”[2]. Em outras palavras, ninguém reclama de não ter inteligência, pois as pessoas que menos a tem são aquelas que menos sentem falta dela. A inteligência realmente exige virtude; e isso é uma das tragédias do Ocidente.

Desde Sócrates, Platão e Aristóteles, os gregos viram que não era possível alguém buscar a verdade se não tivesse virtude. Veja o exemplo dos sofistas: eram ótimos em retórica e persuasão e dominavam a linguagem, fazendo quase que o “marketing” da época. Em um dos Diálogos de Platão, há um sofista que se diz capaz de provar qualquer coisa a qualquer pessoa. Então, os discípulos de Sócrates, que desejavam enfrentar esse sofista, pedem orientação ao mestre sobre as perguntas que deveriam fazer para encurralar o adversário. Sócrates então diz: “Perguntem quem ele é” [3].

“Quem é você?”, eis a pergunta que nenhum sofista conseguiria responder com jogos argumentativos. Esse é o questionamento capaz de causar na pessoa um exame de consciência, uma autorreflexão. A única pergunta capaz de tirar sua máscara.

Para sabermos a verdade, precisamos ter a virtude para aceitar algo que, possível e provavelmente, vai doer.

A experiência de ver a verdade pode ser comparada à de assistir a um vídeo de violência real — a reação natural das pessoas é virar o rosto, porque de alguma forma aquilo “dói” nelas mesmas. Mas, para buscarmos a verdade, não podemos simplesmente “fechar os olhos” quando ela não nos agradar, precisamos ter um mínimo de virtude para estarmos dispostos a mudar de vida e de ideias, quando estivermos errados. Por isso, não é possível estudar seriamente sem ter humildade.

Quando falamos de humildade, de forma alguma se trata de simplesmente se submeter a um mestre, mas de reconhecer a necessidade de mudar de vida quando a verdade assim o exigir.

Então, quando nos deparamos com uma verdade que mexe conosco, no sentido de nos desestabilizar, precisamos pensar, refletir e buscar aquilo no mundo real. Pode ser que não tenhamos certeza alguma, inicialmente, mas é importante seguir o processo de investigação e meditação, tendo essa “sinceridade selvagem” de quem está disposto a desmontar a vida inteira para se adequar à verdade.

Certa vez, um professor de Economia (da vertente da Escola Austríaca) contou-me uma história interessante: um aluno dele tinha uma professora keynesiana na Universidade (a própria instituição seguia essa linha) e, um dia após a aula, o jovem questionou: “Professora, posso mostrar matematicamente que isso que a senhora ensinou hoje não funciona?”. Então deu a ela um artigo de Von Mises, pedindo que ela pensasse a respeito. A professora aceitou e, um mês depois, o aluno voltou para ela — que era doutora numa Universidade Federal, com amplo currículo — e perguntou: “E aí, professora, o que a senhora achou do artigo?”. Ela respondeu: “Você tem razão. Matematicamente, Mises está certo e Keynes, errado”. Surpreso, ele disse: “Então, a senhora vai mudar sua opinião?”. Ao que ela respondeu taxativamente: “Não! Eu não posso aceitar isso, porque, se o fizer, estarei contradizendo a minha tese de doutorado e toda a minha produção científica até agora; perderei todos os pontos que tenho em meu currículo. Teria que jogar tudo no lixo! Por isso, não posso aceitar o que você está dizendo.”

Ora, com o perdão da metáfora, o que essa senhora fez foi um pacto com o demônio. Esqueçam, por um momento, a polêmica entre as Escolas de Economia, isso não importa agora. O que esse episódio ilustra é que uma pessoa preferiu defender e propagar o erro consciente, por interesse pessoal e mesquinho.

É como o caso de um aluno protestante aqui do site. Ele enxergou toda a verdade do catolicismo — que desconhecia absolutamente, por ter sido criado num ambiente de ignorância em relação à Igreja Católica — e quando viu a grandeza e a profundidade dos dois mil anos de pensamento católico, até “sentiu vertigem”, ficou extasiado. Mas, quando questionei se ele se tornaria católico, o homem respondeu: “Não posso, padre. Sou pastor, sustento minha mulher e filhos… Como vou fazer isso? Vou perder o meu emprego”.

Como isso é possível? Eis uma das fontes da miséria do Ocidente, que, querendo ou não, começou com o sistema universitário.

Universidade: um sistema de “cheques sem fundos”

Para entendermos a situação lastimável na qual nos encontramos, precisamos analisar o que aconteceu, há oitocentos anos, quando inventaram a Universidade.

Antes, havia as escolas-catedrais e as escolas monásticas, cujos estudantes sabiam que iriam estudar o resto da vida, além de trilhar um caminho de busca pela perfeição. Era natural saber que a sua vida e suas ideias iriam mudar sempre, para se adequarem cada vez mais a Deus e a seu caminho de santidade.

Em certo momento, quando a Igreja ficou impressionada com a experiência da Universitas Studiorum de Paris, surgiu a ideia de expandir para toda a Europa aquilo que era um verdadeiro “consórcio de sábios”. A grande questão, no entanto, era como fazer aquilo na prática. A solução foi inventar um papel escrito licentia docendi, garantindo que seu portador era um sábio e poderia, portanto, ensinar. Surgia, então, o diploma, mas também o seu efeito colateral: as pessoas passaram a ficar interessadas apenas em obter aquele “papel”, que seria praticamente uma garantia de emprego.

Antes, as pessoas entravam nas escolas porque buscavam conhecimento. Nelas, a Igreja ensinava álgebra, aritmética, geometria, música, gramática, retórica, lógica… mas também se preocupava com a vida pessoal e espiritual: seu estado de graça e suas virtudes (fundamentais para ensinar coisas mais profundas como filosofia e teologia). Depois da licentia docendi, muitos começaram a entrar nas universidades somente porque queriam garantir um emprego.

Por que a Igreja precisava ensinar a virtude para poder ensinar filosofia e teologia? Pela mesma razão que Platão recomendava que não se ensinasse filosofia para um homem com menos de 30 anos de idade [4]. No projeto pedagógico de Platão, o aluno primeiro deveria fazer ginástica, música, aprender matemática, retórica e gramática. Depois que ele tivesse lutado bastante, que soubesse manejar a espada, que desenvolvesse certas virtudes civis, então poderia começar a aprender filosofia. Qual o motivo disso? Se aprendesse filosofia antes, o sujeito correria o risco de transformá-la num joguete linguístico. Seria como alguém assistir a uma aula aqui no site e querer aprender só para impressionar os amigos.

A pessoa faria uma performance, transformando o conhecimento em mera exibição, um malabarismo, um show de stand-up, uma ferramenta para ganhar likes. É isso que acontece quando se ensina filosofia para quem não tem virtude.

Nós, cristãos, começamos a ensinar mais cedo, não esperamos mais os 35 anos, porque supomos que as pessoas tenham aquilo que o site procura ensinar ao longo desses 17 anos: i) estar em estado de graça, fazer um exame de consciência e Confissão Geral; ii) depois, vida sacramental e de oração para crescer na graça, comungando, confessando, adquirindo virtudes e tendo um relacionamento com Deus.

Precisamos de tudo isso porque, agora que vamos estudar, devemos ter um mínimo de envergadura para aguentar as consequências da busca pela verdade, e permanecer firmes na dor — porque vai doer, e provavelmente mudará a nossa vida pelo avesso. Uma das coisas que estou fazendo para salvar a minha alma é exatamente ensinar essas coisas para vocês, porque a melhor maneira de saber e aprender é ensinando. Mas, para isso, é necessário ter virtude.

O que aconteceu, no entanto, quando sujeitos interessados tão somente em pegar o diploma universitário espalharam-se por toda a Europa — sem os professores saberem coisa alguma sobre a sua conduta pessoal? É só vermos, por exemplo, a Carmina Burana: Benediktbeuern é um mosteiro na Alemanha, em cuja biblioteca foram descobertos uns manuscritos antigos com uma série de poesias em latim de alunos universitários medievais; essas poesias eram a música popular das tabernas: “In taberna quando sumus, non curamus quid sit humus”, “quando estamos na taberna não nos preocupamos o que seja o húmus”, ou seja, a morte, a humanidade, “sed ad ludum properamus”, “mas nós vamos brincar”.

Essas poesias são típicas de “universitário” até hoje. Vejam só onde isso chegou: agora, o conhecimento verdadeiro de qualquer área, seja de Direito, Matemática ou Medicina, virou absolutamente nada. Saiu da direção esperada? É só você fazer um pouquinho de peer pressure (“pressão dos pares”) ameaçando um professor ou profissional de perder o emprego, que ele já muda de opinião.

2ª Pergunta

“Apesar do declínio das universidades, vimos florescer no meio universitário, em determinados períodos da história moderna, alguns pensadores realmente grandes. Como isso pôde acontecer?”

Quando eu digo que a universidade foi uma “má ideia”, não significa que tudo que a universidade fez ou faz seja mau. Santo Tomás de Aquino e São Boaventura, por exemplo, foram professores universitários, apesar de não serem formados na universidade. O problema está no fato de que o sistema universitário, em si, não se importa com a virtude, nem com a busca e a contemplação da verdade. Importa-se tão somente em transmitir cultura. Além disso, levou tempo para que conseguissem contaminar e desmontar aquilo que já estava acontecendo.

Enquanto as universidades do Império Germânico degringolaram todas em nominalismo e deram origem a um Lutero; na Península Ibérica, havia um movimento espiritual que deu origem ao Século de Ouro dos santos espanhóis e portugueses. Então, é evidente que isso depois tem um reflexo nas universidades. O sistema universitário, em si, não leva ninguém à virtude, mas se houver naquela sociedade alguma coisa que está levando as pessoas à virtude, elas podem ficar de certa forma imunes a esse sistema. Não estou propondo descartar as universidades, mas constatando a completa incapacidade que elas têm de saírem desse lamaçal no qual se enfiaram, porque é um sistema perverso de recompensas.

Vamos explicar isso: o que é uma instituição senão pessoas? Não é a placa, o CNPJ, o registro no cartório. Uma instituição é um conjunto de pessoas com as suas funções e papéis pré-estabelecidos que, quando institucionalizados, trazem consigo uma série de recompensas e de punições: o bom professor deverá alcançar determinados objetivos para ser recompensado; se não o fizer, será punido — isso é uma instituição.

No sistema universitário — considerado enquanto instituição —, vemos claramente que as situações em que alunos e professores são recompensados ou punidos não possuem relação alguma com a busca da verdade. Ninguém é recompensado por encontrar a verdade, mas apenas por produzir “papel”. Depois, esse “papel” é avaliado e aprovado por uma série de pessoas que só aceitam aquele “papel”, porque ele reforça as ideias do “papel” que elas próprias produziram, que, por sua vez, foi aprovado pelos professores dessas pessoas, e assim sucessivamente. É nisso que consiste o peer review, a “revisão dos pares”, que vão se aprovando mutuamente, num sistema que se retroalimenta.

Basta nos perguntarmos: qual foi a grande descoberta científica dos últimos tempos que aconteceu por causa de uma universidade? Aqui, refiro-me ao sistema universitário em si mesmo. Pode haver, sim, instituições associadas à universidade que desempenham um papel relevante, como, por exemplo, laboratórios de pesquisa. Mas o próprio sistema universitário é, de modo geral, inócuo. A maior parte dos grandes filósofos e pensadores entraram no mundo universitário per accidens, “por acidente”, quando já eram, de alguma forma, reconhecidos por seu trabalho intelectual.

Isso não significa que não exista ninguém sadio dentro da universidade, mas quer dizer que não é a instituição em si mesma que causa isso: determinado intelectual não é bom por causa do sistema universitário, mas apesar dele. Ele conseguiu, de alguma forma, “sair” daquele sistema e entrar num “sistema pessoal de recompensa e punição”. Ele mesmo se pune ou se gratifica; ou talvez até tenha alguma família espiritual, ou um grupo primário de outras pessoas, com quem realmente estuda e busca a verdade.

Alguém, então, pode perguntar se sou contra as universidades. Não significa ser contra, mas simplesmente reconhecer que não é um sistema necessário para “vivermos a vida de verdade”. A universidade infelizmente se tornou uma “fábrica de papel”, ou pior, uma emissora de “cheques sem fundos”, que não transmite mais confiança a ninguém. A credibilidade do sistema universitário está em flagrante crise de autoridade.

Conclusão

Em síntese, voltemos ao tema central desta aula: precisamos estar dispostos a buscar a verdade e nos adequar a ela. Então, quando nos depararmos com uma verdade, devemos conformar-nos a ela, ajustando-nos à estrutura do real, estabelecida por Deus.

Uma segunda medida necessária — que resulta das disposições de todo intelecto criado — é a capacidade de viver numa espécie de “vertigem”, como se caminhássemos no topo de uma cordilheira entre dois abismos: somos conscientes de que conseguimos alcançar a verdade pelo nosso intelecto; mas, ao mesmo tempo, sabemos que a verdade é infinitamente maior do que a nossa capacidade intelectual.

Essa “vertigem” é algo muito difícil para o homem moderno, que não consegue viver sem certezas, e, por isso, prefere abraçar as “certezas comuns”, mesmo que sejam erros evidentes: “Ah! Todo mundo pensa assim, ergo, é assim”. Ou seja, em vez de buscar a verdade, as pessoas escolhem ficar em paz com a sociedade, mesmo que essa escolha seja um grande autoengano. Recordemo-nos do exemplo dos adolescentes, com seu ímpeto de se adequarem ao “que o pessoal está dizendo por aí”.

Agora, um conselho para todos que estão participando de nossa formação permanente: quando você começar a estudar seriamente, a investigar, a perscrutar e ver verdades, depois de um tempo solidificando esse conhecimento, talvez reconhecerá que está amando coisas que seus amigos não amam; e provavelmente, você irá se tornar uma pessoa um pouco exótica entre seus amigos, ou até mesmo os perca e precise fazer novos. Esse é apenas um exemplo do que pode acontecer. Em todo caso, quando as coisas ficarem difíceis, não embarque na falsa ideia de que “o Padre Paulo quer fazer a sua cabeça”. Por isso, estamos insistindo: não acredite imediatamente no que estou dizendo; reflita, pense em todas essas coisas e tire a sua própria conclusão.

A verdade é uma adequação da inteligência à estrutura do real. Portanto, somos nós que devemos mudar, não a realidade. Quando invertemos isso, estamos nos colocando no lugar de Deus. Perceba, porém, que, nesta argumentação, o mais importante não é provarmos a existência de Deus, mas refletirmos o seguinte: se existe um Deus, o que isso significa? Será que sabemos lidar com o fato de haver um Deus? Por isso, insistimos neste alerta: se Deus existe, é necessário mudarmos nossa vida e nossas opiniões, submetendo-as a Ele.

Eis, portanto, a minha proposta: ouçam novamente esta aula, reflitam sobre o que estou dizendo e investiguem se este conteúdo corresponde ou não à estrutura das coisas. Não estou pedindo a ninguém um ato de fé, como faço na Missa ou em um Batismo. Nestas aulas, estamos fazendo um exercício de inteligência, reconhecendo que existe esse fenômeno chamado verdade, que é a adequação do intelecto à realidade. Obviamente, há quem pense que não existe verdade e que isso não passa de uma grande “ideologia da Igreja” e dos poderes conservadores para “amarrar” as pessoas. Mas isso iremos tratar em outras aulas. Por enquanto, estamos apenas expondo os princípios fundamentais, a partir dos quais, vamos construir nossa reflexão.

Junte-se a nós!