Parecia um fato absurdo: um grupo de rapazes brancos, católicos e pró-vida zombando de um índio idoso, durante um protesto na capital americana. Ao menos era essa a impressão que causava um vídeo que se tornou viral na manhã de 19 de janeiro, provocando reações instantâneas em toda a mídia. Às pressas, o The New York Times mandou publicar como manchete: “Boys in ‘Make America Great Again’ Hats surrounding Native Elder at Indigenous Peoples March”, algo assim em português: “Garotos com bonés do ‘Faça a América grande outra vez’ cercam índio idoso, na Marcha dos Povos Indígenas”. Outros tantos jornais repercutiram a mesma história logo em seguida, acompanhados pelo coro de sabe-se lá quantos políticos, artistas e ativistas dos direitos humanos.
A polêmica repercutiu até na Igreja e em sítios católicos na internet. A escola onde os adolescentes estudam, Covington Catholic High School, precisou fechar as portas naquela semana, dada a quantidade de ameaças e protestos contra a instituição. Para apaziguar os ânimos, sugeriu-se a expulsão dos meninos. Dom Roger Foys, bispo da diocese de Covington, em Kentucky, também condenou a agressão e aproveitou para se desculpar pelo incidente. Na página da Marcha pela vida, evento do qual os rapazes haviam participado poucas horas antes de o problema acontecer, os organizadores emitiram um comunicado repudiando a zombaria contra os indígenas. Enfim, padres, blogueiros católicos e demais lideranças embarcaram na narrativa midiática, que expressava indignação contra os rapazes, aqueles “fascistas”, e exigia as devidas providências.
O respeito ao ser humano é um dever de justiça. Por isso, não há dúvida de que o comportamento dos estudantes mereceria toda censura, não fosse um importante detalhe: eles não haviam feito nada. Depois das primeiras manchetes da imprensa, outros vídeos surgiram na internet, mostrando a história completa de tudo o que, de fato, havia ocorrido em frente ao Monumento a Lincoln, em Washington. Não houve zombaria contra nativos, não houve tentativa de intimidação nem bloqueio de passagem. Foi Nathan Phillips, o senhor que aparece no vídeo tocando um tambor na cara de outro rapaz, Nick Sandmann, quem livremente se aproximou dos estudantes para, supostamente, “ouvir seus ataques”. Ao contrário, os meninos do Covington Catholic High School é que haviam sofrido ataques por parte de outro grupo de manifestantes, os Israelitas Negros Hebreus, que os chamavam de “racistas”, “viados” e “ratos brancos”. Os meninos brancos, católicos e pró-vida apenas cantavam para encobrir os insultos quando Nathan Phillips se aproximou.
Em tempo, o jornalista Gleen Beck fez o excelente trabalho de reunir todos os vídeos e organizá-los segundo a sequência lógica dos fatos. Na tarde de 18 de janeiro, três manifestações ocorriam na cidade de Washington: a Marcha pela Vida, a Marcha dos Povos Indígenas e um protesto dos Israelitas Negros Hebreus, estes conhecidos por suas posições radicais e extremistas. Quando os jovens chegaram ao Monumento a Lincoln para tomarem o ônibus de volta a Covington, já acontecia uma confusão entre os dois outros grupos, como mostram as imagens dos vídeos. Foram os Israelitas Negros Hebreus que iniciaram a provocação. Sem entender o que se passava no local, e diante dos insultos que começaram a receber, os meninos apenas entoaram cantos da escola e algumas danças. Foi nesse momento que o ativista Nathan Phillips se aproximou deles para tocar-lhes o tambor. Eles não insultaram ninguém, não agrediram ninguém, não oprimiram ninguém. No local errado e na hora errada, esses garotos foram vítimas de um vídeo maldosamente editado, que se revelou mais tarde uma grande farsa.
Mas a mídia já havia feito seu serviço de causar a primeira impressão. Apesar das desculpas e lamentações pelo equívoco por parte dos jornais, os meninos brancos, católicos e pró-vida terão sempre na testa a marca de um crime que não cometeram. Nick Sandmann foi ameaçado de morte. Numa época de “luta de classes” — hostil ao cristianismo e à vida —, promover o descrédito e a ridicularização de quem quer que se atreva a crer num Deus acima dos céus e a defender uma vida dentro do útero parece ser uma lei editorial. Nick Sandmann e seus colegas empunhavam bandeiras contrárias aos valores mainstream: marchavam contra o aborto e defendiam uma “América grande de novo”, slogan não só do presidente Trump, mas que já foi usado por outros políticos como Ronald Reagan e, imaginem só, Bill Clinton. Isso tudo bastava para que jornalistas burlassem o protocolo de checar as fontes antes de publicá-las. The New York Times é aquele mesmo jornal que, anos atrás, publicou um anúncio incentivando os católicos a abandonar a Igreja. A causa acima da ética.
O que assusta, no entanto, é como católicos se deixaram ludibriar por um vídeo de apenas alguns minutos, unindo-se à narrativa da mídia contra os estudantes do Covington Catholic High School. De quem justamente se esperava prudência, a mãe de todas as virtudes, veio primeiro justiça. Diante de toda pressão, era preciso condenar rapidamente aquele episódio, a fim de que a Igreja passasse uma imagem positiva para o mundo, que espumava de ódio e indignação. De fato, a imprensa conseguiu machucar tanto a imagem dos católicos — sobretudo pelos desgraçados escândalos de pedofilia — que, agora, qualquer mínima suspeita levantada pelos jornais contra algum membro da Igreja é o bastante para que nós, católicos, disparemos anátemas e penitências. Para a nova mentalidade, todo católico deve ser considerado um racista-homofóbico-misógino-pedófilo em potencial, até que se prove o contrário.
O incidente com os alunos do Covington Catholic High School é apenas mais um episódio de uma narrativa que se deseja construir contra o cristianismo: a de que se trata de uma religião perversa e inimiga da sociedade. No passado, os católicos podiam se ufanar da própria fé, com as mesmas palavras de Santo Agostinho aos fautores do Estado:
Os que dizem que a doutrina de Cristo é contrária ao bem do Estado dêem-nos um exército de soldados tais como os faz a doutrina de Cristo, dêem-nos tais governadores de províncias, tais maridos, tais esposas, tais pais, tais filhos, tais mestres, tais servos, tais reis, tais juízes, tais contribuintes, enfim, e agentes do fisco tais como os quer a doutrina cristã! E então ousem ainda dizer que ela é contrária ao Estado! Muito antes, porém, não hesitem em confessar que ela é uma grande salvaguarda para o Estado quando é seguida (Epist. 138 [al. 5] ad Marcellinum, cap. II, n. 15).
Hoje esse discurso não só parece soberbo como completamente fora da realidade. A ênfase com que os meios de comunicação expuseram os maus exemplos de tantos soldados, políticos e familiares católicos criou na mentalidade comum dos fiéis um verdadeiro “complexo de inferioridade”, como afirma a colunista Charlotte Allen, de modo que quase nos envergonhamos de servir ao Senhor. Ser católico não parece mais uma graça, mas um defeito.
Para todos os efeitos, tanto o bispo da diocese de Covington como os organizadores da Marcha pela Vida e outros líderes católicos pediram desculpas aos jovens. “Nós não deveríamos ter nos deixado intimidar a fazer uma declaração tão prematura”, lamentou Dom Roger Foys. A “fake news” que humilhou esses jovens católicos nos Estados Unidos expõe, no fim das contas, o estado da guerra cultural contra o cristianismo e a crise pela qual passam as instituições católicas. De um lado, uma elite anticristã cada vez mais descarada, oportunista e mentirosa, disposta a tudo para sepultar os valores cristãos da sociedade, até assassinar a reputação de jovens estudantes; do outro, uma Igreja confusa com o barulho do mundo, pressionada pela bagunça entre a moral politicamente correta e a moral cristã.
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