Todos nós tendemos às vezes a falar em termos delicadamente sentimentais. Por solidariedade com quem acabou de perder um ente querido, podemos suavizar a verdade, dizendo: “Seu irmão faleceu na noite passada”. Mas a tendência cultural de hoje é inventar e redefinir palavras na base de um sentimentalismo divorciado da fé e da razão.

Ideólogos inventam e redefinem muitas palavras com o objetivo de subverter a cultura. O sentido popular de “racismo”, por exemplo, é hoje tão contestado que se tornou praticamente inútil, a não ser para difamar os outros.

Outros termos e frases são a tal ponto distorcidos, que chegam a negar a realidade. Por exemplo, é fato difícil de suportar e explicar com franqueza que as nossas igrejas estão fechando as portas devido ao abandono da prática da fé. Por isso, uma diocese pode sentir-se mais à vontade em explicá-lo como uma “reconfiguração” ou “renovação das nossas comunidades de fé”.

Afirmações factuais e honestas são chocantes para o hipersensível e politicamente correto. Outra dia, recebi de alguém uma mensagem contestando meus comentários no site da paróquia sobre o “Dia do Orgulho Transgênero no Condado de Fairfax”.

Chamei ao evento “abuso infantil”, e a pessoa que me contestou disse que minha descrição era “inapropriada e desnecessariamente provocativa”. 

“Inapropriado” é mais um daqueles termos sentimentalistas que impedem as pessoas de dizer que algo é errado. Mas… “desnecessária”? Não existe algo como um “transgênero”. Trata-se de um termo fabricado com o fim de camuflar a realidade de uma mutilação psicológica (e, em alguns casos, física). Quando as autoridades públicas promovem tal perversão sexual nas escolas, trata-se de fato de abuso infantil. Aceitar acriticamente a nomenclatura LGBTQ ajuda a promover uma agenda sexual radical.  

Boa parte da engenharia verbal contemporânea desfigura o amor humano autêntico e reduz a fé e a moral católicas a sentimentalismos piedosos. Mas, sem a referência ao fato central da nossa fé — a Cruz e a Ressurreição —, é fácil manipular emoções humanas e redefinir termos. Uma “fé” sentimental fica à margem dos Mandamentos divinos e carece de sentido; em última instância, é perigosa.

A Cruz e a Ressurreição são os dois lados de uma mesma moeda. O amor sacrificial é o fundamento da alegria cristã. Equilibramos a nossa vida devocional e intelectual quando viramos continuamente essa moeda, que tem, de um lado, a imagem de Jesus crucificado e, do outro, seus gloriosos dotes de Ressuscitado.

Pode ser nocivo olhar fixamente para a face crucificada de Jesus sem fazer referência à Ressurreição. Esse perigo se repete ao longo da história. Heresias rigoristas como o jansenismo e o calvinismo comprometem a alegria cristã. (A devoção de S. Margarida M.ª Alacoque ao Sagrado Coração de Jesus, manso e humilde, combateu o espírito de jansenismo durante sua época, às vezes excessivamente sentimental à sua própria maneira.)

É mais comum, porém, enfatizarmos a Ressurreição sem a Cruz e negligenciarmos os Mandamentos como fundamento do amor. Amor e alegria, quando separados da Lei de Deus, perdem sua natureza sacrificial, tornando-se um sentimentalismo mole, refém da constante mudança dos afetos humanos. Impulsionados por nossas afeições voláteis, definimos o amor em termos sentimentais, e não de acordo com a vontade de Deus.

Essa disfunção afeta o nosso desenvolvimento moral e religioso. Às vezes, os pais amam o carinho dos filhos mais do que os próprios filhos como dons de Deus. O resultado disso é uma criança emocionalmente descontrolada: um “mimado”. O clero também pode amar as afeições do povo mais do que o próprio povo, criado à imagem e semelhança de Deus. Então, em vez de lhe oferecer os meios espirituais para a salvação, os sacerdotes podem se tornar animadores piedosos, cedendo às emoções dos paroquianos. 

O mesmo sentimentalismo iníquo que deixa a fé à deriva faz o mesmo com a razão. Quem precisa de pensamento crítico quando vivemos para os consolos inconstantes da afeição humana? Em lugar da razão, a emoção começa a orientar e definir algumas palavras, banindo o uso de outras.

Salvo pela aparência de piedade cristã, não há muita diferença entre a religiosidade superficial e a impiedade, porque ambas ficam em grande medida à deriva, apenas com as emoções. Sem um firme fundamento na Cruz e na Ressurreição, nos Mandamentos e em toda a Tradição, é apenas uma questão de tempo até que nós — ou nossos filhos — abandonemos um cristianismo de fachada. Separada da fé e da razão, a cultura se torna cada vez menos instruída, mais arrogante e cruel.

A volta à sanidade começa pela redescoberta de que a Cruz e a Ressurreição são inseparáveis, equilibrando a nossa fé e aguçando a nossa inteligência.

Há, por todo o Evangelho, indícios que aludem à Cruz. Jesus nos ensina a amá-lo mais do que nossas famílias. Também nos ensina que, se não tomarmos a nossa cruz e o seguirmos, não seremos dignos de ser seus discípulos (cf. Mt 10, 37–42). Custa muito renunciar à obstinação e à inclinação ao pecado. O amor cristão que desafia os vínculos pecaminosos de afeição humana, mesmo no seio da família, é doloroso.

Nos Evangelhos também há indícios que aludem à Ressurreição, que é o fruto do amor sacrificial. Assim nos ensina Jesus a alegria que vem da união consigo: “Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas. Porque meu jugo é suave e meu peso é leve” (Mt 11, 28–30).

No Evangelho de S. João (cf. 15, 10–11), vemos o mesmo ensinamento (a Cruz e a Ressurreição) de forma incisiva. A Cruz: “Se guardardes os meus mandamentos, sereis constantes no meu amor”; a Ressurreição: “Disse-vos essas coisas para que a minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria seja completa”.

Só podemos romper com o terrível relativismo da engenharia verbal por meio de um exame de consciência honesto, medindo nossas vidas segundo a Lei divina e assumindo a responsabilidade pelas nossas ações. Quando decidimos amar a Deus acima de tudo, mesmo ao preço de perder a afeição daqueles que amamos, com a sua graça romperemos os laços do sentimentalismo sedutor. E nos alegraremos com o poder salvífico de Jesus, manso e humilde de Coração.

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