Uma das melhores maneiras de penetrar a espiritualidade dos santos é ver o que eles disseram sobre as três maiores virtudes que existem — isto é, as três virtudes teologais — e como viveram cada uma delas; estas virtudes unem a alma cada vez mais intimamente a Deus e inspiram todas as outras virtudes a se elevarem.

Por isso, trataremos agora da segundo S. Catarina de Sena, particularmente no que se encontra em seu Diálogo, ditado por ela mesma em seus repetidos êxtases, cerca de dois anos antes de sua morte [1]. Primeiro, veremos o que é a fé em si mesma; em seguida, por que ela é frequentemente obscurecida, coberta de nuvens, no pecador; depois, como deve ser o seu desenvolvimento e como devemos viver com base nela, considerando todas as coisas sob a sua luz sobrenatural.

Muitos psicólogos ensinam [2] que a vida dos místicos é dominada por uma grande e nobre emoção, que depois se traduz em sua inteligência pelas ideias que nos expressam. O seu pensamento seguiria, portanto, a emoção ou o movimento da sensibilidade. Assim, parece que ela não teria senão um fundamento frágil e incerto, que seria, talvez, o nosso subconsciente. Dessa maneira, a inteligência dos místicos cristãos não se nutriria, em primeiro lugar, da verdade imutável e incontestável; seus julgamentos seriam apenas o reflexo de vivas emoções vindas do coração.

Outra, porém, é a doutrina de S. Catarina de Sena, que nos ajuda a ver a profunda verdade do tratado teológico da fé e nos manifesta a vida dessa virtude teologal. A fé aparece aqui não só como uma adesão obrigatória a uma fórmula revelada e proposta pela Igreja, mas também como uma vida intensa e radiante.

Que é a fé infusa

A fé, disse a santa [3], é uma luz que recebemos no Batismo, que nos mostra o caminho que conduz à vida eterna. E neste caminho devemos marchar corajosamente, sem a menor hesitação, porque a luz que no-lo apresenta vem de Deus, que não nos pode enganar. Por meio dela, com efeito, conhecemos de modo sobrenatural e infalível o fim da nossa peregrinação e Aquele que é “o caminho, a verdade e a vida” [4]. 

“Santa Catarina de Sena”, por Franceschini Baldassare.

Definida, assim, como um instinto intelectual que nos leva em direção ao fim último, a fé pode ser comparada, por exemplo, com o instinto que guia a andorinha a um país tão distante na primavera. Na andorinha, esse instinto a conduz de modo certo, ainda que ela esteja sozinha, seja jovem e se encontre, acidentalmente, muito longe do destino da viagem, em um lugar em que jamais estivera antes. Existe, portanto, na ordem natural algo maravilhoso que é símbolo de um instinto espiritual imensamente superior.

“A fé”, disse ainda a santa [5], “é a pupila do olho da inteligência; sua luz faz discernir, conhecer e seguir o caminho e a doutrina da verdade, o Verbo encarnado [6]. Sem essa pupila da fé, a alma não conseguiria ver (no plano da salvação), pois se assemelharia a um homem que tem os olhos sãos, mas cuja pupila, pela qual o olho vê, estaria recoberta por um véu. A inteligência é o olho da alma e a pupila deste olho é a fé”.

Este modo simbólico de falar da fé como uma “pupila inserida no olho da inteligência por meio do Batismo” [7], mostra de forma clara que a fé infusa é essencialmente sobrenatural, muito superior à atividade natural da nossa inteligência e até mesmo da inteligência angélica. Trata-se de uma participação no conhecimento que Deus tem de sua vida íntima e do que Ele prepara aos que O amam. Este objeto sublime, como disse S. Paulo, “o olho do homem não viu” (1Cor 2, 9) nem sua inteligência ou a inteligência angélica podem conhecer naturalmente. Mas Deus no-lo revelou pelo seu Espírito, de sorte que, pelo dom sobrenatural da fé, aderimos à Verdade primeira revelante e aos mistérios revelados propostos pela Igreja.

Comparada com a pupila ou o centro do olho, a fé infusa amplia consideravelmente as fronteiras da nossa inteligência e eleva-a para o conhecimento certo, ainda que obscuro, da vida íntima de Deus. Dessa forma, a fé, como disse a santa [8], oferece “um antegosto da vida eterna”; ela é o princípio, o gérmen, “a substância das coisas que esperamos” (Hb 11, 1) [9], às quais nos faz aderir firmemente, ainda que não as vejamos. Não conhecemos, portanto, somente as emoções do nosso coração, mas também o que S. Paulo chama “as profundezas de Deus” (1Cor 2, 10).

A fé, por essa razão, possui um valor inestimável. Se, ao falar de quem mais amamos, dizemos comumente que o guardamos “como a pupila dos olhos”, que não deveríamos dizer da fé infusa, que é a pupila do olho espiritual e deve subsistir em nós até que seja sucedida pela luz da glória, a qual nos fará ver claramente a essência divina sem o intermédio de criatura alguma nem mesmo ideia criada nenhuma?

A fé obscurecida

Essa luz tão preciosa da fé, porém, está frequentemente coberta de nuvens na alma em pecado mortal, porque o cristão, depois de ter recebido a fé infusa no Batismo, só a perde por meio de um pecado mortal que seja diretamente contrário à própria fé, negando ou colocando em dúvida, de modo formal, uma verdade revelada que lhe foi suficientemente proposta.

Graças a Deus, os pecados mortais diretamente contrários à fé são relativamente raros, razão por que a fé infusa, junto com a esperança, permanece ainda em muitos dos batizados que se encontram em estado de pecado mortal, como permanece a raiz de uma árvore que foi cortada e, por isso, poderá reviver.

A fé infusa, contudo, está presente nos pecadores sem a caridade e as virtudes morais infusas, ou seja, ela permanece, mas obnubilada, como que coberta de nuvens. S. Catarina de Sena insiste repetidamente sobre este ponto de maneira impressionante [10]: 

Em vez de usufruírem ao máximo das luzes da fé para que, na graça, nasçam as obras de vida, eles [os que se encontram em estado de pecado mortal] produzem apenas obras de morte. Sim, suas obras são mortas, porque todas se realizam no pecado mortal […]. Eles têm ainda a forma do santo Batismo [o caráter batismal], mas não possuem mais a luz [a graça santificante]; e são privados desta luz por conta da escuridão que é a falta cometida por amor próprio, treva que recobriu a pupila que lhes permitia ver. O mesmo há de dizer-se dos que têm a fé sem as obras: a fé é morta [já que ela não produz mais atos meritórios].

A santa não disse que a fé desapareceu ou que a alma a perdeu. Não, a fé ainda está lá, mas semelhante a uma pupila encoberta por uma nuvem de maior ou menor espessura [11].

Quando a fé é obscurecida numa alma, como foi dito, é como se o homem, mesmo muito inteligente por natureza, não tivesse o olhar voltado para o céu; ele vê diante de si as coisas que estão à sua altura ou que lhe são inferiores, e demonstra, muito frequentemente, perspicácia em suas atividades, mas está como que cerrado às realidades superiores:

O pecador — escreve Santa Catarina — não reconhece mais em si mesmo a minha Bondade, a qual lhe concedeu o ser, e também todas as graças de que o cumulei. Não me conhece, nem se conhece a si mesmo, e não detesta em si a sensualidade egoísta; além disso, ama-a e dela se utiliza para satisfazer-lhe os desejos. […] A mim não me ama, diz o Senhor; não me amando, não ama aqueles que amo, ou seja, seu próximo; e não coloca seu prazer em fazer o que me apraz [12].

Dessa maneira, o amor egoísta cobre com uma venda espessa a pupila da fé [13].

Sem dúvida, o pecado venial deliberado não pode tornar a fé morta, mas produz em certas almas que estão em estado de graça um efeito análogo à obscuridade da qual falávamos agora mesmo: essas almas ficam muito apegadas ao seu próprio julgamento e deixam-se mais ou menos iludir pelo inimigo de todo bem. Gostaríamos de poder dar aos seus olhos a simplicidade, elevação e doçura que só podem vir de Deus.

A obscuridade inferior, que vem da matéria, do erro e do pecado, impede a alma de penetrar a obscuridade superior, que nasce de uma fortíssima luz para os fracos olhos do nosso espírito.

A fé iluminada pelos dons do Espírito Santo

Se a fé do cristão em estado de pecado mortal está cercada de nuvens ou névoas, a fé do justo, por outro lado, sobretudo quando ele é generoso, é cada vez mais iluminada pelos dons do Espírito Santo, particularmente pelos dons de inteligência e de sabedoria, os quais tornam a fé penetrante e saborosa.

S. Catarina chama a estes dons uma luz especial concedida aos justos pela qual veem que Deus, doce e suprema Verdade, dá a cada um o estado, o tempo e o lugar, as consolações e as tribulações, em vista do que é necessário à nossa salvação e à perfeição a que Ele chama as almas [14]. S. Tomás ensina que a fé nos faz aderir à verdade divina e dirige a nossa vida, e é especialmente neste sentido prático da fé que se fala aqui. Vemos assim como esta virtude é o fundamento positivo de toda a espiritualidade. 

Se a alma fosse verdadeiramente humilde — disse o Senhor — e sem presunção alguma, enxergaria sob essa luz tudo o que vem de mim; é por amor que eu lhe ofereço e, portanto, é com amor e reverência que deve receber tudo quanto lhe envio [15]. 

Os justos muito mais esclarecidos “estimam-se dignos de todas as aflições, como também de serem privados de todas as consolações pessoais e de todo bem, seja ele qual for […]. Sob essa luz, conheceram e saborearam minha vontade eterna, que não quer outra coisa senão o vosso bem, e que não vos envia nem permite o sofrimento senão para que sejais santificados em mim” [16].

Certos sábios, no entanto, por causa do orgulho, são privados dessa luz que concede uma fé penetrante e saborosa:

Os que se envaidecem de sua ciência ficam cegos a essa luz, pois o orgulho e a nuvem do amor-próprio recobrem e ocultam essa claridade. É por isso que eles entendem a S. Escritura mais literal do que espiritualmente; só apreciam a letra, devido ao manuseio de muitos livros, e não saboreiam o cerne da Escritura, uma vez que estão privados da luz que a compôs e que também revela o seu sentido.

Estes belos eruditos se admiram, e caem na maledicência quando veem as pessoas pobres, rudes e sem instrução saborearem a S. Escritura e desfrutarem da minha Verdade […]. Digo-te, por isso, que para pedir conselho sobre a salvação da alma é muito melhor ir a um destes humildes, que possuem uma consciência reta e santa, do que àquele erudito orgulhoso que fez por seus estudos o percurso da ciência. Este só pode dar o que possui. Por isso, muitas vezes, em razão de sua vida nas trevas, é apenas em trevas que ele distribuirá a luz da S. Escritura, ao passo que os meus servos espalham a luz que possuem em si mesmos, desejosos e como que inflamados da salvação das almas.

Com efeito, a fé viva pressupõe e gera o amor:

Com esta luz, amam-me, porque o amor segue a inteligência. Quanto mais se conhece, mais se ama, e quanto mais se ama, mais se conhece. Assim, amor e conhecimento se alimentam reciprocamente [17].

Esta doutrina está de acordo com a de S. Tomás de Aquino sob todos os aspectos: a mais elevada das nossas faculdades é a inteligência, a qual dirige a vontade; e a caridade é a mais elevada das virtudes, a qual é princípio de todo mérito.

O espírito de fé e a contemplação dos mistérios de Cristo

No justo que é cada vez mais dócil ao Espírito Santo a fé torna-se progressivamente penetrante; ele compreende cada vez melhor a realidade divina sob as figuras e revela-nos sempre mais a grandeza do mistério do Cristo redentor, cujo sacrifício se perpetua até o fim dos tempos pela consagração eucarística. 

“Estigmatização de Santa Catarina”, por Eduardo Rosales Gallinas.

Ademais, o justo vê segundo o espírito de fé. O espírito ou a mentalidade de alguém é a sua maneira de ver, julgar, simpatizar, querer e agir. Há um espírito “de natureza”, que não se eleva acima do egoísmo mais ou menos consciente de si mesmo. O espírito de fé, ao contrário, leva-nos a considerar todas as coisas à luz da Revelação divina: Deus, antes de tudo; todos os mistérios da salvação; a nossa alma; o próximo; e os acontecimentos agradáveis ou dolorosos que acontecem.

Em S. Catarina de Sena, a fé é de tal modo viva que, assim como vemos as cores de uma paisagem à luz do Sol, ela parece ver o Cristo na hóstia consagrada e ativo nas almas. A santa julga a saúde espiritual das almas regeneradas pelo Sangue de Cristo como nós julgamos a saúde do corpo. Ela vê nas almas as feridas espirituais, o orgulho, a concupiscência da carne e dos olhos, da mesma maneira que vemos as feridas purulentas de um corpo devorado pela doença.

A Jesus Cristo, o Salvador, cuja obra redentora perdura até o fim dos séculos, a santa não O perde de vista nem por um instante. Ela tem do Salvador uma ideia não somente visível, mas também profundamente vivida. Trata-se da vida íntima da fé, e não somente da adesão obrigatória a uma fórmula revelada. Disse-lhe o Pai celeste:

Por causa da união entre a natureza divina e a natureza humana em meu Filho unigênito, aceitei o sacrifício de seu Sangue […]; o fogo da divina caridade foi o vínculo que O atou e pregou na cruz [18].

Jesus — disse ela — é o grande Médico, que curou o enfermo bebendo o remédio amargo que o homem não poderia beber, já que estava muito enfraquecido [19].

Ele é o Médico da humanidade, que acompanha todas as gerações humanas, a fim de conduzi-las à salvação. Além disso, nutre-as de si mesmo para dar-lhes a vida. 

Realmente presente na Eucaristia, Ele continua a oferecer-se e não cessa de interceder por nós. Ele é como a ponte [20], disse-nos a santa, ou o imenso arco que une a terra ao céu, a via pela qual todos os homens devem passar para alcançar a vida eterna.

À luz de sua fé vivíssima e dos dons do Espírito Santo, S. Catarina penetra admiravelmente os sentimentos mais íntimos de Nosso Senhor, e mostra-nos como Ele, do alto da cruz, entregou-se inteiramente à dor, sem perder contudo a suprema bem-aventurança na parte mais elevada da sua santa alma:

Sobre a cruz, Ele estava ao mesmo tempo feliz e sofredor: sofria por carregar a cruz material e a cruz do desejo da salvação das almas […], mas estava também feliz, porque a natureza divina unida à natureza humana estava impassível e fazia sempre feliz sua alma, revelando-se-lhe ela sem véu [21].

Do mesmo modo, disse a santa, os amigos íntimos do Senhor Jesus sofrem à vista do pecado, que ofende a Deus e devasta as almas, mas ao mesmo tempo estão felizes, pois o júbilo da caridade que possuem não lhes pode ser tirado, e é ela que faz sua alegria e felicidade.

“Santa Catarina de Sena”, por Alessandro Franchi.

A fé de S. Catarina de Sena penetra também, cada vez mais, a vida íntima da Igreja, Corpo místico do Salvador. Ela vê como Ele comunica a vida às almas que, por assim dizer, incorpora a si mesmo, fazendo-as participar primeiro de sua infância, depois de sua vida escondida e, por fim, de sua vida dolorosa, antes de fazê-los participar de sua vida gloriosa no céu.

A virgem de Sena vê como a Igreja, vivendo assim dos pensamentos, do amor, da vontade do Cristo, é sua verdadeira esposa. É na Igreja que, em certo sentido, continuam a grande oração e o sofrimento redentor do Salvador, até o fim do mundo. Como um rio espiritual, a vida sobrenatural da graça, por meio da humanidade de Jesus, desce de Deus sobre todas as almas, para subir novamente a Ele sob a forma de adoração, de reparação, de súplica e de ação de graças. “O Precioso Sangue, deste modo, opera sempre para a salvação” [22].

A Igreja aparece a S. Catarina de Sena sob a figura de uma virgem de traços nobres, de olhos muito puros, mas cuja face está corroída pela lepra, devido às faltas de muitos pobres cristãos [23]. “Vê, minha filha — disse-lhe o Senhor —, como as faltas desfiguram a face da minha esposa” [24]. Apesar da lepra, a Santa Igreja continua muito unida a Cristo e sempre vivificada por Ele, compreende-o Catarina [25]. As faltas, simbolizadas desse modo, “não podem debilitar ou dividir o mistério do sacramento da Eucaristia” [26]. O tesouro do Precioso Sangue está intacto, mas as faltas precisam ser reparadas.

E S. Catarina ouve também as seguintes palavras:

Pega teu suor, tuas lágrimas, coloca-os na fonte da minha divina caridade e, com eles, em união com meus outros servos, lava a face da minha esposa. Eu te prometo que este remédio lhe restituirá a beleza. Não é a espada nem a guerra que a podem restituir, mas, sim, a oração humilde e assídua, os suores e as lágrimas derramados com um desejo ardente, que vêm dos meus servos. Sem cessar, faz subir até mim o incenso de orações perfumadas para a salvação das almas, porque Eu vou fazer misericórdia para o mundo.

Não tenhais medo: se o mundo vos perseguir, eu estarei ao vosso lado e em nenhum momento vos faltará minha Providência [27].

De fato, essa é a grande fé viva iluminada pelos dons do Espírito Santo, a qual desabrochou nessa contemplação dos mistérios do Cristo e da Igreja [28].

Por fim, a fé de S. Catarina de Sena desabrochou na contemplação do Mistério supremo:

Ó Trindade eterna! Ó divindade, ó natureza divina que concedeu um tal preço ao Sangue de vosso Filho! Vós, Trindade eterna, sois um mar profundíssimo no qual eu mergulho; e quanto mais vos encontro, mais ainda vos procuro. De vós não se pode dizer jamais: é o suficiente! A alma que se sacia em vossa profundeza vos deseja sem cessar, pois está sempre mais faminta de vós [29].

E a definição de felicidade dada por S. Agostinho diz o seguinte: o estado de alma ao mesmo tempo satisfeita e sempre faminta.

Essa elevação à Santíssima Trindade é concluída com um cântico sobre a grandeza da fé:

Pela luz da fé, possuo a sabedoria, na sabedoria do Verbo, vosso Filho. Pela luz da fé, sou forte, constante e perseverante. Pela luz da fé, eu espero e não me desfaleço no caminho […]. Revesti-me, Verdade eterna, revesti-me de vós mesmo, para que eu viva esta vida mortal na verdadeira obediência e na luz da santíssima fé, da qual inebriais novamente minha alma [30].

Com estas palavras, Santa Catarina termina o livro, no ano do Senhor de 1378.

Conclusão

Fica claro, portanto, como seria errado afirmar que as ideias e julgamentos dos místicos cristãos são apenas um reflexo de emoções ou dos movimentos da sensibilidade. Pois sua inteligência se nutre, em primeiro lugar, da verdade divina revelada: trata-se da fé divina, e não de uma emoção que domina sua vida. E é porque sua inteligência se fixa na verdade de Deus que sua vontade é profundamente retificada e fortificada e sua ação é fecunda, não somente por um tempo ou pelas gerações seguintes, mas pela eternidade. Esta fecundidade é uma das grandes diferenças que separam a mística cristã da mística oriental que se encontra, por exemplo, no budismo. O pensamento e o amor dos místicos cristãos vêm de Deus, razão por que eles podem elevar-se até Ele.

Peçamos, também nós, por intercessão de S. Catarina, o grande espírito de fé que nos fará considerar, à luz da revelação divina, a Deus; a sua vida íntima; a humanidade do Salvador; a Igreja; a nossa alma, que deve ser salva; o nosso próximo, que deve ser socorrido; e os acontecimentos agradáveis ou dolorosos que ocorrem durante nossa viagem rumo à eternidade. Dessa fé viva resultará em nós um duplo conhecimento: o da nossa indigência e miséria e o da infinita grandeza e bondade de Deus. Ambos, disse a santa, são como o ponto mais baixo e o ponto mais alto de um círculo que crescerá sempre: “Eu sou Aquele que é; tu és aquela que não é” [31].

Referências

  • Pe. Reginald Garrigou-Lagrange. La foi selon Sainte Catherine de Sienne, in Vie Spirituelle 45 (1935), pp. 236-249. (Tradução e grifos de nossa equipe.)

Notas

  1. S. Catarina de Sena tinha então trinta e dois anos. Lembre-se que ela havia recebido a graça do matrimônio espiritual ou união transformante aos vinte anos. Cf. sua Vida, escrita pelo Beato Raimundo de Cápua, 1.ª Parte, cc. IX e XII. 
  2. Este era ainda o modo de ver de M. Henri Bergson em Las deux sources de la morale et de la religion; mas parece que ele progrediu depois disso.
  3. Diálogo, c. 29.
  4. Essa definição se articula por referência à ação, à inclinação para o fim último, mas está fundamentada sobre a verdade revelada. Trata-se de um “pragmatismo” superior que, no fundo, ironiza o pragmatismo.
  5. Diálogo, c. 45.
  6. S. Tomás fala exatamente o mesmo em In III Sent., d. 24, a. 2 e 3.
  7. Diálogo, c. 46.
  8. Id., c. 45.
  9. Fides est sperandarum substantia rerum, argumentum non apparentium”.
  10. Id., c. 46.
  11. Diálogo, c. 110. A fé sem a caridade compara-se com o pavio de um círio molhado, que não acende mais.
  12. Diálogo, c. 46.
  13. Um dos mais tristes efeitos desse obscurecimento é não entender a preciosidade da fé. Neste estado de morte espiritual, a fé não se apropria mais de si mesma. É, portanto, uma grandíssima misericórdia que Deus concede à alma deixar que, não obstante seu pecado, permaneça nela a fé infusa, mas informe. Esta fé obnubilada, cercada como que por uma densa névoa, não é a cegueira absoluta em que se pode cair por um pecado mortal contra a luz. A esse respeito, é verdade que o Senhor pode restituir a fé infusa que havia antes da morte àquele que a perdeu; trata-se, porém, de uma graça de imensa misericórdia, e não se pode ter por certo obtê-la. Ao pensar nesta graça, o pecador que ainda não a perdeu deve refletir sobre o valor sobrenatural do dom que ainda conserva em si, como a raiz de uma árvore cortada, e tudo fazer para reencontrar a fé viva, a única que nos conduz efetivamente à união divina.
  14. Diálogo, c. 99.
  15. Id., ibid. 
  16. Id., c. 100.
  17. Id., c. 85.
  18. Id., c. 85.
  19. Id., ibid.
  20. Id., c. 127.
  21. Id., c. 78.
  22. Id., c. 14.
  23. Id., c. 86.
  24. Id., c. 14.
  25. Id., c. 12.
  26. Id., c. 118.
  27. Id., c. 86.
  28. Sem dúvida, toda essa realidade era incomparavelmente mais viva na alma de S. Catarina do que no livro do Diálogo; este livro, contudo, revive à medida que nossa fé se eleva e se torna mais penetrante. Quando S. Ângela de Foligno, depois de ter ditado o que ela via na contemplação, relia o que estava escrito, não mais o reconhecia, por assim dizer; as palavras lhe pareciam sem vida, em comparação com o que ela tinha vivido interiormente. S. Catarina de Sena devia ter a mesma impressão ao reler o diálogo que ditara em êxtase.
  29. Diálogo, c. 167.
  30. Id., ibid.
  31. Id., cc. 4 e 72.

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