Em tempos de confusão como os nossos, o trabalho dos católicos é difícil, sim, mas é ao mesmo tempo muito simples: se permanecermos aferrados àquilo que a Igreja sempre ensinou, se permanecermos fiéis à doutrina católica de dois mil anos, então ficaremos de pé, resistiremos ao relativismo reinante, nos salvaremos do “tsunami” que arrasta e leva à morte.
A meta é sobrevivermos e, também, fazer sobreviver conosco o maior número de pessoas possível. Não sem razão a imagem que o próprio Catecismo (n. 845) evoca para simbolizar a Igreja é a da Arca de Noé: dentro dela se acha a salvação, e só dentro dela; fora, só o que há é a devastação.
Mas, será que ainda cremos nisso?
Nossos leitores terão de nos perdoar a insistência nesse tema da fé, mas ele não pode passar batido, porque foi o próprio Senhor quem manifestou a sua necessidade e imprescindibilidade: “Quem crer será salvo, quem não crer já está condenado” (cf. Mc 16, 16; Jo 3, 18). A falta de fé é, já neste mundo, um sinal de reprovação eterna! Quem o diz é Jesus Cristo, manso e humilde de Coração, a própria Misericórdia que se fez carne, o mesmo que curou pobres e enfermos e passou por este mundo fazendo o bem… O Evangelho não fala de “dois Cristos”. É um só o que fala da salvação e da condenação; um só o que fala do Céu e do Inferno; um só o que fala de Deus, e do demônio.
E, no entanto, que visão temos mantido em nosso modo de pensar e de agir? Tratamos a salvação, a graça e a vida eterna como um “presente barato”, que em qualquer fundo de quintal se pode achar, que em qualquer religião se pode ganhar, que com qualquer tipo de vida se pode alcançar…
Sim, os tempos são maus, e as pessoas estão perdidas num indiferentismo religioso assustador. Mas a nós cabe remar contra a correnteza. Não nos conformarmos com este mundo (cf. Rm 12, 2). Não aceitar que a fé católica seja tratada como mais uma entre tantas outras. Permanecer na segurança da fé perene da Igreja. E por quê? Porque:
“O mundo foi criado em vista da Igreja”, diziam os cristãos dos primeiros tempos. Deus criou o mundo em vista da comunhão com sua vida divina, comunhão esta que se realiza pela “convocação” dos homens em Cristo, e esta “convocação” é a Igreja. A Igreja é a finalidade de todas as coisas, e as próprias vicissitudes dolorosas, como a queda dos anjos e o pecado do homem, só foram permitidas por Deus como ocasião e meio para desdobrar toda a força de seu braço, toda a medida de amor que Ele queria dar ao mundo: “Assim como a vontade de Deus é um ato e se chama mundo, assim também sua intenção é a salvação dos homens e se chama Igreja” (Catecismo da Igreja Católica, n. 760).
Atentemo-nos bem ao que vai escrito no Catecismo e respondamos com muita sinceridade se muitos hoje (muitos de nós até!) não teriam vergonha de proclamar frases como estas: “O mundo foi criado em vista da Igreja”, ou: “A Igreja é a finalidade de todas as coisas” (ou, ainda, o velho axioma de que “fora da Igreja não há salvação”), quando o que está na moda é justamente abraçar o mundo, adotar a linguagem e os modos do mundo, diluir a Igreja no mundo. Fica a impressão, na verdade, de que é a Igreja que “foi criada em vista do mundo”, e que “todas as coisas são a finalidade da Igreja”, menos aquilo para o que ela realmente foi fundada: converter os homens e levá-los ao Céu.
De fato, como repetirá essas sentenças dos primeiros cristãos (o Catecismo atribui algumas delas a Hermas e a São Clemente de Alexandria) um bando de católicos apóstatas, que substituiu a religião sobrenatural fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo por uma religião natural qualquer, sem Batismo, sem missão, sem conversão? Como falaremos das belezas da Igreja estando tão preocupados, entusiasmados ou até hipnotizados com as coisas do mundo?
Tomando a imagem da Arca do Antigo Testamento, é como se Noé e os demais tripulantes da embarcação decidissem pôr abaixo o instrumento que os está salvando para se afogarem todos juntos no dilúvio. Ora, se cremos (mas nós cremos?) que a salvação está dentro da Igreja, na fé em Cristo e na recepção assídua dos sacramentos, não seria o caso de salvarmos as pessoas do caos, “pescando-as” das águas turbulentas em que se encontram para trazê-las à segurança da Arca?
Note-se bem que não estamos falando de simplesmente “fechar-nos” na Arca e deixar, literalmente, que os outros se danem. Essa postura não tem nada a ver com o cristianismo e com o mandato de Nosso Senhor de evangelizar todos os povos. Tampouco se trata de querer separar o joio e o trigo antes do tempo previsto pelo único e verdadeiro Juiz… É claro que também dos que foram pescados Nosso Senhor fará uma separação dos bons e dos maus. Mas não é por isso que deixaremos de lançar as redes e pescar! O que não significa, também, entregar-se ao mundo, tornar-se “amigo do mundo” (à custa de nossa amizade com Deus, inclusive, cf. Tg 4, 4), pois querer salvar os que estão no mundo não é ser suicida, tampouco menosprezar a segurança do barco em que, por graça de Deus, nos encontramos.
Nesse sentido, outro Catecismo, o de São Pio X, começa com uma pergunta sobre a qual faríamos bem em refletir nesses dias. Ele pergunta: “Sois cristão?”, e responde: “Sim, sou cristão pela graça de Deus!” (n. 1). Ou seja, ser de Cristo, pertencer ao seu Corpo místico, que é a Igreja por Ele fundada, é uma grande graça, “um dom de Deus, que nós não podemos merecer” (n. 2). Mas, se é assim, se ser cristão é uma graça, não sê-lo é uma desgraça; e por isso todos deveríamos trabalhar com afinco para que nossos irmãos, familiares e amigos deixassem a desgraça de sua condição para se fazerem cristãos, membros da Igreja, tripulantes da Arca mais salutífera que a de Noé.
Isso, porém, é o que deveria acontecer logicamente dentro de uma comunidade que crê, que ama a Arca na qual Deus a colocou, que é capaz de cantar com o coração o Salmo 83: “Quão amável, ó Senhor, é vossa casa, quanto a amo, Senhor Deus do universo! Minha alma desfalece de saudades e anseia pelos átrios do Senhor! [...] Na verdade, um só dia em vosso templo vale mais do que milhares fora dele! Prefiro estar no limiar de vossa casa, a hospedar-me na mansão dos pecadores!” Mas onde está essa alegria visível de pertencer à Igreja, de estar nos átrios do Senhor? Os arquitetos, no interior, parecem ter-se esquecido quem é o Senhor da Arca. Talvez eles a considerem até “antiquada” demais. Seria preciso deixar entrar um pouco de água aqui e acolá… até nos tornarmos, talvez, um Titanic.
Esse é o projeto que alguns, soberbamente, gostariam de pôr em prática. Mas os corações que crêem e amam a casa de Deus existem, e eles sustentam a barca da Igreja com suas orações e penitências. Além do mais, “as portas do inferno não prevalecerão” (Mt 16, 18). É promessa de Nosso Senhor, a Igreja não perecerá. Seu destino, fixado por seu divino Fundador, é ser Arca segura, firme e inabalável como uma rocha — ainda que muitos nela trabalhem, conscientemente ou não, para que ela soçobre.
Por isso, permaneçamos firmes na esperança. Os tempos são difíceis, é verdade, o mar tempestuoso ameaça cobrir a barca da Igreja e o Senhor parece dormir (cf. Mt 8, 24); as notícias não são nada alvissareiras e a tentação é desesperar. No meio de tudo isso, porém, não nos esqueçamos: a Igreja Católica não é um Titanic, idealizado e construído por um simples homem. Não. Ela é objeto de nossa fé, pois foi querida e moldada pelo próprio Jesus Cristo. Não só isso: o mundo foi criado em vista dela, ela é a finalidade de todas as coisas.
Se tivermos isso em mente, nosso coração pulsará de modo diferente ao nos levantarmos domingo e declararmos, com voz forte: “Creio na santa Igreja Católica”. Sim, nós cremos na Igreja una, santa, católica e apostólica (in unam, sanctam, catholicam et apostolicam Ecclesiam), e nessa fé queremos viver, morrer… e viver para sempre.
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