I. O problema. — A Revelação divina é uma mensagem de Deus. Deus falou aos homens, e lhes falou principalmente por meio de Jesus Cristo: “Muitas vezes e de diversos modos outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas. Ultimamente nos falou por seu Filho” (Hb 1, 1). Ao homem de todos os tempos e de todos os lugares lhe interessa, antes de tudo e sobretudo, captar em toda a sua pureza e em toda a sua integridade esta mensagem divina. Mas poderemos todos os homens conhecer assim a Palavra de Deus?

A experiência nos ensina o quanto influenciam no conhecimento de uma verdade as circunstâncias de tempo e lugar, as paixões, os sistemas ou preconceitos filosóficos, e tantos outros fatores humanos que podem obscurecer ou tergiversar as verdades que parecem mais evidentes a quem não se vê influenciado por semelhantes fatores. Por outro lado, não se trata aqui de verdades de ordem puramente histórica ou científica; são verdades muito mais transcendentais: Deus falou aos homens para lhes transmitir a sua mensagem de salvação. À Revelação de Deus há-de responder a fé do homem: “Quem crer […] será salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc 16, 16). Mas não pode haver fé a não ser de verdades reveladas, e não de pseudo-verdades. Em outras palavras, para que eu creia, é necessário que capte a verdade de Cristo em toda a sua pureza.

A primeira geração cristã ouviu dos lábios dos próprios Apóstolos a verdade de Cristo, isto é, daqueles mesmos Apóstolos que receberam com o Espírito Santo o carisma da infalibilidade. Criam os primeiros cristãos na palavra de Cristo, que os Apóstolos lhes transmitiam fielmente. Mas os Apóstolos morreram, e as gerações seguintes, a dos séc. II, a do séc. XX e até a do XL (supondo que Deus conceda tão larga vida ao mundo), hão-de seguir captando a palavra de Cristo também em toda a sua pureza, porque Jesus Cristo é Mestre e Redentor de todas as épocas e de todos os homens. Como isto será possível?

II. Orientação histórica. — Duas soluções radicalmente opostas foram dadas a este problema. Em poucas palavras, podemos formulá-las assim:

  • Solução protestante: A verdade de Cristo se conserva em toda a sua pureza ao longo dos séculos na Sagrada Escritura, por ser ela a Palavra de Deus e, portanto, infalível. Ela nos dá “a tradição apostólica fixada por escrito” (Cullmann, La Tradition, Cahiers théologiques, 1953, p. 44).
  • Solução católica: A garantia segura da verdade de Cristo, nós a temos no Magistério autêntico da Igreja, que nos conserva fielmente e nos declara infalivelmente a doutrina que Deus revelou e que está contida na Sagrada Escritura e na Tradição divino-apostólica.

1. Solução protestante. — Ao menos em seus aspectos mais essenciais, pode-se dizer que esta solução já foi proposta no início do séc. III por aquele que, por tantos títulos, pode ser considerado o “pai” do futuro protestantismo: Tertuliano, que defendeu uma oposição irredutível entre a “Igreja do Espírito” e a “Igreja dos bispos”, chegando à conclusão de que só o Espírito Santo deve ser tido e reverenciado como Mestre (cf. De pudicitia, 21; De virginibus velandis, 1).

Na Idade Média, seguiram por este caminho todas as tendências espiritualistas de cátaros, valdenses e albigenses; o profetismo escatológico do abade Joaquim de Fiore e o ascetismo exagerado de begardos, beguinas e dos fraticelli. Todos estes preparam o terreno para os grandes “reformadores” do séc. XVI, Lutero e Calvino, que desejavam excluir todo intermediário humano entre Deus e o homem, tal como seria a hierarquia e o Magistério da Igreja.

No final do séc. XIX e no início do séc. XX, R. Sohm, fiel aos princípios de Lutero, propôs a teoria de que somente Cristo e o Espírito Santo, por meio dos “carismáticos”, devem dirigir a Igreja, se queremos ater-nos à vontade de Cristo (cf. R. Sohm, Kirchenrecht, I).

K. Barth, partindo do transcendentalismo calvinista, afirmou que a “Reforma” foi a restauração da verdadeira Igreja, porque foi certeira ao afirmar o Tu solus de Cristo. E assim como Cristo é o único Santo e o único Senhor, é também o único Mestre, o que exclui qualquer outro magistério como intermediário entre Cristo e o cristão (cf. Journet, L’Eglise du Verbe Incarné, I, pp. 1129-1171).

Seguindo por caminhos parecidos e com diversas modalidades acidentais, todos os outros protestantes, de hoje e de ontem, negam o Magistério eclesiástico, que consideram como um intermediário que tira a autoridade da Palavra de Deus ou a liberdade própria dos filhos de Deus. Assim escrevia R. Mehl: “A autoridade a que se faz alusão [entre os católicos] não é imediatamente a autoridade da Palavra de Deus […]. É necessário que elas [as igrejas] reconheçam como seu Rei a um só Cristo, seu Libertador, e que sejam governadas somente pela lei da liberdade, que é a palavra sagrada do Evangelho” (Du catholicisme romain, p. 42s).

Por fim, os racionalistas e modernistas, que não querem admitir como critério de verdade nada além do ditame da razão natural ou da consciência de cada indivíduo, e negam que Cristo tenha instituído a Igreja como sociedade, destroem as bases mais indispensáveis para se poder admitir o Magistério autêntico. 

2. Solução da Igreja Católica. — Poderíamos dizer que aquela fórmula: “Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós” (At 15, 28), que indica a persuasão da Igreja apostólica, reunida no Concílio de Jerusalém, de possuir a assistência infalível de Deus em suas decisões, segue viva no Magistério da Igreja em todos os tempos.

Limitando-nos agora aos textos mais recentes, que mostram a consciência da Igreja de ser ela a garantia infalível da verdade revelada, podemos citar em primeiro lugar os textos do Concílio Vaticano I. Sobre esta matéria, propõe o Concílio diversos aspectos:

  1. Cristo quis que o Magistério se perpetuasse nos sucessores dos Apóstolos até o fim dos tempos: “Ora, como Ele [Cristo] enviou os Apóstolos que tinha escolhido […], da mesma forma quis que até a consumação dos séculos houvesse na Igreja pastores e doutores” (DH 3050). “Foi, portanto, este carisma da verdade e da fé indefectível concedido divinamente a Pedro e a seus sucessores nesta cátedra, a fim de que desempenhassem seu sublime encargo para a salvação de todos” (DH 3071).
  2. Este Magistério é autêntico, quer dizer, tem plena autoridade para impor que se aceitem os seus ensinamentos. Esta autoridade, o Concílio a expressa sobretudo na interpretação da Sagrada Escritura, quando afirma que “se tenha por sentido verdadeiro da Sagrada Escritura aquele que sustentou e sustenta a Santa Mãe Igreja, à qual compete decidir do verdadeiro sentido e da interpretação das Sagradas Escrituras” (DH 3007). São palavras que escandalizaram, sem razão, os protestantes, como se a Igreja Católica estivesse pondo-se acima da Sagrada Escritura, Palavra de Deus. Ao contrário: não se põe acima, mas a seu serviço, já que foi precisamente para conservar íntegra a verdade da Sagrada Escritura e precaver os fiéis contra os erros de interpretações puramente subjetivas da Palavra de Deus que Cristo concedeu à sua Igreja o carisma da infalibilidade. O mesmo sentido têm as palavras seguintes, também do Vaticano I: “Deve-se, pois, crer com fé divina e católica tudo o que está contido na Palavra de Deus escrita ou transmitida, e que pela Igreja […] nos é proposto a ser crido como revelado por Deus” (DH 3011). 
  3. É um Magistério infalível, já que, ao definir a infalibilidade do Papa, o Concílio a define precisamente por comparação com aquela “infalibilidade com a qual o Redentor quis estivesse munida a sua Igreja” (DH 3074).
  4. Finalmente, ensina o Vaticano I que este Magistério autêntico da Igreja tem como finalidade que a doutrina da fé que Deus revelou seja transmitida fielmente e guardada e declarada infalivelmente pela Esposa de Cristo (cf. DH 3070).

Pio XII, na Encíclica “Humani generis”, em 1950, por ocasião de alguns erros dos nossos tempos, recorda que não somente “este sagrado Magistério, em questões de fé moral, deve ser para todo teólogo a norma próxima e universal da verdade”, senão que, além disso, todos os fiéis têm a obrigação de “observar também as constituições e decretos em que a Santa Sé proscreveu e proibiu opiniões perversas” (DH 3884). Ou seja, como explica o próprio Papa um pouco antes, todos devem aceitar as indicações do Magistério, não só quando ele define que doutrinas são heréticas, mas também em todas as outras decisões em que proscreve erros, ainda que não sejam heresias.

Em último lugar, a propósito de alguns exageros sobre o valor de um magistério dos leigos na Igreja, afirmou rotundamente o mesmo Papa em 1954 que todo magistério dos leigos deve estar sujeito à autoridade do Magistério sagrado da hierarquia (cf. Alocução “Si diligis”, de 31 mai. 1954: AAS 46 [1954] 317).

III. O que ensina a Igreja. — Pelos documentos do Concílio Vaticano I mencionados antes, podemos dizer que é de fé divina e católica que a verdade de Cristo nos vem garantida pelo Magistério autêntico e infalível da Igreja. Em concreto, a infalibilidade do Magistério está incluída na definição da infalibilidade do Romano Pontífice (cf. DH 3073s).

IV. O que diz a Bíblia. — Um dos títulos de Cristo que com frequência aparecem no Evangelho é, sem dúvida, o título de Mestre. 41 vezes usam os evangelistas a palavra grega διδάσκαλος, e 12 a equivalente em hebraico, Rabbi: no total, 53 vezes. Jesus mesmo se atribuiu de um modo especial este título: “Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou” (Jo 13, 13). Ora, este título de Mestre é algo exclusivo de Jesus? Assim poderia parecer, se considerássemos um pouco superficialmente as seguintes palavras: “Nem vos façais chamar de mestres, porque só tendes um Mestre, o Cristo” (Mt 23, 13). No entanto, o contexto mostra claramente qual é o verdadeiro sentido destas palavras: aconselhar a humildade aos seus discípulos, exortando-os a não imitarem os escribas e fariseus, que queriam ser chamados com o título de mestre por pura soberba e vanglória. Além disso, a consideração do significado que têm no Evangelho frases semelhantes, como aquela: “Por que me chamas bom? Só Deus é bom” (Mc 10, 18), mostra que elas apenas significam que Cristo é o Mestre por antonomásia e que todos os outros mestres o são somente na medida em que participam do seu poder.

Com efeito, temos outros textos claros no Evangelho em que Cristo afirma a participação de seu poder magisterial aos Apóstolos. Em primeiro lugar, a comunicação do poder de ensinar está incluída naquela fórmula geral, que devemos supor valer também para todos os poderes messiânicos de Cristo que sejam por natureza comunicáveis: “Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós” (Jo 20, 21; cf. também 17, 18). E aquela outra fórmula, na qual Cristo expressou tão claramente que os ensinamentos dos enviados por Ele eram ensinamentos seus: “Quem vos ouve a mim ouve” (Lc 10, 16). Recordemos, ademais, aquele texto de São Mateus tantas vezes citado: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, e ensinai a todas as nações […]. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi” (Mt 28, 18ss).

Mas estas palavras não se dirigem exclusivamente aos Apóstolos: ao acrescentar “Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo”, Jesus Cristo estabelece a perpetuidade do Magistério, com uma assistência eficaz para conseguir o fim pretendido de ensinarem a verdade; ou, em outras palavras, lhes concede o carisma da infalibilidade. Tal é o significado que tem a frase: “Eis que estou convosco”, como aparece sempre no Antigo Testamento.

Fazendo-se eco deste significado bíblico da frase de Cristo, “Eis que estou convosco”, o Papa Leão XIII escreveu: “Se pudesse ser de alguma maneira falso o que, amparado por tal auxílio, ensina o Magistério, o mesmo Deus seria autor do erro do homem, coisa evidentemente absurda” (Encíclica “Satis cognitum”, de 29 jun. 1896: AAS 28 [1896] 721).

Deve-se dizer o mesmo dos diferentes textos do sermão de Jesus na Última Ceia registrados por São João (cf. Jo 14, 16s.26; 15, 26; 16, 12s), onde o divino Mestre promete aos Apóstolos a assistência perpétua do Espírito Santo em seu ofício de ensinar.

Todo o livro dos Atos e as epístolas de São Paulo são um testemunho do magistério dos Apóstolos como missão principal de sua vida, missão que eles vão transmitindo àqueles discípulos escolhidos como colaboradores no ministério da palavra, e implicitamente se atribuem a infalibilidade em seus ensinamentos. Recordemos pelos menos alguns casos. A autoridade suprema dos judeus, o sinédrio, quer impor-lhes que não preguem Jesus Cristo. Pedro e os outros replicam: “Importa obedecer antes a Deus do que aos homens. O Deus de nossos pais ressuscitou Jesus, que vós matastes, suspendendo-o num madeiro […]. Nós somos testemunhas, nós e o Espírito Santo, que Deus deu a todos aqueles que lhe obedecem” (At 5, 29-32). Eis aí uma segurança absoluta de que estão na verdade e de que os assiste o Espírito Santo ao darem testemunho de Cristo.

Os decretos do Concílio de Jerusalém, por sua vez, os Apóstolos os emitem como parecer “nosso e do Espírito Santo” (At 15, 28).

São Paulo assegura, no epílogo de sua carta aos romanos: “Não ousaria mencionar ação alguma que Cristo não houvesse rea­lizado por meu ministério, para levar os pagãos a aceitar o Evangelho, pela palavra e pela ação” (Rm 15, 18).

Na primeira carta aos Tessalonicenses, alegra-se o Apóstolo de terem acolhido a palavra que lhes havia pregado, “não como palavra de homens, mas como aquilo que realmente é, como Palavra de Deus” (1Ts 2, 13).

Outro testemunho claro de que a verdade de Cristo está garantida pelo Magistério da Igreja encontra-se na carta de São Paulo a Timóteo, que merece ser considerada mais em particular: “Estas coisas te escrevo, mas espero ir visitar-te muito em breve. Todavia, se eu tardar, quero que saibas como deves portar-te na casa de Deus, que é a Igreja de Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade” (1Tm 3, 14s).

Recordemos que as cartas chamadas pastorais (1 e 2Tm e Tt) foram escritas pelo Apóstolo ao final de sua vida e podem ser consideradas, portanto, como o testamento de São Paulo. Assim, ele tem diante dos olhos a Igreja, na qual os seus discípulos serão os continuadores da obra cujos fundamentos foram postos pelo Apóstolos. E desta Igreja São Paulo diz que é “coluna e sustentáculo da verdade”. É claro, pois, que isto só pode ser assim se a Igreja garante sempre, sem medo de equivocar-se, a verdade de Cristo, isto é, se pode ensinar com o carisma da infalibilidade.

Notas

  • Este artigo é uma tradução levemente adaptada de F. de Vizmanos e I. Riudor, Teología fundamental para seglares. Madrid: BAC, 1963, pp. 676-681, nn. 335-347.

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