No dia 15 de julho, tradicionalmente havia uma festa conhecida como Divisio Apostolorum, “Divisão (ou Dispersão) dos Apóstolos”. 

Muito popular na Idade Média, a festa permaneceu em muitos calendários locais no período tridentino, mas nunca constou no Calendário Romano Geral. É a comemoração litúrgica de uma antiga tradição segundo a qual, algum tempo após a Ascensão (doze anos, no dizer de Guilherme Durando), os Apóstolos teriam tirado a sorte para ver a que parte do mundo iria cada um deles, e [então] saíram de Jerusalém e se espalharam, a fim de pregar o Evangelho nas várias nações.

“A Comunhão dos Apóstolos”, por Luca Giordano.

O Ofício Comum dos Apóstolos se refere repetidas vezes a essa ideia; por exemplo, na primeira antífona para as Matinas, tirada do Salmo 18: In omnem terram exívit sonus eórum, et in fines orbis terræ verba eórum — “O seu som estende-se por toda a terra, e as suas palavras até os confins do mundo”; e da mesma forma na terceira antífona, do Salmo 44: Constítues eos príncipes super omnem terram: mémores erunt nóminis tui, Dómine — “Fareis deles os chefes por toda a terra; lembrarão o teu nome, Senhor, para sempre”.

A referência mais antiga a essa festa especial é uma sequência que era bem conhecida e amplamente usada na Idade Média, escrita por um tal Godescalco, monge da abadia de Limburgo, na Alemanha ocidental, que morreu em 1098. Ela é escrita no estilo mais livre e antigo de sequências, como Victimæ Paschali Laudes, com menos rimas e estrutura que as mais recentes, como Lauda Sion, de Santo Tomás, e Stabat Mater. Faz uso frequente da interpretação patrística das primeiras palavras do Salmo 18: Cæli enarrant gloriam Dei — “Os céus publicam a glória de Deus”, segundo a qual se entendem por “céus” os Apóstolos, como diz São Gregório no Breviário antigo (lectio do 2.º noturno para o Comum dos Apóstolos).

Como é típico do gênero, a oração que conclui a sequência diz o seguinte: 

Hi cæli quos magni consilii angelus inhabitas: quos non servos sed amicos appellas: quibus omnia quæ audisti a patre notificas. In quorum divisione collectum gregem custodias indivisum: et in vinculo pacis: ut in te unum simus sicut in patre tu es unus. Miserere nobis tu qui habitas in cælis. — “São estes os céus em que habitais, ó Anjo do grande conselho, vós que chamais não servos, mas amigos, àqueles a quem destes a conhecer tudo o que ouvistes do Pai. Em cuja divisão [pedimos que] guardeis indiviso o rebanho reunido, e no vínculo da paz, a fim de que sejamos um em vós, assim como vós sois um com o Pai. Tende piedade de nós, vós que nos céus habitais.”

O Evangelho da festa é o da Ascensão (cf. Mc 16, 14-20), mas sem o primeiro versículo: “Finalmente apareceu aos onze, quando estavam à mesa, e censurou-lhes a sua incredulidade e dureza de coração, por não terem dado crédito aos que o viram ressuscitado”. É bastante conveniente a omissão, dado o uso comum da festa entre as congregações missionárias, já que ela celebra a missão dos Apóstolos em cumprimento ao mandato que Cristo lhes dá no versículo que abre o Evangelho: “Ide por todo o mundo, pregai o Evangelho a toda a criatura” (v. 15).

Segundo uma tradição, conhecida desde o século IV, o Credo batismal, agora chamado Credo dos Apóstolos, foi composto como regra de fé pelos Doze antes de sua dispersão, tendo cada um deles contribuído com um artigo. Isso é representado com frequência na arte, como aqui [ao lado], nas margens desta página das famosas “Horas de Catarina de Cleves”, datadas aproximadamente de 1440. (No centro está retratada a lenda dos dez mil mártires, representada simbolicamente por dez figuras.)

A tradição também pode ser vista nesta página de um Breviário Cartusiano (datado mais ou menos de 1490) — começando na parte superior da coluna à direita —, onde o nome de cada Apóstolo está de vermelho antes de cada um dos artigos do Credo.

Como muitas das tradições cultivadas com carinho pelos medievais, também esta foi posta em xeque pelos estudiosos da Renascença, em particular à época do Concílio de Florença, em 1438. Como o Concílio pelejava com a questão da união entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente, obviamente o tema dos Credos, e especialmente do acréscimo latino Filioque ao de Niceia, foi um dos mais importantes tópicos de discussão. Os cristãos latinos, que reconheciam três Credos em uso na liturgia: o dos Apóstolos, o Niceno e o de Santo Atanásio, espantaram-se ao descobrir que os delegados gregos [para o Concílio] jamais haviam ouvido falar do Credo Apostólico.

O Pe. Nicholas Ayo, da Congregação da Santa Cruz, sintetiza belamente por que devemos continuar nos referindo ao Credo Apostólico por esse nome: 

Com o Credo Apostólico nós temos a doutrina dos Apóstolos como [nos] foi transmitida por autêntica sucessão apostólica. [...] O Credo sumaria as Escrituras, que por sua vez sumariam o ensino da Igreja primitiva pelos Apóstolos, os quais por sua vez foram ensinados por Jesus, que foi ensinado por Deus (Sermon-Conferences of St. Thomas Aquinas on the Apostles’ Creed, p. 175).

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