Para celebrar devidamente a Páscoa, talvez tenhamos de recordar A pregação e as ações do Anticristo, obra-prima de Luca Signorelli, de 1499. Hoje ela se encontra na capela de São Brício, na cidade italiana de Orvieto. À primeira vista, Cristo parece estar em primeiro plano. Até que o observador percebe que aquele não é Cristo de jeito nenhum, mas um impostor. Mais do que isso: trata-se do Anticristo; Satanás, na verdade. Mas como se pode constatar isso? Só um olhar católico instruído poderia sabê-lo.
O diabo aponta para o seu coração. Mas não seria esse um gesto comum do Salvador desde as admiráveis revelações do Sagrado Coração a Santa Margarida Maria Alacoque? Sim, mas algo está visivelmente faltando: não há chagas no corpo de Cristo. Nos muitos simulacros de Cristo ao longo dos séculos, a pele lisa desprovida das feridas do Gólgota entrega que se trata de um falso Salvador. Só aquelas chagas distinguem a presença do verdadeiro Redentor; os outros são falsificados.
O cristianismo falsificado sempre se compraz em mostrar o coração de Cristo, mas não o seu coração trespassado. Deste simbolismo aparentemente inofensivo provém o credo invertido do cristianismo falsificado. Ele está centrado não no amor sacrificial, mas no “amô” sentimental, uma tentação perene para todos os filhos decaídos de Adão e Eva. Mesmo Albert Camus, um existencialista por completo, ecoou essa verdade quando escreveu: “As gerações futuras serão capazes de sintetizar a nossa cultura em duas proposições: eles fornicavam e liam os jornais”. Esse falso cristianismo vira a verdade do Evangelho do avesso, ditando a bonomia como seu imperativo de ferro.
Essa inversão cômica da grandeza da cruz deixava desgostoso o jornalista Graham Greene e fazia-o dizer, com impaciência e delicioso desprezo: “Quando ouço o apelo ao amor fraternal, penso em Caim e Abel”. Ao invés de Cristo crucificado, eles pregam sentenciosamente os jargões de sua cultura decadente misturados com clichês que sufocam ao invés de corrigir. O vazio deles é captado por T. S. Eliot em A canção de amor de J. Alfred Prufrock, com escárnio perfeito: “Medi minha vida em colheres de café”. O destino final dos que se casam com esse cristianismo falsificado é afundar com cada vez mais segurança no pântano da autossatisfação.
Estamos diante de uma traição grosseira da Páscoa. Esta é o maior triunfo de Deus porque é a vitória da Cruz. Aí reside a alegria crescente do Terceiro Dia, e ela ressoará pelos corredores da eternidade. Não há separação possível: o Crucificado é o Ressuscitado.
Durante a época do Grande Terror, aquele resultado imediato do encerramento do Concílio Vaticano II, armou-se um grande esforço para apagar boa parte do cristianismo histórico. Frases de efeito estéreis tomaram o lugar da doutrina imemorial. Uma das mais insípidas foi uma recém-cunhada atribuição dada aos católicos: um povo pascal. Tão vaga quanto juvenil, ela apreendia o todo do cristianismo falsificado: uma identidade “religiosa” sem o Calvário. A frase estéril felizmente desapareceu, mas seu espírito não. Ele paira sobre muitas igrejas e liturgias como alcatrão gotejante. Infelizmente, ele entra na alma de forma lenta mas efetiva, corrompendo-a.
Página após página, os santos Evangelhos desmentem essa fraude. Quando Cristo se senta sobre o túmulo vazio, Ele o faz ostentando as chagas de sua crucificação como troféus. Pois seu corpo ressuscitado é seu corpo crucificado; a vitória da Ressurreição é a proclamação do triunfo do Gólgota. No cenáculo, Nosso Senhor encontra o hesitante Tomé como um general vitorioso que retorna da batalha. Recorde o que faz o Salvador: Ele coloca as mãos do apóstolo nos buracos onde a lança perfurou e os pregos trespassaram. Note que, assim que o Salvador oferece “paz” aos Apóstolos, Ele lhes mostra suas chagas. Tal gesto é um golpe retumbante naqueles que desejam efeminar Cristo e neutralizar seu apelo revigorante a que tomemos a nossa cruz e o sigamos.
Sorrisos melosos, linguagem inclusiva e canções alegres simplesmente não são o bastante. Eles desaparecem como ciscos de poeira em um incêndio. Mesmo agora, Cristo está sentado à direita de seu Pai, no Céu, com corpo glorificado, ainda mais belo graças às insígnias do Calvário — as santas chagas que, no ensinamento de Santo Tomás, “iluminam os recintos do céu como rubis e safiras”.
O Venerável Fulton Sheen escreveu certa vez que a Via Pacis é a Via Crucis, “o caminho da paz é o da cruz”. Esta é a sua versão da antiga jaculatória: Ave crux, spes unica, “Salve cruz, única esperança”. Sem a cruz, a vida carece de alegria, esperança e paz. Aqui o paradoxo do cristianismo atinge o homem moderno como um cometa veloz, deixando-o atordoado. O grande bispo continua com palavras que facilmente desmascaram o cristianismo falsificado: “Deus odeia a paz naqueles que foram destinados para a guerra”. Os católicos secularizados veem nisso um grande exagero. Eles guincham: “Somos uma religião de paz”. Mas, para manter esse tipo de inanidade, eles precisam confrontar o próprio Deus: “Pensais que vim trazer a paz ao mundo? Vim para trazer não a paz, mas a espada” (Mt 10, 34). Que guerra? Que espada? A única verdadeira: a guerra contra o pecado; contra o erro e as mentiras do mundo; contra nossa fraquezas e transigências; nossas complacências e indulgências. Essas são as únicas guerras dignas de ser travadas. É a vitória nessas guerras que traz a paz.
Que os bons católicos se deleitem nas alegrias de Cristo ressuscitado. Não nos cansemos de repetir a antífona antiga: Christus resurrexit! Vere resurrexit! — “Cristo ressuscitou! Ressuscitou realmente!” Deleitemo-nos no mistério do sepulcro vazio. Mas não nos esqueçamos de onde vem essa perfeita vitória divina — apenas da derrota retumbante de Satanás e de seu reino infernal. E isto pela arma da Cruz invencível de Cristo. Cuidado com o Cristo falsificado. Ele irá cortejar os desavisados com mensagens que repousam confortavelmente sobre a natureza decaída do homem. Ele irá usar uma linguagem de reaproximação com o espírito do mundo. E ela soará, oh! tão razoável, oh! tão doce.
Fiquem apenas com o verdadeiro Cristo ressuscitado, aquele que nos convida a descansar sobre as suas chagas. Insistam apenas em Deus.
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