Nossa Senhora apareceu aos três pastorinhos em Fátima oito dias após o clamor penetrante do Papa Bento XV pedindo sua intercessão pelo fim da guerra [i]. No entanto, essa não foi a única razão providencial para a aparição de Nossa Senhora às três crianças naquele momento específico. Também estava acontecendo na Rússia algo perigoso, que teria um impacto devastador no mundo.
As Revoluções Russas
A Rússia sofreu muito com os efeitos negativos da Primeira Guerra Mundial. O grande número de vítimas, combinado com a estagnação econômica e a escassez de alimentos, deixou o povo irritado, inquieto e crítico às autoridades do país. Essa instabilidade nacional culminou na derrubada de uma monarquia cristã milenar, bem como na execução do czar russo [e de toda a sua família] — a dinastia Romanov.
Essa revolução ocorreu em fevereiro de 1917 (março no calendário gregoriano), e um governo provisório foi estabelecido em seu lugar. Com a derrubada da monarquia russa, Vladimir Lênin, então exilado da Rússia por agitação política revolucionária, viu a oportunidade de retornar e envolver-se de novo na política de seu país.
Lênin estava totalmente comprometido com a filosofia econômica, social e ateísta do marxismo, e procurou implementá-la na Rússia. Uniu-se a outros revolucionários políticos de esquerda para formar o Partido Bolchevique, e tornou-se seu líder. O descontentamento com a guerra em curso e a instabilidade do governo provisório permitiram aos bolcheviques subir rapidamente ao poder e assumir o controle da Rússia durante a infame Revolução de Outubro (novembro no calendário gregoriano).
Lênin tornou-se o líder da Rússia, e os bolcheviques se tornaram o Partido Comunista. Esse foi o principal evento que levou à fundação da União Soviética. O país que antes era chamado de “Santa Rússia” por seu povo, uma terra rica em fé e tradição, caiu por terra.
Nossa Senhora apareceu em Fátima durante esse período crítico da história da Rússia (e, por extensão, da Europa): a primeira e a última de suas aparições corresponderam bem de perto à 1.ª e à 2.ª Revolução Russa, em março e novembro de 1917.
A perseguição da Igreja e da família
Para cumprir a meta de Lênin, de implementar seus ideais marxistas e transformar a Rússia em um país comunista, era essencial eliminar a influência do cristianismo, especialmente da Igreja Ortodoxa Russa. No ano seguinte, [então], sancionou-se a lei de separação entre a Igreja e o Estado, “a fim de garantir a genuína liberdade de consciência do povo trabalhador” — ou seja, liberdade das restrições morais impostas pela religião. Tal norma, de fato, impunha o ateísmo estatal.
Embora a religião não tenha sido oficialmente banida, sua influência na sociedade foi atacada de propósito e com violência. Os revolucionários marxistas sabiam que, para minar a prática religiosa, era preciso primeiro corromper a moralidade das pessoas. Além de enfraquecer a Igreja, eles também trabalharam por acabar com a unidade social da família, de modo a realizar seu ideal de uma sociedade sem classes, governada por um Estado autoritário.
Para alcançar esse objetivo, os bolcheviques instituíram o divórcio sem culpa, com o casamento civil suplantando o sacramental. O divórcio passou a ser feito de forma rápida e fácil, sem provisões para o sustento dos filhos. Foram aprovadas leis declarando não haver mais filhos ilegítimos, uma revolta contra o direito natural das crianças de nascer na estabilidade do matrimônio e de ser criadas por seu pai e sua mãe.
O resultado foi a absoluta decadência moral do povo. Antes um povo profundamente religioso, muitos russos tornaram-se promíscuos e literalmente começaram a divorciar-se e casar de novo conforme mudavam as estações. As mulheres que se divorciavam de seus maridos grávidas procuravam o aborto por medo do abandono. Sob o regime comunista, a Rússia tornou-se o primeiro país do mundo a legalizar o abortamento e, por fim, a nação com a maior taxa de abortos e divórcios do mundo.
Antes que essas leis desastrosas fossem implementadas, era a Igreja que regia o casamento, a família e a vida moral do povo em nome de Deus. A Revolução Bolchevique não foi só uma revolução política; foi uma revolução da estrutura da própria sociedade e, em última análise, uma revolta contra a lei divina e natural.
Depois que Lênin derrotou todos os inimigos políticos que ameaçavam seu poder, a União Soviética foi formada em 1922 sob o comando do secretário Joseph Stálin. Lênin tornou-se então o primeiro ditador do primeiro Estado marxista do mundo, ainda que por pouco tempo, pois morreu em 1924. Sua crueldade contra os inimigos políticos abriu precedentes para que seu sucessor, Joseph Stálin, presidisse uma campanha de brutalidade contra os próprios concidadãos, especialmente os seguidores de Cristo.
Embora Nossa Senhora tenha mencionado a necessidade da consagração da Rússia durante suas aparições em Fátima, ela não a pediu formalmente naquela ocasião. Esse pedido só foi feito à Irmã Lúcia em 13 de junho de 1929. Mais uma vez, o momento foi providencial, pois um evento significativo se dava na Rússia: em 1929, teve início uma nova onda de perseguição antirreligiosa, sob a ditadura do infame Joseph Stálin.
Antes, a Igreja Ortodoxa era perseguida de forma indireta; os cristãos eram encarcerados como inimigos do Estado. Agora, uma campanha política oficial foi iniciada para destruir de fato a Igreja. Propriedades e riquezas eclesiásticas foram confiscadas, atividades religiosas foram proibidas, igrejas foram destruídas e quase todo o clero, junto com muitos leigos, foi morto ou enviado para campos de concentração. O cristianismo na Rússia foi forçado a esconder-se.
Além de desencadear uma severa perseguição à Igreja Ortodoxa, Stálin se voltou de forma maligna contra seus compatriotas. Na década de 1930, forçou uma fome artificial na Ucrânia: o genocídio matou de 7 a 8 milhões de pessoas. Durante o pior período da fome, de 1932 a 1934, estima-se que cerca de 30 mil ucranianos morriam de fome todos os dias.
Enquanto isso, Stálin negava a existência da fome e exportava grãos russos para outros países. Tal brutalidade se tornaria o modus operandi dos ditadores comunistas ateus ao longo de todo o século XX: fome orquestrada, deportações, guerras civis, campanhas de terror, trabalho forçado, campos de concentração e assassinatos em massa.
Jacinta, que frequentemente recebia visões dos futuros castigos profetizados por Nossa Senhora de Fátima, talvez tenha visto a devastadora fome ucraniana quando disse a Lúcia:
Não vês tanta estrada, tantos caminhos e campos cheios de gente, a chorar com fome, e não tem nada para comer? E o Santo Padre em uma Igreja, diante do Imaculado Coração de Maria, a rezar? E tanta gente a rezar com Ele? (Memórias da Irmã Lúcia, p. 127).
A Rússia espalha os seus erros
O maior erro da Rússia foi a [criação do] moderno Estado marxista-comunista ateu e seus ataques à moralidade, à ordem natural da sociedade humana e à Igreja. Esse espírito revolucionário diabólico se espalhou para outros países como uma doença infecciosa, começando pelos países do bloco oriental, até que mais da metade do globo foi governada por ditadores comunistas. Seus regimes brutais perseguiram severamente a Igreja e mataram milhões de seus próprios cidadãos.
Vimos como a Revolução Francesa e a Revolução Portuguesa também implementaram leis antirreligiosas e perseguiram ferozmente a Igreja, mas essas campanhas foram em uma escala comparativamente menor. Embora tenham sido um grande flagelo para esses países, essas revoluções não foram impulsionadas por uma filosofia social e política virulenta que buscava o domínio global.
Os revolucionários bolcheviques russos, entretanto, perseguiram ativamente um comunismo ateu global. Os bolcheviques implementaram o “Manifesto do Partido Comunista” de Marx e tornaram-se o primeiro Estado comunista do mundo. A União Soviética converteu-se, então, não só em uma potência mundial dominante, mas também no carro-chefe para o surgimento de ditaduras ateias em todo o mundo. Esses regimes brutais e suas filosofias insidiosas ameaçaram e massacraram seus próprios súditos de uma forma hedionda nunca antes vista na história.
“O Livro Negro do Comunismo: Crimes, Terror e Repressão” (1997), de Stephane Courtois, calcula que o número de mortes causadas pelo comunismo no século XX foi de 94 milhões, tornando os regimes comunistas ateus mais mortais do que as duas primeiras guerras mundiais juntas:
República Popular da China: 65 milhões
União Soviética: 20 milhões
Camboja: 2 milhões
Coreia do Norte: 2 milhões
Etiópia: 1,7 milhão
Afeganistão: 1,5 milhão
Bloco Oriental: 1 milhão
Vietnã: 1 milhão
América Latina: 150.000
Movimento comunista internacional e partidos comunistas que não estão no poder: 10.000
Além do chocante número de mortes, a supressão e perseguição da fé cristã, bem como a institucionalização da imoralidade, foram ainda mais devastadoras para a salvação das almas. Sem a luz da fé cristã para guiá-las até a adoração do Deus único e verdadeiro, muitas delas, sob os regimes comunistas, perderam-se para sempre.
Olhando para trás, para essa devastação, lembramo-nos do que Lúcia disse ao Santo Padre, o Papa João Paulo II, na véspera do aniversário das aparições de Fátima, em 1982:
A terceira parte do segredo é uma revelação simbólica, que se refere a este trecho da Mensagem, condicionada ao fato de aceitarmos ou não o que a Mensagem nos pede: “Se atenderem a meus pedidos, a Rússia converter-se-á e terão paz; se não, espalhará os seus erros pelo mundo, etc”.
Porque não temos atendido a este apelo da Mensagem, verificamos que ela se tem cumprido, a Rússia foi invadindo o mundo com os seus erros. E se não vemos ainda, como fato consumado, o final desta profecia, vemos que para aí caminhamos a passos largos. Se não recuarmos no caminho do pecado, do ódio, da vingança, da injustiça atropelando os direitos da pessoa humana, da imoralidade e da violência, etc.
E não digamos que é Deus que assim nos castiga; mas, sim, que são os homens que para si mesmos preparam o castigo. Deus apenas nos adverte e chama ao bom caminho, respeitando a liberdade que nos deu; por isso os homens são responsáveis.
Mais uma vez, é surpreendente considerar que a Mãe de Deus ofereceu um meio de evitar esse desastre para a humanidade, atribuindo tal encargo à autoridade do vigário de Cristo, como pastor das almas do mundo.
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