Um dos problemas da cultura ocidental moderna é a tendência a priorizar sentimentos e emoções em lugar da verdade e da razão. A Igreja também foi contaminada por isso: muitas vezes, prefere-se evitar que uma pessoa se sinta ofendida a ensinar de forma inequívoca a doutrina e as verdades da fé.
Em seu mais novo livro, Christus Vincit, Dom Athanasius Schneider diz o seguinte:
A atual crise na Igreja tem como causa o descaso com a verdade e, especificamente, uma inversão na ordem da verdade e do amor. Atualmente, tem-se propagado na Igreja um novo princípio de vida pastoral que diz: amor e misericórdia são os critérios supremos, e a verdade deve se subordinar a eles. De acordo com essa nova teoria, se houver um conflito entre amor e verdade, a verdade deve ser sacrificada. Trata-se de uma inversão e uma perversão, no sentido literal da palavra.
Trata-se de um argumento importante sobre a ordem da verdade e do amor. Como nos recorda o bispo, a verdade precede o amor, e serve também como fundamento para o amor perfeito e verdadeiro.
Dom Athanasius mostra que esse insight está enraizado não apenas na natureza das coisas, mas na ação de Deus, que primeiro envia sua verdade na Lei por meio dos profetas e, de modo perfeito, por seu Filho, o Verbo feito carne. Então, após nos transmitir a verdade, Ele envia o Espírito Santo, a Pessoa da Santíssima Trindade associada ao amor. “O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5, 5). Portanto, a verdade precede o amor e molda suas bênçãos e exigências.
A precedência da verdade é importante por outra razão: hoje, muitas vezes, o amor é reduzido à afabilidade, que é um aspecto do amor, assim como a correção e a repreensão. Em nossa cultura, se não aprovarmos cordialmente qualquer coisa que outros querem fazer, corremos o risco de ser chamados de odiosos. Muitas vezes o amor é igualado à aprovação, à “camaradagem”.
Segundo essa atitude que contaminou a Igreja, frustrar as pessoas, magoá-las ou fazer com que se sintam “excluídas” é praticamente a pior coisa que podemos fazer. Não importa o fato de o Jesus bíblico frustrar mais do que um punhado de pessoas; Ele “excluiu” aqueles que “não podiam ser seus discípulos” porque não carregariam sua cruz e não o amariam acima de todas as coisas. Na Igreja de hoje, temos de pisar em ovos para não ofender os outros, e falamos incessantemente sobre ser uma “comunidade acolhedora”. Para conseguir, muitos membros do clero e líderes de todas as posições na Igreja parecem dispostos a deformar a veracidade de nossa doutrina por meio do ensino seletivo, do silêncio, ou mesmo de uma completa deturpação do que ensinam o Senhor e as Escrituras. Muitas vezes, a misericórdia é ensinada sem qualquer referência ao arrependimento, que, no entanto, é a própria chave que abre a porta para a misericórdia! O Senhor vincula o chamado ao arrependimento à boa-nova da salvação (cf. Mc 1, 5).
Naturalmente, nosso objetivo não é ofender, mas o Evangelho possui uma estranha capacidade de afligir os acomodados e confortar os aflitos, e cada um de nós é um pouco das duas coisas. Não podemos nos esquecer de que servimos um Senhor que foi morto pelo que disse, embora ninguém tenha amado seus inimigos mais do que Ele.
Precisamos mobilizar o clero, os pais e todos os líderes na Igreja para ficarem atentos ao problema descrito com tanta precisão por Dom Athanasius Schneider. Não podemos ignorar a ordem correta: a verdade precede o amor e é fundamento dele. As coisas na Igreja muitas vezes estão desordenadas, pois, quando invertemos a ordem, as coisas se tornam — por definição — desordenadas.
Todos nós temos de ser mais corajosos ao falar a verdade. Quando faço uma pregação sobre um assunto difícil ou controverso, muitas vezes preparo meus ouvintes dizendo: “Amo-vos demasiado para mentir para vós”. Em seguida, digo a verdade sobre os ensinamentos de Deus, mesmo que estejam “fora de moda”. Faço isso não apenas para prepará-los, mas para ilustrar que a verdade do Evangelho precede e molda meu amor por eles. Não posso simplesmente dizer que os amo sem considerar a veracidade do Evangelho. Mentir ou silenciar enquanto o lobo do engano os devora não é amor; é ódio, ou até pior, indiferença. Privar as pessoas da verdade que pode libertá-las não é uma atitude amorosa nem misericordiosa.
O amor e a misericórdia são belos, mas devem ser precedidos pela verdade. Sou grato a Dom Athanasius por nos lembrar disso.
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