O texto abaixo é a tradução de um trecho do livro Anneliese Michel: A True Story of a Case of Demonic Possession [“Anneliese Michel: Uma História Real de um Caso de Possessão Demoníaca”, ainda sem tradução portuguesa], do Pe. José Antonio Fortea e de Lawrence E.U. LeBlanc.
Trata-se do resumo de um caso célebre, que ficou ainda mais famoso nos cinemas, com “O Exorcismo de Emily Rose”. Diferentemente, porém, do alarde cinematográfico, conhecer a história real da jovem Anneliese Michel nada mais é que entrar em contato com as verdades que a Igreja Católica sempre ensinou, a saber: que há um Deus providente que governa o mundo; que existem anjos decaídos ao nosso redor, “procurando a quem devorar”; e que o sofrimento humano, por mais agudo e terrível que seja, sempre pode ganhar um sentido à sombra da Cruz de Cristo.
Os que desejarem — e não tiverem problemas, evidentemente, com esse tipo de conteúdo —, podem acessar depois, no YouTube, algumas gravações das sessões de exorcismo por que passou Anneliese Michel, na Alemanha, em 1976.
A 30 de março de 1978, no tribunal distrital de Aschaffenburg, Alemanha, começava o julgamento de Josef e Anna Michel, Pe. Arnold Renz e Pe. Ernst Alt. Os quatro foram acusados do homicídio culposo de Anneliese Michel. O tribunal estava ocupado principalmente por pessoas dos meios de comunicação da Alemanha e de outros países. Anneliese, sua família e alguns amigos próximos, os dois sacerdotes envolvidos e o bispo local acreditavam que ela sofria de possessão demoníaca. Na época, foi o primeiro caso oficial e público de exorcismo na Alemanha em aproximadamente cinquenta anos, e o único caso registrado em áudio de que se tem notícia. Depois de sessenta e sete sessões de exorcismo, Anneliese morreu em 1.º de julho de 1976, aparentemente de inanição.
Quando o juiz Bohlender leu o veredito da corte no dia 21 de abril de 1978, as opiniões do especialista médico fornecidas pela acusação foram aceitas na íntegra. Os envolvidos no caso não poderiam ter sabido que uma epilepsia havia evoluído para uma psicose. Em maio de 1976, no máximo, Annelise já não tinha condições de determinar seu bem-estar nem de lidar com ele. As sessões de exorcismo agravaram a doença dela. Os réus deveriam ter buscado auxílio médico. A corte disse que, se Anneliese tivesse recebido tratamento médico ou recebido alimento à força até uma semana antes de sua morte, sua vida poderia ter sido preservada. Portanto, a sentença afirma que eles deveriam ter buscado cuidados médicos, mesmo convencidos de que o problema fosse espiritual. Isso significa que qualquer médico, psiquiatra ou funcionário público (talvez) que considerasse prejudicial para a saúde de uma pessoa a realização de um exorcismo, poderia intervir legalmente e assumir um caso como aquele.
Uma de suas irmãs atestou que Annelise havia deixado claro que não queria ser enviada a um hospital psiquiátrico onde poderia ser sedada e alimentada à força.
Os quatro réus foram condenados a seis meses de prisão, que foi suspensa e substituída por três anos de liberdade condicional. Pe. Alt recebeu uma multa de 4.800 marcos alemães e Pe. Renz, uma de 3.600. Também foram responsabilizados pelos custos judiciais. Inicialmente, os quatro acusados recorreram da decisão da corte. Depois de refletirem sobre todo o processo, em parte por causa de razões financeiras e em parte porque os envolvidos não tinham certeza de que uma decisão justa poderia ser dada, decidiram retirar o recurso. É importante notar que as despesas judiciais dos sacerdotes foram assumidas pela Diocese de Wurzburg. Se tivessem mantido o recurso, os sacerdotes teriam sido responsáveis por quaisquer custos legais adicionais. Atualmente, todos os arquivos do processo e os da diocese relativos a essa história não estão disponíveis ao público.
Não deveríamos ficar surpresos com o veredito dado pelo tribunal ou pelo desprezo que o público nutria pelos réus. Geralmente, o público apoia os réus quando os tribunais julgam casos controversos. Nesse caso, os pais e os dois sacerdotes acusados estavam sob enorme pressão, já que as leis, a Igreja, a mídia e a opinião pública estavam majoritariamente contra eles.
Annelise, sua família, Peter, os Heins, os sacerdotes e o bispo acreditavam que soluções médicas e psicológicas não foram bem-sucedidas. Também acreditavam que, em última instância, a situação de Anneliese preenchia os critérios de possessão. Depois de muito tempo, consultas e diversas solicitações ao bispo, receberam autorização para começar as orações de exorcismo. Num mundo moderno em que as crenças religiosas foram marginalizadas e muitas das verdades sustentadas há tempo pela Igreja Católica começaram a sofrer ataques internos e externos, não deveria haver muitas dúvidas de que as opiniões a respeito do que realmente aconteceu com Anneliese Michel ficariam divididas. Os que não creem em Deus também não creem na existência de demônios, e isso faz do exorcismo algo “próprio da Idade Média”. Embora Anneliese nunca tenha passado por uma avaliação psiquiátrica detalhada, a epilepsia e a doença psicológica eram causas prováveis dos sintomas que ela apresentava.
No entanto, ocorreram coisas que não podiam ser explicadas por esse diagnóstico. Para os que acreditam em Deus e no Novo Testamento, a possessão é uma causa plausível para o sofrimento de Annelise. Está claro que ela, seus familiares, amigos e muitos sacerdotes familiares com o caso acreditavam que ela sofria de possessão; a fé dela em Deus e na Igreja Católica não foram questionadas e, acima de tudo, ela sofreu bastante e ofereceu esse sofrimento por Jesus Cristo…
Quando os autores se familiarizaram com as circunstâncias do caso, puderam afirmar sem sombra de dúvida, levando em conta o campo das patologias mentais e reconhecendo a existência do mundo espiritual, que Anneliese Michel não sofria de doença mental. O que vemos no comportamento dela não vem de um estado de doença mental, mas da possessão demoníaca que a acometia. A depressão que ela enfrentou foi uma consequência normal da situação em que se encontrava. Durante a última parte de sua vida, ela sofreu de uma compulsão provocada pela influência dos demônios sobre sua mente. Isso ficou manifesto por meio da repetição de atos piedosos como genuflexões e orações. Era parte da cruz que Deus lhe permitiu carregar.
Anneliese sofreu física, mental e espiritualmente. Sofria os efeitos físicos das convulsões ou sintomas semelhantes, breves períodos de inconsciência, às vezes dificuldade de comer, dormir, caminhar e falar. Houve sintomas semelhantes aos da depressão que se tornaram constantes. Às vezes, seu desejo espiritual de rezar, confessar-se, ir à Missa e receber a Sagrada Eucaristia sofriam interferência ou não podiam ser realizados. Ela sofria porque ninguém parecia ser capaz de ajudá-la, exceto por meio da oração, algo que causava alívio em diferentes graus. Ela ficava apavorada com rostos demoníacos e outras provações semelhantes. Apoiando-se na fé, aceitava esses sofrimentos e os oferecia a Deus em expiação pelos pecados de outras pessoas. Continuava a viver sua vida de forma heroica, apesar dos formidáveis desafios. Afora tais sofrimentos, ela parecia viver e funcionar como uma pessoa feliz e normal.
Em meio a esses sofrimentos, sua família e os sacerdotes acreditavam que Anneliese recebia consolações divinas sob a forma de locuções e que sentia a presença de Jesus, Maria, vários santos e muitos parentes já falecidos. Mais tarde, Anneliese recebeu visões de Jesus e Maria, tal como a descrita por Anna Michel e Thea Hein, na qual Maria apareceu a ela e lhe perguntou se estava disposta a oferecer seus sofrimentos a Deus.
Anneliese, sua família, Peter, os Heins, Pe. Renz, Pe. Alt, Pe. Rodewyk, Bispo Stangl e vários outros sacerdotes que tinham familiaridade com o caso acreditavam que Anneliese sofria de possessão demoníaca. Consequentemente, o único remédio para aliviar a situação de Anneliese era rezar as orações de exorcismo. Eles acreditavam que essas orações terminariam sendo bem-sucedidas e que Anneliese seria libertada. Se o exorcismo tivesse dado certo, talvez somente a família, amigos e sacerdotes teriam tomado conhecimento dos episódios ocorridos na vida de Anneliese, a qual em abril ou maio de 1976 parecia ter concluído que sua oferta poderia incluir o oferecimento da própria vida. Quando lhes perguntavam por que não saíam do corpo de Anneliese, os demônios respondiam que não tinham autorização para fazê-lo. Como Annelise ofereceu seus sofrimentos a Deus e morreu em 1.º de julho de 1976 (data que, segundo previsão dela mesma, marcaria a resolução da situação), podemos especular que isso aconteceu por permissão divina.
Uma vez que esses acontecimentos podem ser interpretados como uma forma de participação nos sofrimentos de Cristo, se considerados de uma perspectiva espiritual, a morte de Anneliese não representou de modo algum o fracasso do exorcismo. Deve ser entendida da mesma forma que a morte de Cristo. O que pode ser visto como fracasso aos olhos do mundo pode, na verdade, ser um triunfo aos olhos de Deus. Anneliese fez tudo o que estava ao seu alcance para libertar-se da tirania dos demônios, e os sacerdotes fizeram tudo o que estava ao alcance deles para libertá-la. Então, por que Deus permitiu que ela morresse? Como um sacrifício expiatório?
A ideia de que sofrimentos oferecidos com amor, resignação e paciência possuem valor salvífico é central na teologia cristã. Tais sofrimentos tornam-se graças para a salvação de outras pessoas. O sacrifício na cruz ocorrido há dois mil anos não pode ser compreendido sem esse conceito de expiação. Nessa nova versão alemã do Calvário, todos fizeram o que consideraram mais adequado, mas Deus aceitou o sacrifício e permitiu a morte de Anneliese.
Deus permitiu que os demônios impedissem Anneliese de comer, assim como, ao longo da história, permitiu que carrascos martirizassem suas vítimas, apesar de elas terem rezado e pedido sua libertação. Os Michels e os dois sacerdotes sofreram muito após a morte de Anneliese e o veredito do tribunal. Sob alguns aspectos, sofreram pelo resto de suas vidas com o terrível fardo de serem cercados de pessoas que os consideravam culpados, mesmo sabendo em boa consciência que fizeram por Anneliese o melhor que puderam.
Esse caso teve outra consequência: interrompeu efetivamente os exorcismos na Alemanha. Embora não fossem comuns no país naquele período, depois desse doloroso episódio parece que ninguém mais quis se envolver com o poder de expulsar demônios, dado por Jesus aos seus Apóstolos. Raras foram as vezes em que um episódio desse tipo afetou a Igreja de modo tão negativo num país.
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