2019 marcou o 70.º aniversário do único exorcismo documentado nos Estados Unidos da América [i]. Trata-se de algo realmente importante porque uma das maiores mentiras do diabo é convencer a humanidade de que ele não existe. Isso talvez explique a reação atordoada do público à versão dramatizada desse exorcismo no filme O Exorcista, de 1973 [ii].
As cenas foram tão horríveis, que fizeram muitos espectadores vomitar, enquanto outros desmaiaram e tiveram de ser levados de ambulância. Um homem, ao sair do cinema, disse o melhor: “Eu acredito, eu acredito”. Este foi o testemunho de alguém que mais uma vez acreditou no diabo.
Mas se as cenas vívidas do filme mostraram o horror e a repugnância da possessão demoníaca, deixaram de fora a parte mais importante da história real do menino possuído de Maryland: ele foi libertado das garras do diabo pela intercessão de Nossa Senhora de Fátima e pelo poder de São Miguel.
Tabuleiro Ouija e Possessão
A figura central da história era um adolescente conhecido pelos pseudônimos “Robbie Mannheim” ou “Roland Doe”. Embora a verdadeira identidade de Robbie e de seus pais permaneça em segredo, os detalhes dos eventos extraordinários deste exorcismo de 1949 foram meticulosamente registrados no livro Possessed [“Exorcismo”, no Brasil], de Thomas Allen.
Robbie cresceu em Mount Rainier, Maryland. Filho único de Karl e Phyllis Mannheim (também pseudônimos), ele costumava brincar com adultos. Um deles era sua tia Harriet, uma espírita, que morava em St. Louis, Missouri, e visitava com frequência os Mannheims. Durante uma visita em janeiro de 1949, ela ensinou o sobrinho de treze anos a usar um tabuleiro Ouija.
Não muito tempo depois, os Mannheims notaram coisas estranhas ao redor de seu filho. Ouviram ruídos estranhos no quarto, como o som incessante de goteira e depois um ruído de arranhões, como se garras raspassem a madeira. Na mesma época, Harriet morreu e Robbie começou a usar o tabuleiro Ouija para falar com ela. Ele usaria o tabuleiro por horas a fio, até que o jogo se tornasse uma obsessão, em sentido figurado e literal.
Seus pais logo notaram anormalidades físicas preocupantes no corpo do filho, como marcas de arranhões, vergões e hematomas, que surgiam sem motivo aparente. Mais perturbador ainda foi a transformação da personalidade. O garoto, normalmente quieto e tímido, de repente se tornou agressivo, com frequentes explosões de raiva e acessos de ira violentos contra eles. Começou a falar em latim, uma língua que não tinha meios de conhecer. Foi aí que os pais decidiram que precisavam de ajuda.
Eles tentaram de tudo, desde um médico regular até psicólogos, psiquiatras e até mesmo um vidente, antes de finalmente recorrerem ao seu ministro, o pastor Luther Miles Schulze. Enquanto os pais já consideravam a possibilidade de possessão diabólica, o pastor Schulze mantinha-se cético. Ele considerava a possessão “uma relíquia medieval, algo que havia sido deixado para os católicos quando a Reforma liderada por Lutero dividiu o mundo cristão” [iii].
“Você tem de ver um padre católico”
O pastor Schulze decidiu descobrir por si mesmo o que estava acontecendo, e convidou Robbie para passar uma noite em sua casa. Naquela noite, viu com seus próprios olhos a cama de Robbie mover-se para frente e para trás e depois pular para cima e para baixo. Quando ele pediu ao menino que tentasse dormir numa cadeira, esta se moveu pelo quarto e caiu de lado, deixando Robbie esparramado no chão. Como Schulze não conseguisse manter a cadeira em pé, percebeu que estava na presença de uma força colossal e mudou de ideia. Levou Robbie para casa e disse aos pais dele: “Vocês têm de ver um padre católico. Os católicos sabem dessas coisas” [iv].
Os Mannheims então visitaram a igreja católica St. James, não muito longe de casa. Pe. E. Albert Hughes foi escolhido para ajudar os pais, mas mostrou-se totalmente inadequado para a tarefa. Ele viu o potencial de violência de Robbie e ordenou que ele fosse mandado a um hospital.
Quando Hughes começou as orações rituais, o menino conseguiu libertar o braço da mordaça, chegar debaixo da cama e remover uma das molas. Ele então a usou como arma e cortou o antebraço do padre do pulso ao cotovelo. Foram necessários cem pontos para fechar a ferida.
Pouco depois, os Mannheims se mudaram para St. Louis, Missouri, para ficar com o irmão de Karl, George, e sua esposa, Catherine. Coisas aterrorizantes continuaram a acontecer com Robbie. A filha deles, Elizabeth, que estudava na Universidade de St. Louis, abordou seu professor, Pe. Raymond J. Bishop, para lhe falar sobre o primo.
Após uma avaliação inicial, o padre entregou o caso a Pe. William S. Bowdern, S.J., pároco da Igreja Católica de São Francisco Xavier, que acabou designado pelo então Arcebispo Joseph Ritter para realizar o exorcismo. Pe. Bowdern, descrito por um colega jesuíta como “totalmente destemido”, foi assistido por Pe. Walter Halloran e Pe. William Van Roo.
A história de Fátima leva à conversão
Desde o início do exorcismo, Pe. Bowdern colocou Nossa Senhora de Fátima no centro da luta. Em sua primeira visita à casa, em 11 de março de 1949, ele estava conversando com os Mannheims quando ouviram gritos terríveis no andar de cima vindos do quarto de Robbie. Quando entraram, o menino estava sentado na cama, visivelmente assustado com o que sentiu ser uma presença maligna no quarto. Bowdern corajosamente pôs as contas no pescoço do menino e começou a rezar o Rosário.
Depois de terminar, o padre Bowdern pregou uma “homilia espontânea”, na qual “falou a Robbie sobre três crianças da sua idade que tinham visto algo que outras pessoas não tinham visto” [v]. Bowdern então lhe explicou as aparições de Fátima e como aquelas três crianças haviam recebido o privilégio especial de ver a Mãe de Deus, cujo nome é Maria. Isso ajudou a explicar a Ave-Maria ao menino, que não era católico.
O adolescente ficou fascinado com a história de Fátima, e Pe. Bowdern a repetiu várias vezes nos 38 dias seguintes. Isso levou Robbie a perguntar mais sobre a fé católica e, finalmente, levou à sua conversão e, mais tarde, à de seus pais.
Em 23 de março, ele começou seu estudo do catecismo e foi batizado em 1.º de abril. No dia seguinte, Robbie recebeu a primeira comunhão. Bowdern sugeriu sabiamente que, por ser o primeiro sábado do mês, rezassem o Terço em honra de Nossa Senhora de Fátima.
Em 10 de abril, Domingo de Ramos, Robbie foi levado para o Hospital Alexian Brothers e internado na ala psiquiátrica. Isso proporcionou ao exorcista mais privacidade, mas também meios de lidar com o menino. Após o batismo, os demônios que possuíam Robbie tornaram-se mais violentos. À sua chegada, “o Irmão [reitor] Cornélio trouxe uma imagem de Nossa Senhora de Fátima e colocou-a no corredor principal ao rés do chão” [vi].
“Não irei até que uma certa palavra seja pronunciada”
Nas semanas seguintes, Bowdern e o padre assistente sofreram insultos indescritíveis, blasfêmias, linguagem suja e até violência dos demônios que possuíam o menino. A certa altura, Pe. Halloran quebrou o nariz quando Robbie o acertou com um golpe preciso de olhos fechados.
Durante todo o processo, Bowdern ponderou sobre algo que o diabo havia dito no início. “Eu não irei”, disse a voz gutural, “até que certa palavra seja pronunciada, e não permitirei que este menino a diga”.
Durante a Semana Santa, Pe. Bowdern tinha grandes esperanças de que Nosso Senhor pudesse libertar Robbie no dia de sua ressurreição gloriosa. No Sábado Santo, o Irmão Cornélio mandou trazer uma estátua de São Miguel para o quarto de Robbie e colocá-la no canto.
No entanto, o Domingo de Páscoa chegou e passou, mas na manhã seguinte algo realmente extraordinário aconteceu. Robbie acordou furioso, e a mesma voz rouca zombou dos padres. “Ele tem de dizer mais uma palavra, uma pequena palavra, quero dizer uma GRANDE palavra. Ele nunca vai dizer isso. Estou sempre nele. Posso não ter muito poder sempre, mas estou nele. Ele nunca dirá essa palavra” [vii].
Sempre que o espírito maligno se manifestava em Robbie, ele entrava no que parecia ser um ataque. A voz do menino nessas ocasiões se distinguia por seu tom cínico, áspero e diabólico. Ao longo do dia, Bowdern e seu assistente ouviam essa voz. Naquela noite, porém, algo mudou. Uma voz totalmente diferente veio de Robbie.
“Eu sou São Miguel e te ordeno”
Às 22h45min, Robbie ficou muito calmo e entrou em estado de transe, como de costume. No entanto, os que estavam na sala ficaram surpresos quando ouviram uma voz completamente diferente sair do menino. A voz não provocava medo e desgosto, mas confiança e esperança. Em tom claro e autoritário, disse um augusto personagem: “Satanás! Satanás! Eu sou São Miguel, e ordeno a vós, Satanás e outros espíritos malignos, que deixeis este corpo em nome de Dominus, imediatamente. Agora, AGORA, AGORA!” [viii]
Robbie então teve as convulsões mais violentas de todo o exorcismo. Finalmente se acalmou e disse aos que cercavam sua cama: “Ele se foi”.
Robbie explicou o que viu. São Miguel apareceu como um homem muito bonito de cabelos ondulados e esvoaçantes que sopravam na brisa, enquanto ele estava no meio de uma luz branca brilhante. “Na mão direita, ele segurava uma espada ondulada e ardente à sua frente. Com a mão esquerda apontou para um poço”. O menino descreveu como sentiu o calor sair, mas também viu o diabo resistir cinicamente a São Miguel.
O que aconteceu a seguir mostrou claramente que o diabo fora superado pelo aparecimento abrupto de seu inimigo angelical neste campo de batalha. São Miguel virou-se para Robbie, sorriu e então falou. No entanto, a única palavra que Robbie ouviu enquanto estava em transe foi a que seu algoz jurou que não permitiria que ele dissesse: Dominus. Com essa única palavra, Robbie estava finalmente livre.
Após esses eventos horríveis, Robbie passou a levar uma vida normal. Ele se casou e chamou seu primeiro filho de Miguel, em homenagem ao anjo guerreiro que veio em seu socorro em tempo de necessidade urgente.
Pe. William Bowdern permaneceu pároco de São Francisco Xavier até 1956. Embora possa parecer que sua vida também continuou como de costume, a verdade é outra. Parentes dizem que, até sua morte em 1983, aos 86 anos, esse heroico padre sofreu mental e fisicamente pelo que passou durante o exorcismo.
“Eu acredito, eu acredito”
Esta impressionante vitória de São Miguel sobre o diabo no caso de Robbie Mannheim é apenas a continuação de uma guerra que começou no início da Criação. O fato de que este episódio particular entre este anjo de luz e seu eterno inimigo tenha se centrado em uma palavra, Dominus, não surpreende. Na verdade, está ligado à mensagem de Fátima.
Em uma de suas aparições às três crianças, Nossa Senhora disse que, se a humanidade não se convertesse, a Rússia espalharia seus erros por todo o mundo. Um dos erros, na verdade o principal, é o igualitarismo, uma filosofia que rejeita qualquer superioridade. Referir-se a alguém, na verdade a qualquer um, como Dominus — latim para Senhor — é uma afronta ao espírito igualitário. Isso explica a alegria quase infantil demonstrada por São Miguel ao sorrir para Robbie antes de pronunciar categoricamente aquela palavra “detestável”. Ele reafirmou assim a superioridade de Deus e também seu poder sobre o inimigo do homem.
Nos 70 anos desde o exorcismo, a crença em Satanás — mesmo que seja uma versão hollywoodiana — realmente aumentou. Muito lamentavelmente, a crença em São Miguel e nos anjos que estão esperando para ajudar os fiéis diminuiu. Deve-se, portanto, meditar a extraordinária história da intercessão desse anjo guerreiro na vida de um menino indefeso e repetir as palavras do homem que deixou o cinema em 1973: “Eu acredito, eu acredito!”
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