Santo Inácio, glorioso fundador da Companhia de Jesus, defensor incansável da glória de Deus e da salvação das almas, era de origem nobre e natural de Loyola, na Espanha. O seu nascimento, em 1491, coincidiu com a grande revolução religiosa, abusivamente chamada de Reforma, que teve como autores os apóstatas Lutero e Calvino. Em Santo Inácio surgiu um dos mais intemeratos defensores da causa católica contra a seita protestante, apresentando-se como digno êmulo de Atanásio e Cirilo, os quais, por sua vez, com firmeza apostólica, combateram os erros dos arianos e nestorianos.
O talento de Inácio, bem como a elevada posição dos pais, proporcionaram ao menino excelente educação. Tendo alcançado a idade idônea, Inácio escolheu a carreira militar, que mais lhe coadunava com o gênio ardoroso e empreendedor, e mais garantia lhe dava de colher glórias de bravura no campo da honra.
Já em 1521 teve ocasião de dar provas de coragem. Achava-se Carlos V em guerra com Francisco I da França, seu competidor e visceral inimigo. A Inácio coube a defesa da cidade de Pamplona, sitiada pelos franceses. Nessa tarefa fez tudo quanto se pode esperar de um militar experimentado e destemido. Outros foram, porém, os planos da divina Providência. Ela permitiu que Inácio fosse ferido no joelho esquerdo, circunstância que o obrigou a retirar-se e desistir das operações militares. Os franceses apoderaram-se de Pamplona. Inácio foi levado ao Castelo de Loyola, onde adoeceu gravemente. No entanto, contra a esperança de todos, restabeleceu-se; Inácio atribuiu esta cura à intercessão de São Pedro, ao qual dedicava uma devoção particular.
Nos dias de convalescença pediu leituras que lhe atraíssem o espírito. Havia apenas dois livros: um tratava da vida de Cristo e outro da vida dos santos, obras que de modo algum lhe correspondiam ao gosto. Como não havia outro remédio, começou a lê-los; e tanto se aprofundou na leitura, que lhe resultou mudança completa no íntimo. Diante do espírito lhe surgiu, nítida, a resolução de seguir doravante a Jesus Cristo e trabalhar unicamente pela honra e glória de Deus.
Logo que se sentiu com forças, procurou Montserrat, célebre santuário de Nossa Senhora, onde recebeu, contrito, os sacramentos da Confissão e da Comunhão. Em sinal de renúncia a tudo que o ligava a este mundo, e à vida passada, depôs a armadura sobre o altar de Nossa Senhora e vestiu-se de roupas pobres e humildes. A noite toda permaneceu em oração, nos degraus do altar da Santíssima Virgem.
No dia seguinte dirigiu-se à cidade de Manresa, a quinze quilômetros de distância de Montserrat. Era dia da Anunciação de Nossa Senhora. Pediu entrada no hospital, onde, com muita dedicação, prestou serviços aos pobres doentes. Percebendo que com isso atraía a atenção e admiração de todos, retirou-se de Manresa para uma gruta situada nas adjacências da cidade, onde começou uma vida da mais austera penitência. Foi aí que compôs aquele livrinho admirável dos Exercícios Espirituais, geralmente considerado uma obra de inspiração divina e de extraordinária utilidade.
Terminado o retiro em Manresa, Inácio fez uma viagem à Terra Santa, com o intuito de trabalhar pela salvação das almas. Circunstâncias especiais, porém, aconselharam-no a voltar e começar o estudo das ciências. Na idade de 33 anos fez o curso de língua latina, em meio aos meninos da escola pública. Sem descansar, continuou os estudos, mais tarde em Paris, onde alcançou o grau de doutor.
A vida de Santo Inácio, durante o tempo de estudos, foi repleta de privações de todas as espécies. Não só o demônio o tentava com as mais cruéis e pertinazes sugestões, [como também] várias vezes foi perseguido pelas autoridades, que ora enxergavam nele um perigoso espião, ora o tinham por sedutor da mocidade. A divina Providência, porém, velava sobre seu eleito e defendia-o contra todos os inimigos.
Não satisfeito com os trabalhos pessoais pela salvação das almas, concebeu a ideia de chamar para sua Companhia homens animados pelos mesmos ideais. Em pouco tempo, achou nove companheiros, todos distintos pela virtude e pelo saber — entre estes, um, que se tornou o grande Apóstolo das Índias: São Francisco Xavier. No ano de 1534 este pequeno grupo se reuniu na Capela dos Mártires, em Montmartre (Paris). E após receberem a Santa Comunhão, todos se comprometeram, por um voto, a abandonar o mundo e ir a Jerusalém para trabalhar na conversão dos infiéis; caso, porém, fosse impossível empreender a viagem no decurso de um ano, ofereceriam seus serviços ao Santo Padre. A viagem de fato tornou-se irrealizável, por causa de uma guerra entre a Turquia e [a então República de] Veneza.
O Santo Padre recebeu com muita cordialidade os jovens professos e, tendo-se convencido de seu preparo intelectual e ascético, mandou-os a diversos lugares para exercer a nobre missão. Inácio ficou em Roma, onde desenvolveu uma grande atividade entre a juventude, explicando-lhe a doutrina cristã e convidando principalmente as crianças a receber frequentes vezes a Sagrada Comunhão. O resultado dessas pregações foi grandioso.
Foi nessa época que Inácio começou a ocupar-se com a ideia de fundar uma Ordem religiosa, cujo fim fosse, de todos os modos, trabalhar pela salvação das almas. Com o consentimento do Santo Padre, elaborou um regulamento que servisse de base à nova Ordem. Esta se fundou em 1540 e recebeu o nome de Companhia de Jesus. O Papa Paulo III aprovou a regra, que mais tarde teve a aprovação de outros Papas e do Concílio de Trento. Os membros da Companhia elegeram Inácio primeiro superior-geral, dignidade que o santo aceitou só por obediência.
Inácio fixou residência em Roma, de onde mandou seus companheiros a diversas cidades e países, depois de dar-lhes as instruções necessárias sobre como deviam portar-se no meio do mundo. Recomendava a todos a prática da abnegação pessoal, segundo o exemplo de Cristo, que diz: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo e siga-me” (Lc 9, 23).
A fama do espírito apostólico dos religiosos da Companhia de Jesus espalhou-se logo pelos países católicos. Reis e soberanos pediram a Santo Inácio que lhes mandasse padres, a fim de dirigir colégios e fazer pregações. Um dos primeiros que formulou tal pedido foi o Rei de Portugal, João III. Em vez dos sete religiosos que tinha requisitado, Inácio enviou-lhe apenas dois, Simão Rodrigues e São Francisco Xavier, que mais tarde se tornou o Apóstolo das Índias.
Enquanto os companheiros trabalhavam em Portugal e nas Índias, Inácio desenvolveu uma atividade incansável em Roma. O mundo era estreito demais para seu zelo, dizia o Papa Gregório XV. “Se pudesse morrer mil vezes por dia, de boa vontade mil vezes sofreria mil agonias, se com isto pudesse salvar uma só alma”. Estas palavras do santo caracterizam-lhe o espírito de missionário.
Não havia classe ou categoria de gente, à qual não se estendesse a sua atividade e o seu interesse apostólico. Sendo superior-geral da Companhia, não deixou de instruir as crianças nas verdades da fé. Abriu escolas de frequência gratuita para moços, onde estes pudessem receber instrução nas ciências e na religião. Dois orfanatos em Roma devem sua fundação e organização a Santo Inácio. Fundou um convento sob a invocação de Santa Catarina, com o fim de dar abrigo a moças cuja virtude corresse perigo em meio às seduções do mundo. Um outro asilo era destinado a pessoas que, tendo abandonado uma vida de pecado, procurassem abrigo contra as tentações e para fazer penitência. Só de Deus são conhecidas as conversões realizadas por intermédio de Santo Inácio, e só Deus foi testemunha do bem imenso feito por seu servo aos fiéis daquele tempo. Seu zelo se estendia até mesmo à obra da conversão dos judeus. Esses esforços tiveram a bênção de Deus, tanto que, no decurso de um ano, administrou o santo Batismo a quarenta israelitas.
Embora espanhol de origem, Santo Inácio mostrava grande interesse pela Alemanha, que se encontrava profundamente abalada pelo movimento revolucionário da famosa “Reforma”, movimento que atirou o pomo da discórdia àquela nação. Ele mesmo ofereceu a Deus muitas orações, penitências e santas Missas, para afastar daquele país o flagelo da heresia. E fez mais: ordenou aos sacerdotes da Companhia que celebrassem a cada mês uma Missa pela conservação da fé católica na Alemanha.
Com grandes dificuldades fundou em Roma o Colégio Germânico, para proporcionar a jovens alemães o estudo da teologia. Esta fundação inaciana existe ainda hoje. Chemnitz, um dos discípulos de Lutero, afirma que, se a Companhia de Jesus não tivesse feito outra coisa senão fundar o Colégio Germânico, só por este motivo mereceria o título de destruidora da religião protestante.
Chegou a tal ponto o interesse de Inácio pela salvação da Igreja na Alemanha, que mandou missionários a Colônia, Mogúncia e outras cidades, com a ordem de combater a heresia e confortar os católicos. Melâncton, amigo e auxiliar de Lutero, confessou que a atividade desses homens atrapalhou muito a propaganda evangélica. Com a notícia da chegada de novos missionários, impressionou-se de tal modo que exclamou: “Ai! Ai! Que será do novo evangelho? O mundo está cheio de jesuítas!”
É de se admirar, pois, que a nova Ordem se visse logo rodeada de inimigos? E que, mais do que qualquer outra, sofresse a mais atroz das perseguições?
Estimadíssima na Igreja Católica é a Companhia de Jesus, a Ordem até hoje mais caluniada e odiada pelos inimigos de Cristo. Parece que Inácio teve de Deus uma revelação a este respeito, pois muitas vezes disse a seus filhos espirituais que a Companhia teria a ventura de ser perseguida pelos inimigos de Cristo e de sua Santa Igreja. Não podia ser de outro modo, porque Cristo disse: “Se eles perseguiram a mim, também vos hão de perseguir” (Jo 15, 20).
Apesar de tudo, a nova Ordem se desenvolveu extraordinariamente. Santo Inácio ainda viu seus religiosos em todas as partes do mundo. Dividida em 12 províncias, a Ordem possuía mais de cem colégios e residências. Inácio ainda teve notícia da conversão de povos inteiros à religião católica, soube dos feitos maravilhosos de São Francisco Xavier nas Índias e do martírio de vários jesuítas que sacrificaram a vida em defesa da doutrina que pregavam. Sobejos motivos tinha para reconhecer na sua fundação a obra de Deus, e esta convicção era uma das maiores satisfações do santo homem.
Tão ardente desejo tinha de ver Deus amado e adorado por todos, que frequentemente se ouvia sair de sua boca as seguintes palavras: “Ó meu Deus! Fazei que todos os homens vos conheçam e vos amem!” Não obstante, crescia-lhe no coração o desejo de estar unido a Ele. Seus olhos enchiam-se de lágrimas quando pensava no Céu, e muitas vezes exclamava: “Que tédio experimento do mundo, quando olho para o Céu!”
Em orações contínuas pedia a Deus que o tirasse deste mundo, e essa oração foi ouvida. Uma febre, que pelos médicos foi qualificada de nenhuma importância, trouxe-lhe o cumprimento do desejo. Sentindo a chegada da morte, recebeu os santos sacramentos e pediu ao Santo Padre a benção com a indulgência plenária. A noite que lhe precedeu o trânsito, passou-a em êxtase ininterrupto. Antes de exalar o último suspiro, levantou as mãos ao céu e pronunciou os santíssimos nomes de Jesus e Maria. Morreu aos 31 de julho de 1556, na idade de 65 anos.
O Papa Gregório XV, em 1622, inscreveu-o no número dos santos. A Companhia de Jesus, obra principal de Santo Inácio, existe ainda hoje e são incalculáveis as bênçãos que trouxe à Igreja.
Reflexões
Na vida de Santo Inácio há muita coisa que nos pode servir de estímulo e edificação. Vejamos alguns pontos apenas:
1. A conversão e santificação de Santo Inácio foi resultado da leitura de livros religiosos. Grande é o bem que produz um bom livro, assim como incalculáveis são as consequências de um mau. A perdição de muita gente teve início com a leitura de uma obra perversa. Muitos outros se conservaram bons, ou voltaram ao bom caminho, devido à influência benéfica de uma boa leitura. Tire disso uma conclusão e formule bons propósitos.
2. Só um interesse inspirou a vida de Santo Inácio: o da glória de Deus e da salvação das almas. A este interesse sacrificou e subordinou tudo. É próprio dos santos fazer sempre e em tudo o que Deus quer, colocando em segundo plano os próprios interesses. Fazer só o indispensavelmente necessário, com algum cuidado de evitar o pecado mortal, é característico dos tíbios. O mais perfeito é sempre procurar o agrado de Deus e dirigir todos os atos à glória dele e à salvação da própria alma.
3. Santo Inácio era chamado homem do colóquio espiritual e dos olhos fixos no Céu. É claro: do que o coração está cheio, a boca transborda. Os olhos procuram o que mais lhes agrada. De que natureza são as suas conversas? Qual é o objeto de seu amor, de suas aspirações? A que coisas mais estão presos os seus pensamentos?
4. Santo Inácio dizia com frequência: “Vence-te a ti próprio!” A vida do servo de Deus, desde o tempo da conversão, foi a fiel interpretação deste lema. Vencendo-se a si mesmo, tornou-se um grande santo. “Vencer-se a si próprio” deve ser o programa de todos que pretendem chegar à perfeição. O mundo é um vale de lágrimas e misérias, porque o primeiro homem não soube vencer-se. O Inferno está cheio de homens que não souberam vencer-se. O Céu transborda de santos que devem a sua glória ao contínuo combate que sustentaram contra a natureza. — Vença-se a si próprio e você terá garantida a salvação. “Não há outro caminho para a santidade senão o da abnegação e da mortificação. Anima-te, pois! Começa resolutamente! Uma única mortificação feita com decisão é mais agradável a Deus que praticar muitas boas obras” (Santo Inácio).
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