No final de 2020, divulgaram-se novas descobertas arqueológicas próximas ao local da cidade bíblica de Cesareia de Filipe [i]. Conta-se que arqueólogos encontraram uma antiga igreja cristã, construída ao que parece sobre os vestígios de um templo pagão dedicado ao deus grego Pã.
Na Antiguidade clássica, o principal templo consagrado a ele ficava ao pé do monte Hermon [na Galauntide superior, a cerca de 45 km da margem setentrional do lago de Tiberíades], na região de Cesareia Pânias [hoje Banias], ou também Cesareia de Filipe, como lhe chama a Sagrada Escritura. Foi lá, num penhasco acima da cidade, que se ergueram templos a Pã.
Na base do penhasco havia uma caverna com água nascente em abundância. Segundo os adoradores de Pã, essas águas levavam a outra caverna, que seria a porta de entrada do submundo usada todos os anos pelos deuses da fertilidade. O lugar, centro do culto a Pã na região, era conhecido como Portas do Inferno. Não surpreende que o local e a cidade vizinha de Cesareia de Filipe tenham-se tornado famosos pela prostituição e outras práticas depravadas, relacionadas sem dúvida ao culto ali praticado.
Originalmente uma deidade arcádica, Pã era um deus grego da fertilidade cujo nome é uma contração dórica de paon (“pastor”). Na Antiguidade, a etimologia mais comum do nome o associava a πᾶν (pan) [= “todo”, nominativo singular neutro de πᾶς]. Na mitologia, Pã era filho de Hermes, neto de Zeus, rei dos deuses. Hoje, para muitos de nós, a aparência de Pã (metade homem, metade cabra) tem mais de diabólica que de divina. Tampouco surpreende que, entre outras coisas, Pã fosse conhecido como causa de medo repentino ou infundado, sentido particularmente por viajantes em lugares remotos. Daí vem, aliás, a palavra “pânico”, à qual podemos relacionar outra, mais pertinente à nossa época: “pandemia”.
Uma consulta ao Oxford Companion to Classical Literature leva-nos a um verbete intrigante que relata um evento histórico ocorrido exatamente quando a contagem do tempo passou de a.C. (antes de Cristo) para d.C. (depois de Cristo). O historiador Plutarco fala de um barco de passageiros guiado ao longo da costa das ilhas gregas de Paxos, durante o reino de Tibério (14–37 d.C.). De repente, ouviu-se um grito: a voz anunciava que o grande deus Pã estava morto. O fenômeno foi tão perturbador e estranho, que os rumores chegaram a Roma. O imperador ordenou uma investigação. Ao fim e ao cabo, não se chegou a nenhuma conclusão satisfatória. Mais tarde, varreu-se discretamente o assunto para baixo do tapete.
Em O Homem Eterno, G. K. Chesterton escreveu sobre a misteriosa “voz”: “Em certo sentido, dizem que Pã morreu porque Cristo nasceu; em outro, também se pode dizer que Cristo nasceu porque Pã já estava morto. Criou-se no mundo um vazio com a desaparição de toda a mitologia humana, e os homens teriam se asfixiado nesse vácuo se a teologia não viesse preenchê-lo”.
Na época de Tibério, quando a voz (celestial?) declarou a morte de Pã, outra fez uma pergunta nos arredores do templo da defunta divindade: “No dizer do povo, quem é o Filho de Homem?” Pedro, o primeiro entre aqueles a quem se dirigia a pergunta, respondeu que o autor dela era o Cristo, o Filho do Deus vivo. Foi apenas coincidência que a pergunta e a resposta tenham ressoado contra os muros de um dos templos mais importantes dedicados a uma divindade pagã — Pã, suposto arauto dos deuses?
Naquele dia, Pedro proclamou a verdade de que os falsos deuses não tinham mais autoridade, suplantada agora pelo reino do verdadeiro Deus encarnado. O anúncio não provocou pânico nem medo; ao contrário, deu boas-vindas ao reino do Príncipe da Paz e mostrou que contra ele nem as Portas do Inferno poderão prevalecer.
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