A tradição da Igreja Católica sempre proibiu a contracepção. Hoje estamos praticamente sozinhos nesse campo. Porém, numa perspectiva histórica, todos os grupos cristãos se opuseram totalmente à contracepção até que, em 1930, os anglicanos decidiram permiti-la em “casos difíceis” (infelizmente, como é familiar esse raciocínio!).

Muitas vezes as pessoas pensam que o raciocínio católico que fundamenta a proibição deriva de uma espécie de motivação puritana, contrária ao sexo e ao prazer. Supostamente, a Igreja Católica não “gosta” de sexo, e por isso exige que sacerdotes e freiras sejam celibatários, além de procurar tirar o máximo de prazer possível do maravilhoso dom da sexualidade. Isso é falso, mas por ora basta dizer que os argumentos bíblicos relevantes foram usados também pelos protestantes e se sustentam sozinhos

Talvez o fundamento bíblico seja visto com mais clareza na passagem que fala do pecado de Onã (Gn 38, 9s, trad. Pe. Matos Soares): “Ele, porém, sabendo que os filhos que nascessem não seriam seus, quando se juntava com a mulher de seu irmão, impedia que ela concebesse (na Vulgata: semen fundebat in terram, lit.: derramava o sêmen na terra) a fim de que não nascessem filhos em nome de seu irmão. Por isso, o Senhor o feriu de morte, porque fazia uma coisa detestável.”

Os pais de Onã, “Judá e Tamar”, por Aert de Gelder.

O raciocínio usado com frequência para superar a força da passagem é a afirmação de que Onã foi punido por Deus (com a morte) por desobedecer à “lei do levirato”, segundo a qual o irmão de um marido falecido tinha de desposar sua cunhada e ter filhos com ela: “Se alguns irmãos habitarem juntos, e um deles morrer sem deixar filhos, a mulher do defunto não se casará fora com um estranho: seu cunhado a desposará e se aproximará dela, observando o costume do levirato” (cf. Dt 25, 5; cf. 25, 6-10).

Mas isso não se aplica a esse caso (e a nenhum outro), porque a lei permite que o irmão se recuse, e recomenda que, se assim o fizer, sofra apenas humilhação pública. Portanto, vemos em Dt 25, 9 que uma cunhada rejeitada nessas circunstâncias deveria “cuspir na cara dele”, mas sem menção alguma à ira de Deus, muito menos à pena de morte.

Além disso, a passagem que contém o ensinamento sobre a lei do levirato (cf. Dt 25, 5-10) vem diretamente de Deus, como parte da Aliança e da Lei recebidas por Moisés no Monte Sinai, e é proclamada a todos de Israel (cf. Dt 5, 1-5; 29, 1.12). Deus não disse (no local em que isso deveria ser mencionado, se fosse verdade) que a punição para a desobediência à lei do levirato era a morte. 

Se a mera recusa não dava razões para ser morto por Deus ou por uma pena capital estabelecida, então algo no modo como Onã se recusou deve ter sido a causa. Foi o “coito interrompido”, uma forma de contracepção (provavelmente uma das mais usadas ao longo da história, por não precisar de dispositivos ou medicamentos). Portanto, Onã foi morto por fazer isso, o que significa, por sua vez (podemos concluir sensatamente!), que Deus não aprovou a prática

A própria lei do levirato confirma o ponto central em que se baseia a objeção moral à contracepção: o mal da separação entre sexo e procriação. É justamente pelo fato de a procriação ser a finalidade primeira do matrimônio que a lei do levirato foi promulgada. As pessoas casadas tinham de manter relações sexuais, que se ordenavam (principalmente) à procriação. 

Se o marido morresse sem deixar filhos, era tão importante preservar seu nome com filhos que Deus determinou que o irmão do falecido deveria se casar com a cunhada após a morte dele. Mas Onã tentou separar o sexo da procriação. Ele queria todo o prazer, mas não a responsabilidade de perpetuar a família de seu irmão. Ele tinha a “mentalidade contraceptiva” , tão generalizada hoje, mesmo (infelizmente) entre cristãos comprometidos que são tradicionais sob outros aspectos.

O Pe. Brian Harrison escreveu em novembro de 1996 um excelente artigo, intitulado The Sin of Onan Revisited [“O pecado de Onã revisitado”], no qual analisou essa passagem com uma profundidade exegética muito maior e a incorporação das referências pertinentes. Ele afirma: 

Se a simples recusa a dar descendentes legais a seu falecido irmão tivesse sido, de acordo com Gn 38, a única ofensa de Onã, seria improvável que o texto mencionasse os grosseiros detalhes físicos de seu ato contraceptivo (cf. v. 9). A delicadeza e a modéstia com que os antigos hebreus se referiam à atividade sexual honesta nos ajudam a perceber isso. Como bem sabemos, a Sagrada Escritura só menciona a relação sexual lícita (entre casados) de forma oblíqua: “ir” à própria esposa (isto é, entrar em sua tenda ou quarto: cf. v. 8s da passagem citada acima, bem como Gn 6, 4; 2Sm 16, 22; 1Cr 23, 7) ou “conhecer” a esposa (Gn 4, 17; Lc 1, 34). Quando a linguagem se torna um pouco mais explícita (“deitar-se com” alguém, ou “desvelar sua nudez”) a referência é, sem exceção, a atos pecaminosos e vergonhosos. E, além do versículo que estamos analisando, a única menção completamente explícita que a Bíblia faz a um ato genital (à emissão voluntária de sêmen) ocorre em um contexto profético e alegórico, no qual a infidelidade de Israel a Javé é denunciada de modo fulminante, em termos da luxúria vergonhosa de uma prostituta (cf. Ez 23, 20).

O caráter maligno da contracepção vem de sua separação voluntária e artificial daquilo que Deus quis que estivesse unido. Ela viola a lei natural. Onã tentou o “meio termo” (e o “meio moderno”) para ter uma relação sexual intencionalmente separada da procriação. Foi esse o pecado, razão por que Deus o matou.

Obviamente, hoje Deus não castiga nem julga imediatamente desse modo (talvez apenas em casos muito raros), mas o objetivo no Antigo Testamento era deixar claro o que era o certo e o errado, assim como punir o mal com rapidez e firmeza. Portanto, aprendemos com essa passagem que a contracepção é gravemente pecaminosa e proibida; e esse princípio geral da moralidade e da ética não mudou em nada após a chegada da Nova Aliança e do cristianismo.

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TN
Tulio Nogueira
19 Abr 2024

Vou ter que viver com minha mulher como se fosse minha amiga então, pois já temos três filhos. 

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DS
Dayane Simi
1 Dez 2023

Padre, sua bênção. não consigo fazer o método natural para espaçar gestações. Estamos no terceiro filho e meu marido não quer que eu faça o método pois todas as vzs que tentei aprender logo engravidei no primeiro mês. E só conseguimos espaçar com o coito interrompido. Mesmo neste caso é um pecado mortal?

Estou com dificuldade de aceitar isso já que é o único método que nos ajudou espaçar. Por motivos físicos, tenho 3 cesáreas, e tbm emocionais eu não posso engravidar agora, em seguida, e por motivos financeiros meu marido não quer de maneira alguma uma gravidez agora. Não sei oque fazer. Estou impedida de comungar. Estou muito triste pois mesmo vivendo no matrimônio estou me pecado. 

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