Nesta matéria, vamos falar de uma das principais causas da indiferença religiosa que existe hoje no mundo. Trata-se dos chamados “casamentos mistos”.

Um aluno envia-nos uma pergunta a esse respeito, manifestando dúvidas sobre como seria o casamento de um católico, por exemplo, com uma protestante, e quais são as recomendações e ressalvas da Igreja quanto a isso.

Por uma questão de clareza, diferenciemos antes entre “casamento misto” (entre um católico e um batizado não católico) e “casamento com disparidade de culto” (entre um católico e alguém que sequer foi batizado). Embora as consequências de tais situações sejam muito parecidas na prática, canonicamente se trata de coisas diversas.

Respondamos à questão com aquilo que a Igreja sempre ensinou a esse propósito. Para tanto, vamos nos servir de algumas manifestações mais antigas do Magistério, a fim de que todos entendam como a doutrina católica é uma rocha firme, e não um punhado de grãos de areia “batidos pelas ondas e levados por qualquer vento de doutrina” (Ef 4, 14).

Esclareçamos desde já o porquê das palavras duras e enérgicas que serão lidas mais adiante. Trata-se de conselhos paternos, necessários sobretudo para as pessoas que estão ainda na fase de namoro e talvez estejam “apaixonadas” por alguém de outra religião, seja ele cristão ou não. (Para quem já se encontra casado nesta situação, a conversa é evidentemente diferente.)

Como palavras de um pai, são palavras graves, sim, mas isso porque são igualmente graves as consequências de se entrar em um arranjo familiar como esse. De fato, é por ter em vista os grandes prejuízos dessa forma de relacionamento que a Igreja usava essa linguagem dura (não muito diferente da que vai nos próprios Evangelhos), tentando dissuadir os católicos, que receberam o dom precioso da fé no dia do Batismo, de colocarem em risco a salvação de suas almas, contraindo matrimônio — uma responsabilidade tão séria e, lembremo-nos, por toda a vida — com alguém que não ama e não odeia as mesmas coisas que eles.

Ouçamos em primeiro lugar o Papa Bento XIV, no ano de 1741:

No que se refere àqueles matrimônios que são contraídos por católicos com hereges, seja que um homem católico espose uma mulher herege, seja que uma mulher católica espose um homem herege: Sua Santidade, antes de tudo grandemente amargurado pelo fato de haver católicos que, torpemente enlouquecidos por um amor doentio, não fogem de toda a alma desses matrimônios detestáveis, que a santa mãe Igreja sempre tem condenado e proibido, e não acham que devem absolutamente se abster, exorta e admoesta [os pastores de almas] de modo sério e grave para que, na medida do possível, afastem os católicos de ambos os sexos de contrair semelhantes matrimônios para ruína das próprias almas e façam de tudo para obstaculizar da melhor maneira tais núpcias e impedi-las de modo eficaz.” [1]

Ouçamos também o Papa Leão XIII, na encíclica “Arcanum”, de 1880:

Deve-se ter o cuidado de não se desejar com facilidade o casamento com pessoas que não pertencem à Igreja Católica, pois dificilmente pode-se esperar que os ânimos discordes sobre a religião consigam a concórdia em tudo o mais. E que se devam evitar esses casamentos entende-se especialmente disso: (i) impedem a participação comum às coisas sagradas, (ii) criam perigo para a religião do cônjuge católico, (iii) impedem uma boa educação dos filhos e muitas vezes (iv) levam os ânimos a ter na mesma estima todas as religiões, tirando toda diferença entre o falso e o verdadeiro.” [2]

Por fim, ouçamos o Papa Pio XI, na encíclica “Casti Connubii”, de 1930:

Muito faltam neste ponto e, por vezes, pondo em perigo a própria salvação eterna, os que temerariamente contraem matrimônio misto, do qual a providência e o amor materno da Igreja afastam os fiéis por gravíssimas razões [...]. E se a Igreja, por vezes, em virtude das circunstâncias dos tempos, das coisas e das pessoas, é levada a conceder a dispensa destas severas disposições [...], só muito dificilmente é que o cônjuge católico não recebe qualquer dano de tal matrimônio. De fato, dele deriva, não raro, uma triste defecção da religião nos descendentes, ou, pelo menos, a queda fácil naquela negligência religiosa que se chama indiferença, tão vizinha da incredulidade e da impiedade. Acresce ainda que, nos matrimônios mistos, se torna muito mais difícil aquela viva união dos espíritos, que deve imitar o mistério [...] da inefável união da Igreja com Cristo. [3]

Antes de qualquer coisa, portanto, tiremos de nossas cabeças a mentalidade do “tanto faz, como se não houvesse nenhum problema em se casar com pessoas mundanas e sem fé católica. Se a Igreja possui uma orientação a respeito desse tema, investiguemos-lhe as razões.

Por que a mesma religião?

Partamos do que diz Leão XIII, e que facilmente podemos comprovar no dia a dia de nossas vidas: “Dificilmente pode-se esperar que os ânimos discordes sobre a religião consigam a concórdia em tudo o mais”. Ou seja, não é possível haver verdadeira amizade — e, mais do que isso, verdadeira “união dos espíritos”, como deve acontecer no casamento — sem que haja, em primeiro lugar, uma comunhão na fé e nos princípios católicos.

O primeiro ponto é enxergar, pois, com toda clareza, que papel tem a religião na sua vida. Se a fé católica é o seu “amuleto”; se Deus não passa de uma coisa superficial e acessória para você, à qual só de vez em quando vale a pena recorrer, você nunca será capaz de entender o que esses Papas estão querendo dizer.

Se, ao contrário, você vê na Igreja Católica — como deveriam ver todos os batizados — a “Mãe e Mestra da Verdade”, como cantamos no Hino Pontifício; o instrumento que o próprio Jesus Cristo instituiu e deixou no mundo para salvar a humanidade, você entende facilmente que a religião não pode ser algo marginal e de pouca importância na vida de um católico, mas, sim, uma realidade que compromete e transforma toda a sua vida.

Assim sendo, um católico que procura sua esposa na Igreja Católica não está fazendo mais do que subordinar aos seus afetos meramente naturais o afeto sobrenatural devido a Deus e à religião que Ele mesmo instituiu. Não sem razão o Papa Bento XIV usa acima a expressão “torpemente enlouquecidos por um amor doentio”, que é dura, sim, mas que pode ser uma luz para muitas pessoas. Quantos, de fato, não são os que entram em um negócio visivelmente fadado ao fracasso — pois pessoas boas e prudentes já as aconselharam — e, mesmo assim, movidos por um sentimento irracional, terminam “se amarrando” por toda a vida?

Falando de modo mais concreto, os problemas dos casamentos mistos, ou mesmo com disparidade de culto, são brevemente resumidos abaixo por Leão XIII — e quem quer que tenha entrado nesta “empresa” pode dar o seu testemunho de que, salvo exceções, é assim mesmo que as coisas acontecem. Esses relacionamentos:

  1. “impedem a participação comum nas coisas sagradas,
  2. criam perigo para a religião do cônjuge católico,
  3. impedem uma boa educação dos filhos e
  4. muitas vezes levam os ânimos a ter na mesma estima todas as religiões, tirando toda diferença entre o falso e o verdadeiro”.

E não é justamente o que vemos hoje em nossas igrejas? Famílias separadas, filhos que não seguem a religião dos pais, e até pior, pessoas que acham que “tanto faz” pertencer a esta ou aquela religião, desde que se “seja bom” — como se pudéssemos ser bons sem a graça de Deus, que vem a nós pela fé e os sacramentos. Todo esse quadro deve-se em grande parte aos maus casamentos e às famílias despedaçadas pela desunião principalmente em matéria religiosa.

Desfazendo mal-entendidos

Alguém nos interpelará dizendo que “as pessoas podem mudar”, e nós responderemos que sim, é verdade, a graça de Deus pode operar verdadeiros milagres dentro das famílias, principalmente quando seus membros se entregam à oração e à penitência uns pelos outros. Isso é inegável e nós recebemos testemunhos todos os dias dessa verdade. Mas a experiência demonstra também que, em nossa condição decaída, é muito mais fácil que um cônjuge mundano arraste consigo o outro que vai à Igreja do que o contrário.

Alguém poderia perguntar ainda se, após o Concílio Vaticano II, a Igreja não teria mudado seu parecer a esse respeito, aceitando mais facilmente esses relacionamentos. Quanto a isso, é importante desfazer aqui um mal-entendido muito comum: o de que, nas coisas de Deus, “o que valia ontem não vale mais hoje e pode até mudar por completo amanhã”. Mudanças acidentais podem acontecer, é claro — como o Código de Direito Canônico, que efetivamente mudou, trazendo novos cânones sobre os casamentos mistos —, mas a sabedoria da Igreja tem uma linha de continuidade que não pode ser simplesmente rompida.

Veja-se, por exemplo, como o Catecismo da Igreja Católica, ainda que com palavras mais suaves, continua a ensinar a mesmíssima coisa que os Papas Leão XIII e Pio XI ensinaram:

“A diferença de confissão entre os cônjuges não constitui obstáculo insuperável para o casamento, desde que consigam pôr em comum o que cada um deles recebeu em sua comunidade e aprender um do outro o modo de viver sua fidelidade a Cristo. Mas nem por isso devem ser subestimadas as dificuldades dos casamentos mistos. Elas se devem ao fato de que a separação dos cristãos é uma questão ainda não resolvida. Os esposos correm o risco de sentir o drama da desunião dos cristãos no seio do próprio lar. A disparidade de culto pode agravar ainda mais essas dificuldades. As divergências concernentes à fé, à própria concepção do casamento, como também mentalidades religiosas diferentes, podem constituir uma fonte de tensões no casamento, principalmente no que tange à educação dos filhos. Uma tentação pode então apresentar-se: a indiferença religiosa.” [4]

Assim, seja com a linguagem pastoral mais firme de outros tempos, seja com a linguagem mais branda de agora, ouçamos o “cave” da Igreja: não se devem subestimar as dificuldades dos casamentos mistos. Quem já está decidido a entrar em um matrimônio desse tipo e deseja apenas conhecer os trâmites canônicos para tanto, basta consultar os cânones 1124 a 1129 do Código de Direito Canônico, aqui. Mas, para quem ainda está namorando ou pensando em fazê-lo, talvez seja melhor pensar — e rezar — um pouco mais sobre o assunto.

Referências

  1. Papa Bento XIV, Declaração “Matrimonia quae in locis”, 4 nov. 1741: DH 2518.
  2. Papa Leão XIII, Carta Encíclica “Arcanum”, 10 fev. 1880, n. 68.
  3. Papa Pio XI, Carta Encíclica “Casti Connubii”, 31 dez. 1930, n. 82-83.
  4. Catecismo da Igreja Católica, §1634.

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