Desde a Queda, homens e mulheres ficaram aprisionados numa disputa por poder. Em lugar da norma da humildade e da caridade, criada por Deus, Adão e Eva escolheram a soberba e a rebelião contra o Criador e a revolta de um contra o outro. A soberba gera disputa de poder, porque só pode ser satisfeita com a ampliação deste através da realização da própria vontade. É o non serviam de Satanás. Assim, antes da vinda de Cristo, o Profeta clamou: “Senhor, estabelece sobre elas um legislador, para que os povos conheçam que são homens [miseráveis]” (Sl 9, 21).
Nosso Senhor estabeleceu uma nova criação quando veio ao mundo. Ele se tornou o novo Adão, e Maria a nova Eva. Nossa Senhora e Nosso Senhor não foram maculados pela ânsia de poder, pois não tinham o pecado original. Em vez de ser desobediente como Eva por orgulho, Maria se anulou por humildade: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). Não se deixando vencer em humildade, Cristo “aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo” (Fl 2, 7). Na nova criação, a disputa de poder se transformou na luta para alcançar a humildade. Essa foi a “competição” da qual participaram os santos e cujo prêmio eles ganharam.
Maria e a autoridade viva de Cristo. — Cristo tornou definitiva no mundo a luta pela humildade precisamente por ter nascido de uma mulher, a fim de estabelecer um exemplo tangível de humildade, associando-o a uma autoridade viva. Deus se deu a conhecer não apenas como uma ideia abstrata ou uma realidade transcendental — algo que no cotidiano poderia ser destituído de toda autoridade verdadeira e viva pela disputa do poder e do orgulho. Em vez disso, Deus nos foi apresentado por meio de Maria a fim de que nos humilhássemos perante uma autoridade viva. São John Henry Newman fala dessa realidade (o contexto era o dos protestantes liberais de sua época):
O mundo aceita o fato de que Deus seja homem; esse reconhecimento lhe custa pouco, pois Deus está em todo lugar e é tudo (como o mundo pode dizer). Porém, reluta em confessar que Deus é o Filho de Maria. Essa relutância ocorre porque o mundo é imediatamente confrontado com um fato grave, que viola e abala sua própria descrença; a doutrina revelada assume sua verdadeira forma imediatamente e adquire uma realidade histórica; o Todo-poderoso é introduzido em seu próprio mundo numa determinada época e de um modo definido. Sonhos são interrompidos e sombras desaparecem; a verdade divina já não é uma expressão poética, um exagero devocional, uma economia mística ou uma representação mítica. “Não quiseste sacrifício nem oblação”, as sombras da Lei, “mas me formaste um corpo” [1].
Os hereges odeiam Maria porque é através dela que Cristo confronta pessoalmente suas opiniões arrogantes. A Encarnação fez com que Cristo se tornasse presente nos clérigos e na hierarquia da Igreja, responsável pela transmissão da Sagrada Tradição e à qual o herege jamais se submeterá. Por isso, as heresias do primeiro milênio procuraram atacar a Encarnação em Maria a fim de remover a autoridade viva e fundamental de Cristo em sua Igreja. A disputa de poder conduzida pelos hereges foi sempre combatida e derrotada por meio da luta pela humildade, enraizada na devoção à Tradição e à autoridade viva da Igreja, que se manifestou primeiro em Cristo e Maria.
Infelizmente, a igreja assíria, as igrejas orientais e as ortodoxas se separaram uma a uma da Igreja Católica por causa de muitos fatores, particularmente a disputa de poder. No entanto, como ainda preservam alguma reverência por Maria, permaneceu intacta a estrutura fundamental da autoridade viva na figura do bispo. A postura de humildade perante uma autoridade humana na pessoa de Maria ajudou a preservar essa mesma postura em relação ao bispo. Isso também salvaguardou a glória da feminilidade para as mulheres pertencentes às referidas igrejas, pois ainda lhes era possível ascender ao “trono verdadeiramente régio” bem como tornar-se virgens consagradas. “Mas”, continua Newman:
[...] quando [os espíritos maus] vieram novamente dos reinos das trevas e tramaram a completa ruína da fé cristã no século XVI, não conseguiram encontrar meio mais certeiro para atingir seu odioso propósito do que o insulto e a blasfêmia contra as prerrogativas de Maria, pois sabiam muito bem que, se conseguissem fazer o mundo desonrar a Mãe, se seguiria a desonra do Filho. Tanto a Igreja como Satanás sabiam que Filho e Mãe não podiam ser separados, e a experiência de três séculos confirmou seu testemunho, pois os católicos que honraram a Mãe ainda cultuam o Filho, ao passo que os protestantes, que deixaram de confessar o Filho, começaram zombando da Mãe [2].
Aqui, Newman entende corretamente a relação entre a depreciação de Maria e os movimentos progressistas modernos de sua época, que também incluíam o feminismo e o marxismo, como veremos. Ao eliminar da vida cristã o culto a Maria, os protestantes conseguiram reintroduzir a disputa de poder no coração de cada família e de cada alma cristã. Ao eliminar Maria como canal da Encarnação, puderam remover a autoridade viva da Igreja e de Cristo, algo que levaria diretamente à completa eliminação da autoridade de Cristo Rei em toda a sociedade.
A degradação das mulheres pelos protestantes. — O protestantismo foi, por meio de suas doutrinas fundamentais, uma tentativa de santificar a disputa de poder. Na vida cristã, tudo foi submetido a essa disputa. Assim, o culto à Virgem foi considerado uma disputa com Deus; o poder do sacerdote, uma competição com o sacerdócio do povo; e a autoridade da Igreja, uma disputa com os fiéis.
Como a soberba vê no poder “a” fonte da dignidade, qualquer poder que não seja igualitário — portanto, qualquer tipo de hierarquia — é considerado um rival injusto.
A resposta protestante a essa suposta injustiça foi uma revolução constante cujo objetivo era tirar poder do “opressor injusto”. Em lugar do esforço para alcançar a humildade no seio da hierarquia conjugal, eclesial e estatal, os protestantes consideraram a rebelião (o orgulho) uma virtude. Porém, a depreciação da Mãe de Deus provocou diretamente a depreciação das mulheres. Assim como a exaltação de Maria deu origem à glória feminina em seu “trono verdadeiramente régio”, a remoção de Maria provocou a supressão do dever de honrar as mulheres.
O prestígio da mulher sofreu um revés incalculável com a abolição da veneração à Mãe de Deus e do culto prestado a ela, ambos levados a cabo pelo protestantismo. Com o desaparecimento da vida conventual, as mulheres deixaram de ter um status reconhecido na vida social fora do matrimônio, algo que lhes fora dado anteriormente pela vida religiosa [...]. Tão-logo foi suprimida a autoridade da Igreja, a postura do marido em relação à mulher tendeu a retornar ao ideal pagão do mestre e do dono em lugar de um afetuoso amigo, companheiro e protetor. Evidências claras da triste deterioração do prestígio da mulher podem ser vistas na literatura inglesa dos séculos XVII e XVIII, quando os efeitos destrutivos do protestantismo na vida social já podiam ser percebidos plenamente. A estima e o respeito cortês pelas mulheres [...], reflexo da inigualável glória da Rainha do Céu, desapareceu da literatura inglesa [...]. A mulher voltou a ser valorizada apenas por seu sexo; e aquela que não exercia atração sexual (ou deixara de fazê-lo) muitas vezes era alvo de piadas grosseiras demasiado repulsivas à mentalidade verdadeiramente cristã [3].
Foi desencadeada pelos homens protestantes — de forma imediata e previsível — uma licenciosidade indiscriminada. O matrimônio indissolúvel, a monogamia, os direitos e os deveres mútuos e específicos do casamento — que refreavam, pelo bem da mulher, a masculinidade decaída e dominadora — tinham como sólido fundamento a veneração a Maria e a Sagrada Tradição da Igreja. Com a eliminação de Maria e da Tradição, os homens protestantes puderam então satisfazer impunes sua luxúria.
Isso se manifestou em todo o movimento protestante: das segundas “núpcias” adúlteras de Henrique VIII — públicas e recorrentes —, passando pelo casamento do monge Lutero com uma freira, até o defensor luterano Filipe I de Hesse, que teve duas mulheres, e os haréns libertinos de João de Leiden e Bernardo Rothmann. O próprio Lutero facilitou a destruição da virgindade e da castidade ao mesmo tempo que, como seus imitadores, desonrava a Virgem Maria:
O contrabando de freiras se tornara uma das principais operações eclesiásticas do grupo dos reformados na Alemanha, e na década de 1520, Wittenberg (cidade natal de Lutero) tornou-se um de seus pontos de encontro prediletos [...]. A libido (e a consequente quebra de votos) foi o motor que puxou o trem da Reforma. Foi um modo excepcionalmente eficaz de organizar ex-sacerdotes para que se opusessem à Igreja [4].
Uma testemunha da época afirmou que “os conselhos de Lutero foram seguidos de tal forma que sem dúvida alguma havia mais castidade e honra ao matrimônio na Turquia do que entre os evangélicos [protestantes] na Alemanha” [5]. O próprio Lutero, por não ter conseguido encontrar um fundamento para a proibição geral da poligamia, eliminou a dignidade sacramental do matrimônio [6].
A Santa Madre Igreja responde. — Contra essa devassidão que desonrava Nossa Senhora e as mulheres em geral, o Concílio de Trento bradou em defesa do matrimônio indissolúvel, da virgindade e da castidade, reflexos da veneração essencial devida à Virgem Mãe:
Se alguém disser que o matrimônio não é verdadeira e propriamente um dos sete sacramentos da lei evangélica instituída por Nosso Senhor […], seja anátema.
Se alguém disser que é lícito ao cristão ter muitas esposas ao mesmo tempo e que isso não é proibido por qualquer lei divina […], seja anátema.
Se alguém disser que a Igreja se engana por ter ensinado e por ensinar que, segundo a doutrina evangélica e apostólica, o vínculo matrimonial não pode ser dissolvido pelo adultério […], seja anátema.
Se alguém disser que os clérigos constituídos em ordens sacras e os regulares que professam solenemente a castidade podem contrair validamente matrimônio [...], seja anátema.
Se alguém disser que o estado conjugal se deve antepor ao estado da virgindade ou celibato, e que não é melhor nem mais beato permanecer no estado de virgindade e celibato do que contrair matrimônio, seja anátema [7].
Os excessos da devassidão dos revolucionários foram duramente reprimidos pelos decretos definitivos de Trento. O culto à Virgem Maria foi defendido com firmeza e, com ele, a ordem hierárquica da família, da Igreja e da sociedade. Sob o catolicismo, as mulheres ficaram protegidas, assim como à Virgem foi concedida a glória sagrada que lhe era devida. Trento se tornou o bastião da Igreja para resistir aos ataques de carnificina e do caos provocados pelos protestantes, que destruíram o tecido social e degradaram as mulheres, retirando-lhes a devida honra.
Como os cismáticos do Oriente, os protestantes conseguiram preservar alguma reverência por Cristo e pelas Sagradas Escrituras, que impediram que seu orgulho cego mais uma vez subjugasse completamente as mulheres à escravidão pagã. Caberia aos marxistas e às feministas cumprir esse objetivo.
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