A cada novo filme de Hollywood sobre exorcismo, a curiosidade acerca do tema parece aumentar. As pessoas em geral têm o hábito de dar ibope a tudo que seja sombrio e misterioso. Do ponto de vista católico, porém, a posição sempre é de muita prudência e desconfiança. Afinal de contas, grande parte das produções desse gênero abusa dos efeitos especiais e do sensacionalismo para chamar a atenção do público.

The Pope’s Exorcist, “O Exorcista do Papa”, que chegou ao cinema recentemente, tem todos esses ingredientes. Inspirado na figura do Padre Gabriele Amorth, famoso exorcista que morreu em 2016, a produção apresenta uma história totalmente fictícia, mas que prende justamente por ter um personagem tão interessante como protagonista: o Padre Amorth do filme, interpretado por Russell Crowe, precisa enfrentar um demônio muito poderoso, cujo plano é se infiltrar na Igreja e destruí-la por dentro. Para isso, o capiroto possui um menino da Espanha, a fim de atrair o Padre Amorth a uma armadilha, que revelará um grande segredo do Vaticano. 

A princípio, a sinopse parece não fugir muito à regra de outros suspenses como “O Ritual”, “O Exorcismo de Emily Rose” ou mesmo “O Código Da Vinci”. Até por isso, quando saíram os primeiros teasers de “O Exorcista do Papa”, a Associação Internacional dos Exorcistas logo emitiu uma nota criticando a produção por, aparentemente, não deixar claro quem seria o vilão da história: se o diabo ou a Igreja. Além disso, “a maneira como se narra a experiência do Padre Amorth como exorcista”, diz a nota, “distorce e falsifica o que é vivido e experimentado de fato durante o exorcismo de um possesso de verdade”.

Cena de “O Exorcista do Papa”.

Não há como negar: “O Exorcista do Papa” apresenta várias deficiências e erros gravíssimos, desde clichês sobre a Inquisição a erros na fórmula de absolvição do sacramento da Confissão. Também não é um filme para menores de 16 anos: contém nudez, blasfêmia e violência. De tudo, o mais perturbador é a ideia de que um padre como Amorth pudesse aceitar uma proposta diabólica e tentar um suicídio. Aqui, os roteiristas simplesmente espancaram a licença poética. Do Padre Amorth verdadeiro, o protagonista do filme só tem o nome e o bom humor.

Por outro lado, é precisamente essa liberdade poética que dá ao roteiro de “O Exorcista do Papa” certa vantagem sobre os demais: não se trata de mais uma história de exorcismo, mas de uma produção que deseja ser, para todos os efeitos, um filme de super-herói, e não uma cinebiografia do Padre Amorth. Este, dentro da narrativa, é apenas um gancho para atrair tanto católicos como curiosos. O Padre Amorth do cinema é como um dos “Vingadores” ou algo parecido, que, auxiliado pelos poderes sacramentais, deve impedir o demônio de conquistar o mundo. A Igreja, nesse contexto, seria uma espécie de Shield ou “Liga da Justiça”.

Com essa premissa, “O Exorcista do Papa” consegue um feito inédito para os tempos atuais: introduzir os símbolos católicos na cultura pop de modo a retratar a Igreja e especialmente os sacerdotes como heróis. Além disso, o filme enfatiza bem a necessidade da remissão dos pecados pela Confissão, assim como o poder dos sacramentais (crucifixo, água benta e medalhas) e das orações em latim contra a influência maligna. Mais: fica patente, no fim das contas, que a missão da Igreja é essencialmente sobrenatural. Ela existe para combater o mal e salvar as almas do Inferno. Entre erros e acertos do roteiro, o saldo tende a ser mais positivo do que negativo.

A julgar pelas produções mais recentes, em que figuras tipicamente vilanescas — Malévola, Cruela, Coringa e, pasmem, o próprio Lúcifer — são reapresentadas ao público de modo cativante, ao mesmo tempo que abundam representações negativas da Igreja e dos sacerdotes, achar em Hollywood um filme que retrata a Igreja Católica heroicamente — ainda que de maneira fantasiosa — é mesmo surpreendente. Para alguns críticos de cinema, inclusive, a Marvel e a D. C. Comics “talvez devessem considerar trocar o collant e a capa por um colarinho branco e um crucifixo”.

Aliás, o filme termina com uma recomendação bem sugestiva: a leitura dos livros do Padre Gabriele Amorth, que “são bons”. 

Don Gabriele Amorth, o verdadeiro “exorcista do Papa”.

Para quem deseja entender mesmo como funciona o mundo das possessões e exorcismos, não há caminho melhor. No contato com o verdadeiro “exorcista do Papa”, compreende-se então que, muito mais que se apossar das pessoas, o que os demônios querem é fazê-las pecar e arrastá-las ao Inferno. Além disso, por maior que seja o poder desses anjos maus, eles não passam de criaturas do único Deus verdadeiro: mesmo suas ações mais perversas são aproveitadas pela divina Providência e terminam redundando no bem dos que amam a Deus.

Isso sem falar que, espiritualmente falando, conhecer o Padre Amorth real é muito mais produtivo que assistir ao espetáculo que está hoje nos cinemas. Embora não fosse uma figura do porte físico de Russell Crowe, Don Gabriele Amorth (como era chamado em língua italiana) se sobressaía por sua confiança sobrenatural: o abandono fiel e temente a Deus, cujo poder é o único que verdadeiramente afugenta os demônios e “livra-nos do mal”.

“O Exorcista do Papa” funciona como entretenimento da cultura pop, um dos campos mais difíceis de evangelização para a Igreja. Apesar dos pontos positivos, parece mesmo inacreditável que, a partir de uma ficção mirabolante sobre padres e demônios, pessoas sejam despertadas e, mergulhando mais fundo no tema, cheguem mesmo a procurar uma igreja, fazer catequese e receber os sacramentos. No frigir dos ovos, trata-se de repetir a experiência de São Paulo no areópago, evangelizando aqueles cuja cultura, embora pagã, sente os apelos da fé católica no altar “ao deus desconhecido”.

Nesta ocasião, São Paulo realmente viveu a decepção de ter o seu discurso sobre a ressurreição ridicularizado por muitos cidadãos gregos. “Alguns homens, porém — dizem os Atos dos Apóstolos —, juntaram-se a ele e acreditaram” (17, 34). A Sagrada Escritura ainda nos dá a conhecer o nome de alguns: “Dionísio, o Areopagita, uma mulher chamada Dâmaris…”. Também nas salas de cinema pode se dar um novo areópago, por assim dizer. Certamente, haverá quem zombe de tudo e faça troça das coisas sagradas. Mas a curiosidade e a atração em torno do sobrenatural não deixam de ser uma oportunidade para cativar novos Dionísios e Dâmaris.

Aproveite, então, a ocasião e dê a alguém de presente um livro do Padre Gabriele Amorth.

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