Não há como negar que enfrentamos na Igreja uma crise de enormes proporções. É bem provável que nos assustemos com as manchetes diárias de escândalo, acusações, ocultações, mentiras, infidelidade aos votos e à doutrina e imoralidade na hierarquia da Igreja — coisas que a deixam vulnerável e desacreditada no exato momento em que o mundo mais precisa de sua liderança moral.

Se você suspeita que nosso inimigo está usando uma estratégia deliberada e zombeteiramente irônica, então você tem razão.

Mas existe também outra crise, talvez mais velada, mas igualmente perigosa. É a crise nas almas que amam sua Mãe, a Igreja, e enxergam um abismo cada vez mais profundo entre o que é a Igreja e o que ela deveria ser. Ao verem a amada Noiva ficar cada vez mais desfigurada por seus pecados internos, é compreensível que sintam a tentação de ceder à frustração, à ansiedade e até à indignação. 

Temos de fazer algo! Um lamento furioso surge de algum lugar no meio do caos. É um grito de guerra que chama a atenção e é assumido por muitos que se desesperam e desejam lutar por aquilo que amam. Mas há um problema fundamental: o lamento muitas vezes surge do lado errado do abismo. É o grito de batalha do demônio, habilmente disfarçado e malicioso. Ele fica satisfeito quando pegamos em armas — porque, em seguida, pode nos manipular por meio de nossas paixões e conseguir o controle de ambos os lados da guerra.

Não é um lamento novo, pelo menos não para aqueles entre nós que testemunhamos as repercussões do Concílio Vaticano II, quando centenas de milhares de religiosos, sacerdotes e leigos perderam a fé (e tantos outros os hábitos e colarinhos), e passaram a seguir uma Igreja pseudomilitante, baseada na ação e na “justiça social”. 

Na superfície das coisas, isso parece hoje uma guerra diferente, mas a ameaça daquela época é a mesma que enfrentamos agora. Para que a reforma e a renovação sejam autênticas, duradouras e vivificantes, devem estar firmemente enraizadas no chamado de Cristo, que nos convoca para o único necessário. Unum est necessarium, diz Ele, com a palavra viva que reverbera até hoje. É o lembrete de que a oração deve ser o principal e de que palmas unidas são mais fortes do que punhos erguidos ou braços entrelaçados.   

A verdade é que estar na presença dele — para adorar, pedir, ouvir e nos unirmos a Ele, e nos unir às angústias dele — é o principal meio para curar a Igreja, isto é, de dentro para fora, extraindo do Coração dele a graça que transforma aquilo que toca (a começar por nós) e nos leva a cooperar seriamente com a ressurreição de seu Corpo eclesiástico, orientando e animando nossa energia e sabedoria para uma reforma autêntica e duradoura. Temos de nos posicionar contra o erro? Temos de revelar a verdade e expor as mentiras? Sim, e com empenho. Mas temos de fazê-lo segundo os caminhos de Deus, e isso significa: de acordo com as ordens dele.  

Temos de ser Maria primeiro e depois Marta, a começar pela dedicação à escuta de Deus. É a partir das profundezas de sua presença, e só então, que começaremos a discernir os modos como Ele quer que atuemos em seu nome. Então, é claro, já não seremos nós a agir, mas Ele a agir por meio de nós. É Ele quem renova, restaura e ressuscita. Sem Ele, nenhuma dessas coisas é possível — e quaisquer vitórias aparentes são, na melhor das hipóteses, ilusórias ou temporárias.

Não há nada de “ordinário” na oração. Ela não é um recurso final ou uma bandeira branca. Não é um recuo. É o centro da batalha e o reino que deve ser conquistado primeiro — todas as outras fortalezas cairão quando recuperarmos o poder da oração e do jejum. Aqueles que rezam e conversam intimamente com Deus não podem fazer nada menos que agir, mas agem com a sabedoria e o poder dele, e esperam em paz os resultados dele, no tempo dele.

Aqueles que rezam são os primeiros a se erguerem preparados para uma batalha que, em última instância, não é contra “a carne o sangue”, mas contra “principados e potestades”. Os verdadeiros inimigos da Igreja não estão nas manchetes. São seres espirituais cujas estratégias sutis contrárias à Igreja — e a nós, em nossos pensamentos e emoções — podem ser conhecidas e superadas. Como? Temos de ser vigilantes e conscientes, e aprender a distinguir entre o bem e o mal por meio da oração. Podemos aprender isso. Devemos vencer a guerra.

Vêm-me à mente as arrebatadoras cenas finais do filme A Missão [1], nas quais dois homens, que consagraram suas vidas a Deus, ambos com intenções nobres, lutam para proteger os nativos de comerciantes portugueses de escravos e recorrem a métodos muito diferentes na batalha pela missão de San Carlos. Um deles empunha uma espada; o outro, um ostensório. Apenas um deles tem um poder duradouro. Apenas um deles nos levará à vitória — mesmo que seja a vitória do martírio.

Notas

  1. Sobre esta célebre produção de 1986, vale a pena destacar que há algumas cenas de nudez nela presentes e, embora a maior parte delas seja um retrato mais natural que erótico — pois as tribos indígenas, antes de ser evangelizadas, de fato se vestiam com pouquíssimas roupas —, nunca é demais agir com atenção, prudência, discernimento antes de assistir a um filme assim, especialmente quando se é pai ou educador, e há crianças e adolescentes por perto. Para entender um pouco com que tipo de cena é possível deparar neste filme, recomendamos que se confira, antes, a seção Parents Guide deste filme no site IMDb.

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