São Tiago, que recebeu o apelido de Interciso, por ter sido esquartejado em virtude de sua fé, era de origem persa, mas cristão, nascido de pais cristãos. Devido ao seu extraordinário talento e amabilidade, era um dos prediletos do Rei Isdigerdes. O único desgosto do monarca, como pagão e inimigo dos cristãos, era o fato de Tiago professar a fé cristã e não aceitar os falsos deuses. Por isso, o rei procurava afastá-lo de sua religião, até que, com lisonjas e promessas, acabou conquistando Tiago, de modo que este foi um dia ao templo idólatra e, sacrificando aos ídolos, renegou a fé cristã.
A piedosa mãe e a esposa de Tiago ficaram horrorizadas com essa inesperada e perversa apostasia, choraram amargamente e suplicaram sem cessar ao Todo-Poderoso que iluminasse o miserável homem e o levasse a fazer penitência. No intuito de não deixar de lado nenhum argumento que pudesse fazê-lo voltar à verdadeira Igreja, enviaram-lhe também uma carta na qual lhe apresentavam a gravidade do seu crime e a cegueira em que devia ter caído quando, para não perder os favores de um rei mortal, perdeu voluntariamente a graça do Rei dos reis e temeu mais o descontentamento de um homem que o do Todo-Poderoso. Ao concluir, disseram: “Como renunciaste impiedosamente ao verdadeiro Deus, renunciamos a ti e à tua amizade para sempre. Não digas mais que pertences a nós, pois não desejamos nem ouvir falar de ti, nem nunca mais te ver”.
Ao ler essa carta, Tiago ficou profundamente tocado, e as lágrimas escorreram-lhe pelo rosto. “Se minha mãe e minha mulher me rejeitam assim, e não me reconhecem mais”, disse ele, com grande emoção, “então como agirá Deus, a quem ofendi tão gravemente? E de que me servirá a mercê do rei, se tenho no Todo-Poderoso um inimigo?” Logo após proferir essas palavras, seu coração foi tomado por um remorso tão grande por causa do pecado, que ele amaldiçoou o momento em que se tornou infiel a Deus.
Tendo implorado de joelhos o perdão do Altíssimo, com os olhos marejados de lágrimas, declarou publicamente que preferia perder a benevolência do rei, as honras e os bens, ou mesmo a própria vida, a permanecer um só instante a mais como culpado de idolatria. Confessava a todos que o procuravam, sem qualquer hesitação, que tinha agido mal e desejava agora viver e morrer como cristão. O rei, informado da mudança operada em seu súdito, convocou-o e perguntou-lhe se era verdade o que lhe tinham dito. O penitente respondeu: “Sim, é verdade. Cometi um grande erro quando, para te agradar, neguei meu Deus e abandonei a verdadeira fé. Arrependo-me disso de todo o coração e abomino o meu erro. Sou cristão e desejo viver e morrer assim.”
O rei disse a Tiago tudo o que julgava ser capaz de persuadi-lo a não retornar à religião cristã, mas quando viu que era tudo inútil, ameaçou torturá-lo de uma forma sem precedentes. Fortalecido pela graça de Deus, Tiago disse destemidamente: “Não há nenhum martírio que tu possas pensar ou inventar que eu não esteja disposto a sofrer, tanto para expiar o pecado de que fui culpado, como também para manifestar o amor que tenho em meu coração pelo verdadeiro Deus.” Logo em seguida, os carrascos receberam a ordem de cortar — um após o outro — os membros do destemido confessor de Cristo, para que ele tivesse uma morte lenta e dolorosa.
A ordem foi cumprida por eles com uma crueldade indescritível. Primeiro cortaram-lhe um dedo da mão direita, e em seguida os demais, um após o outro. Depois, fizeram o mesmo com a mão esquerda e os dedos dos pés. Feito isto, cortaram uma mão depois da outra; em seguida, os braços e os pés e, para tornar o suplício ainda mais insuportável, fizeram tudo muito lentamente e pararam várias vezes. O santo mártir, porém, não se intimidava e, elevando os olhos ao Céu, rezava para obter o perdão de seus pecados e a força para suportar o sofrimento. Exclamou também muitas vezes, bem alto, que vivia e morria como cristão, até que, por fim, a espada fim a sua vida e consumou seu terrível martírio. Muitos dos presentes ficaram tão profundamente comovidos com o heroísmo desse discípulo do Salvador, que abraçaram a fé cristã.
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O Martirológio Romano também comemora hoje São Virgílio, bispo de Salzburgo, nascido na Irlanda de pais ilustres. Com sua incansável diligência, fez tantos progressos na instrução que foi considerado um dos maiores eruditos de seu tempo. Tendo ido para a França, foi recebido com muita amabilidade pelo Rei Pepino, que o manteve na corte por algum tempo e mostrou-lhe grande simpatia.
Mais tarde, porém, o rei o enviou ao duque da Baviera, que pretendia honrá-lo com o episcopado de Salzburgo, a fim de preservar em seus domínios um homem tão sábio e tão santo. Por humildade, Virgílio opôs-se energicamente ao projeto do duque, até ser forçado pelos prelados da Igreja e pelo povo a consentir. No entanto, logo após assumir a cátedra episcopal, direcionou todos os seus pensamentos e esforços para mostrar ao seu rebanho, por meio do exemplo, o caminho que leva ao Céu. Por isso, pregava quase diariamente a eles e os admoestava com amor e solicitude paternais, para que se comportassem em conformidade com os preceitos do Evangelho. Ao mesmo tempo, esforçava-se por fazer ele mesmo tudo o que exigia daqueles a quem exortava.
Para promover a honra de Deus e dos santos, construiu uma esplêndida igreja em memória de São Ruperto, primeiro apóstolo da Baviera, e nela depositou as relíquias desse santo. Ao tomar conhecimento do zelo apostólico de nosso santo bispo, o duque de Caríntia enviou uma delegação para lhe pedir encarecidamente que fosse à sua terra, não só para converter os pagãos, mas também para incentivar os fiéis à constância e à verdadeira devoção.
Virgílio enviou-lhe primeiro alguns sacerdotes e diáconos e, pouco depois, foi pessoalmente à Caríntia e fez tudo o que se podia esperar de um verdadeiro apóstolo, de modo que ganhou o glorioso nome de Apóstolo da Caríntia. Depois de trabalhar incessantemente durante vinte anos, regressou a Salzburgo, tendo adoecido logo após a chegada. Embora a doença não parecesse de todo grave, encarava-a como um presságio da morte e preparava-se com todo o cuidado para seu momento final.
Desejou e recebeu os santos sacramentos com grande devoção, e passou as suas últimas horas nos mais fervorosos exercícios de piedade. Sua morte ocorreu no ano de 785. Em seu santuário, os cegos recuperaram a visão, os surdos a audição e muitos doentes foram curados. Um diácono, que duvidou e desprezou dos milagres ali operados, foi imediatamente possuído pelo Maligno, e durante muito tempo atormentado, até que, buscando refúgio no santuário de São Virgílio, pediu humildemente perdão por sua incredulidade.
Considerações práticas
I. Apesar de ter sido durante muito tempo um fiel seguidor da verdadeira fé, e não ter pensado em abandoná-la, São Tiago acabou se tornando um apóstata para agradar ao rei. O mesmo já aconteceu com muitos outros. Algumas pessoas, depois de abster-se do pecado e servir a Deus por algum tempo, imaginam que estão blindadas contra todas as tentações, que não correm mais o risco de ofender a Deus e que têm garantida a própria salvação. A consequência disso é que, muitas vezes, elas se arriscam demasiado e caem de forma vergonhosa.
Que você, meu caro leitor, aprenda com a vida de São Tiago: ninguém deve depositar muita confiança em si mesmo ou em suas próprias forças, mesmo que tenha servido a Deus por muitos anos e evitado o pecado. Enquanto houver vida, podemos cair e pecar todos os dias. “Ainda que um homem seja muito santo, jamais deve pensar que não cairá”, diz Santo Efrém. Já São Teodoreto diz: “Não me digas: ‘Envelheci na virtude, não tenho nada a temer’, porque a queda deve ser sempre temida.” Satanás levou ao abismo do vício e da perdição muitos que haviam envelhecido na virtude. Santo Agostinho diz ter visto homens que, em santidade, pareciam ter alcançado as estrelas e, apesar disso, caíram tão profundamente no vício que pereceram nele.
Por isso, o homem não deve confiar demais em suas próprias forças. Ao contrário, ciente de sua fraqueza, deve suplicar diariamente a Deus por graça e auxílio. A desconfiança de si mesmo, a confiança em Deus e a oração diária são três coisas necessárias a todas as pessoas. Felizmente, São Tiago reconheceu logo seu erro, arrependeu-se dele, expiou-o com uma confissão pública e suportou heroicamente seu terrível martírio. Oxalá seguissem o seu exemplo todos aqueles que caíram em desgraça, quer pela tentação de Satanás, quer pela dos homens maus.
II. São Virgílio mostrou ao seu rebanho o caminho para o Céu, tanto pelos conselhos como pelo exemplo. Os pais, mestres, magistrados, pregadores, pastores e confessores são obrigados a mostrar o caminho do Céu aos seus filhos, empregados domésticos e a todos aqueles que estão sob sua responsabilidade ou que os procuram em busca de instrução.
De certo modo, o mesmo deve cada cristão ao seu próximo. Se isso for feito apenas com palavras, terá pouco ou nenhum efeito. O exemplo deve dar força às palavras. Nós mesmos devemos praticar o bem que exortamos o próximo a praticar, e evitar aquilo de que nos esforçamos por afastá-lo. Nós mesmos devemos trilhar o caminho do Céu que indicamos aos outros. Fazemos assim um bem muito maior do que por admoestações contínuas, pois, como diz São Leão Magno, “os exemplos são muito mais poderosos que os preceitos”. A lição que incutimos pelas boas obras é mais profunda e mais proveitosa do que a transmitida apenas por palavras. “Por isso”, diz São Gregório, “não há melhor conselho do que te esforçares por ensinar teu irmão, com o teu exemplo, o bem que desejas ensinar-lhe”.
Dentre os bons exemplos com que São Virgílio mostrou aos outros o caminho do Céu, está o fato de ter pedido para receber, quando ficou doente, os sacramentos da Penitência, da Eucaristia e da Extrema Unção. Eu já lhe disse noutro lugar que, quando estiver doente, não deve demorar a receber os dois primeiros desses sacramentos. Farei aqui apenas algumas observações sobre o terceiro. A Extrema Unção é um sacramento instituído pelo Salvador para a salvação, conforto e alívio dos enfermos. Quem o recebe dignamente, além de outras graças, obtém também o perdão dos pecados que porventura ainda tenha na consciência. Recebe também a graça específica de suportar com paciência suas dores; é fortalecido contra as tentações de Satanás e até pode recuperar a saúde, se isso for conveniente à sua salvação.
Se Deus visitar você com uma doença grave, não deixe de pedir um sacramento tão salutar, e receba-o com grande devoção. Há pessoas que temem recebê-lo por imaginarem que, depois disso, certamente morrerão. Portanto, não aceitam recebê-lo enquanto estiverem conscientes. Quão insensata, quão absurda é essa ideia! Não passa de um engano do demônio! Não vemos todos os dias que as pessoas se recuperam depois de receberem a Extrema Unção? Este santo sacramento não foi instituído para nos fazer morrer mais cedo, mas, ao contrário, uma das finalidades para as quais foi instituído é restabelecer a saúde da pessoa, se assim o exigir a sua salvação.
Portanto, em caso de doença grave, não hesite em pedir não só a Comunhão, mas também a Unção dos Enfermos, porque, recebendo-a devotamente, estando ainda na posse de todas as suas faculdades mentais, o sacramento lhe redundará em ainda maior benefício. Se tiver algum doente sob a sua responsabilidade, faça-o receber esse sacramento em tempo hábil e, se necessário, lembre-lhe que quem vai receber a Unção não deve ter consciência de nenhum pecado mortal e, se tiver algum, deve confessá-lo, se ainda for capaz. O número de pessoas que dependem da observância dessa instrução é maior do que muitos imaginam, pois é possível que um homem, por não receber as graças conferidas pela Extrema Unção, vá para a perdição eterna, embora a omissão desse sacramento não seja, em si, um pecado mortal. “Está entre vós algum enfermo? Chame os sacerdotes da Igreja, e estes façam orações sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor; a oração da fé salvará o enfermo e o Senhor o aliviará; se estiver com pecados, ser-lhe-ão perdoados” (Tg 5, 14-15).
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