Deixemos de lado as modalidades mais grosseiras da preguiça — sombra e água fresca —, para concentrar a atenção na preguiça sutil, de fundo, que pode estar unida a uma grande boa vontade, a muitas ocupações e até à agitação.

Pois bem, uma das características dessa sutil preguiça é a sua rara habilidade — verdadeiro “engenho e arte” — para se desculpar ou se justificar. A preguiça mostra-se uma artista consumada no uso de diversas máscaras, com as quais se disfarça, apresentando por fora o rosto do dever cumprido, da laboriosidade ou da responsabilidade.

Vale a pena, por isso, passar a examinar algumas das máscaras mais comuns de que a preguiça costuma valer-se.

A máscara da atividade. Pessoas de grande atividade questionam, espantadas, a acusação de preguiça: “Eu, preguiçoso?”. E esquecem-se de que o ativismo, o fato de ter o dia atulhado de ocupações e tarefas e agitado pela “correria”, pode ser um grande álibi da preguiça.

“Não tenho um minuto livre”, repete-se constantemente. A vida parece um quebra-cabeças, cujas peças jamais se poderão encaixar, porque o tempo é limitado. “Eu bem que quereria fazer tudo, arranjar tempo para toda a gama dos deveres, mas infelizmente não posso”.

Não posso. Estas palavras não são novas. Lembram-nos alguma coisa muito antiga, uma parábola saída dos lábios de Cristo.

Um homem deu uma grande ceia e convidou a muitos. A parábola começa com uma clara luz: Deus é esse “homem”, que prepara um grande convite de Amor — uma vida de Amor na terra e depois na eternidade —, e chama à porta dos corações dos homens: Vinde, tudo já está preparado. Está pronto o plano que preparei para ti, a missão que te proponho realizar no mundo.

Mas o convite do Amor não obtém resposta: Todos à uma começaram a escusar-se. Todos. E deram as suas razões, razões objetivas e cheias de sensatez: Comprei um campo e preciso ir vê lo; rogo-te que me dês por escusado. Disse outro: Comprei cinco juntas de bois e vou experimentá-las; rogo-te me dês por escusado. Disse também um outro: Casei-me e por isso não posso ir (cf. Lc 14, 16-20).

E o retrato falado dos nossos não-posso: não podemos assumir determinadas responsabilidades e deveres cristãos... porque andamos muito ocupados.

O Senhor não aceita as desculpas. Para Ele não passam de enganos, máscaras da preguiça, que foge de maiores compromissos de amor porque não quer complicações. O pai de família — acrescenta o Evangelho — ficou irado (cf. Lc 14, 21). Uma expressão forte, que convida à reflexão. Deus não aceita as nossas desculpas, e isto porque o não-posso, a maior parte das vezes, significa simplesmente um não-quero.

A preguiça começa por não querer pensar. Há deveres sobre os quais — por medo do sacrifício — “nem se cogita”. Arremedando a frase “viver é muito perigoso” do protagonista de Grande Sertão: Veredas, poderíamos dizer que, para alguns, “pensar é muito perigoso”. Resistem a enfrentar seriamente alguns deveres, porque podem vir a impor-se-lhes como uma obrigação de consciência. Por isso, preferem tapar a vista com um pano — a afirmação prévia de que “não dá” —, antes de terem sequer começado a refletir.

Deus, pelo contrário, diz que dá. Tudo aquilo que é expressão da vontade divina, do ideal do cristão, é possível. Depende da nossa boa vontade, ou melhor, da nossa vontade boa, disposta a abraçar e a amar, sem regatear sacrifícios, a vontade de Deus.

Todos temos a experiência de que o nosso querer torna-se poderoso quando há um verdadeiro interesse, ou quando há um verdadeiro amor.

É surpreendente verificar o que acontece, por exemplo, com certas pessoas agoniadas pela “absoluta falta de tempo”. Um belo dia, o amigo, aflito pelo excesso de trabalho, comunica-nos com expressão radiante: “Sabe que estou fazendo um curso de alemão? É ótimo. São só quatro dias por semana, das sete às dez da noite. E, depois, é quase certo que vou arranjar um emprego numa multinacional…” O ouvinte sente vontade de dizer: “Mas, se há um mês você me disse que não tinha nem meia hora por semana para ensinar o catecismo a seus filhos, e que lhe seria quase impossível conseguir cinco minutos diários para ler o Evangelho...”.

Produziu-se um milagre, por obra e graça do interesse. Quem não “podia” fazer o que, na realidade, não interessava ao seu coração egoísta, agora pode dedicar sem problemas 12 horas semanais à gramática alemã.

Será preciso lembrar os “milagres” que, neste mesmo âmbito do tempo, é capaz de realizar o amor? Uma pessoa apaixonada cria tempo, inventa-o, multiplica-o... e acaba “encontrando” tempo para estar com quem ama.

Seria muito bom que cada um de nós revisasse, sinceramente, o que há por trás dos nossos não-posso. Não demoraríamos a descobrir, com evidência, que se trata de uma falta de interesse ou de uma falta de amor. Não vai ficando, assim, mais clara a estreita relação da preguiça com o “amor do bem” de que tanto falam os clássicos cristãos?

A máscara da ordem. Para começar, não nos esqueçamos de que a ordem é uma virtude, e de que essa virtude é arma específica de combate contra a preguiça. Mas, agora, detenhamo-nos na ordem viciada, que se transforma em máscara da preguiça.

Para isso, pode ajudar-nos reparar em que há dois possíveis tipos de ordem, a que poderíamos chamar, respectivamente, ordem defensiva e ordem oblativa.

Ordem defensiva. Há pessoas que fazem da ordem uma armadura de defesa pessoal. São muito organizadas, até nos mínimos detalhes. Aproveitam bem o tempo. Mas o seu esquema é intocável. Fabricaram para si uma espécie de trilho de aço, por onde deslizam mecanicamente, e não toleram que nada interfira com os planos que traçaram, tão egoístas e tão cômodos.

Pobre da irmãzinha caçula que se atreva a pedir esclarecimentos sobre um teorema ao irmão mais velho, modelo de seriedade escolar, durante o sacrossanto “horário de estudo”. Que se cuide também a esposa ousada, que timidamente peça ao marido que se desvie um instante e pare na quitanda, afastando-o do trilho da sua intocável rotina. Ou o filho, que sente necessidade de comentar com o pai um acontecimento importante de que acaba de ser protagonista, enquanto o pai está realizando a sagrada tarefa de colar-se ao televisor, porque, após um dia estafante, “tem o direito de descansar um pouquinho” (um pouquinho, que podem ser horas e horas inúteis diante do aparelho).

A ordem não pode ser uma barricada defensiva, para ter a vida mais tranqüila. A ordem que é virtude, é um meio para assegurar uma entrega mais perfeita ao cumprimento dos deveres de cada dia, deveres que, sem ordem, sem previdência, sem uma seqüência prudente e organizada, ficariam esquecidos ou prejudicados.

Essa é a ordem oblativa (de oblação: oferenda, doação). Uma ordem que é reflexo da disposição generosa do coração: quer fazer e dar-se mais e melhor. Por isso, quando fora da ordem prevista se apresenta a oportunidade de fazer coisas de mais valor — e que há de mais valioso do que dar-se, com amor, ao próximo? —, a alma generosa não hesita: sai do seu trilho, e atende a esse apelo do amor com alegria. Segue a ordem de Deus — a que Deus vai sugerindo —, consciente de que é melhor do que a sua, sem ver interferências, sobrecargas ou perturbações nesses chamados divinos que lhe modificam os planos.

A máscara do cansaço. Além da máscara da falsa ordem, a preguiça utiliza-se habilmente da máscara do cansaço, para proclamar com a consciência tranqüila: “Não posso mais, não agüento mais.” A fim de percebermos melhor os contornos dessa máscara, penetremos por uns instantes — a título de exemplo — na intimidade de um apartamento imaginário, após o expediente de trabalho.

O chefe de família chegou, curvado sob o fardo do dia, com uma palidez que inspira compaixão e uma carranca que sugere distâncias. Desaba na poltrona, pega no jornal e sussurra com um fio de voz: “Estou exausto, podia trazer-me os óculos?”. Nessa mesma hora toca o telefone, e a custo o protagonista se arrasta até o aparelho: “Alô!... Como é? Mas vocês arranjaram mesmo o campo do Clube Tal? E eles vão ligar a iluminação!... Não, não! É para já, vou voando!”.

Num instante, a família descobre, espantada, que o chefe do lar tem as faculdades do Superman: um novo homem dinâmico surge na sala, apanha chuteiras e outros apetrechos, e se atira ao elevador, enquanto comenta brincalhão: “Neste time de amigos, há um senhor de 65 anos que corre o tempo todo pelo campo. Idade não é documento...”.

A câmera indiscreta poderia ter focalizado também a dona de casa, e a cena filmada seria muito parecida, apenas com a diferença de que o incentivo, em vez de ser um bom jogo de futebol, poderia ser “uma liquidação de roupas literalmente fabulosa e a preços incríveis”. Bastaria esta frase mágica para fazê-la deixar de lado muitos cansaços.

O cansaço é uma coisa muito especializada. Sempre que se pensa nele, é muito conveniente perguntar: “Cansaço, para que coisas?”. Porque todos somos especialistas em determinados cansaços — cansaço “para” rezar, estudar, atender os desejos dos outros, responder cartas, etc. —, que não passam de máscaras da preguiça.

E é que, ao lado da fadiga real, produzida pela sobrecarga de verdadeiros esforços, há uma outra fadiga, um outro cansaço, produzido pelo afrouxamento da fibra moral. Este último — a fadiga da alma — é o cansaço que invade os que cumprem os deveres de má vontade, sem amor; é o cansaço dos que vivem reclamando por tudo e por nada, sonhando sempre com situações ideais que jamais irão dar-se; dos que não querem sacrificar-se; dos preguiçosos, em suma, daqueles a quem o bem, o amor e o dever enfastiam, porque exigem sacrifício.

A máscara dos bons desejos. Na Bíblia, no livro dos Provérbios, encontra-se uma frase breve, que tem muita substância: “Os desejos matam o preguiçoso” (Prov 21, 25).

Existem preguiças que se manifestam por uma recusa sumária: não quero, não posso. Mas há outras que se enfeitam com as vestes dos bons desejos, desejos ineficazes, que nunca chegam a traduzir-se em realidades.

Não é que a pessoa “não queira”. Mas também não “quer”. Somente deseja. “Quer e não quer o preguiçoso”, diz ainda o livro dos Provérbios (Prov 13, 4).

O desejo-máscara é mais um truque da preguiça para enganar a consciência. Aos imperativos da consciência — deves fazer, deves dar mais, deves enfrentar isto ou aquilo —, a preguiça responde, com aparente sinceridade: “Sim, é mesmo, eu desejaria tanto fazer isso tudo...”.

Se prestarmos atenção, perceberemos que o tempo verbal que a preguiça prefere é o condicional — quereria, desejaria —, nunca o presente — quero! Já há muitos séculos, um dos mais antigos teólogos da Idade Média, Rábano Mauro, formulava a seguinte definição da preguiça: “torpor da mente, que negligencia começar a prática do bem” (De ecclesiastica disciplina, III; cf. S. Th., II-II, q. 35, a. 1).

Desejos condicionais. As “condições” que impedem o tempo presente, e portanto a ação, costumam ser de dois tipos.

Em primeiro lugar, o bom desejo esbarra com a chamada “falta de jeito”. Nós, que somos habitualmente tão vaidosos, e prezamos as nossas qualidades acima do seu valor, subitamente nos sentimos invadidos por uma estranha humildade: “Gostaria tanto de fazer meditação bem feita, de realizar apostolado, de difundir a doutrina cristã, mas infelizmente não tenho jeito, não nasci para isso”.

Alguém um tanto rude sentir-se-ia tentado a comentar: não é falta de jeito, é falta de vergonha. Mas como isso é menos delicado, será melhor dizê-lo de outra forma: é falta de vontade, de sinceridade.

Todos temos “jeito” — ou podemos ganhar “jeito” — para as virtudes, para o bem, para as coisas que pessoalmente Deus nos pede. Nesta matéria, pode-se dizer também que a função cria o órgão. Basta começar, basta iniciar sinceramente o esforço, e a capacidade aparece. Será maior ou menor, mas sempre será útil e eficaz. Principalmente porque Deus não deixa nunca de auxiliar a quem se esforça com boa vontade. Também os antigos mestres da teologia cunharam um adágio a esse respeito: “Deus não nega a graça a quem faz o que dele depende”.

Em segundo lugar, tão perigosa como a “falta de jeito” é a desculpa de quem sempre espera pela situação, a época ou as circunstâncias ideais para levar à prática os seus bons desejos. Esse afirma com convicta persuasão que quer, que quer mesmo. Agora, porém, não é o momento propício para levar à prática o desejo. Quando mudarem as circunstâncias e houver condições favoráveis, então sim.

“Agora — diz o preguiçoso — estou com tantos problemas na cabeça, que se pegasse num livro de formação cristã, com o propósito de dedicar todas as noites quinze minutos à sua leitura, não aproveitaria nada. Quando esta azáfama acalmar, então...”.

“Agora — afirma outro —, ainda não me sinto em condições de fazer uma boa confissão. Deixe que eu amadureça, fortaleça as minhas resoluções, que ganhe mais certeza de não reincidir, e então...”. Então? Esquece-se de que não há nada tão forte e eficaz quanto a graça do Sacramento da Penitência, para robustecer a vontade com o vigor da graça divina, e permitir a superação dos problemas.

“Agora? — perguntará um terceiro —. Será que não percebe que estou sob a pressão do cursinho e os apertos do vestibular? Vamos deixar para o ano que vem, porque agora não conseguiria levar a sério a tarefa que me propõe...”.

Agora! Acontece, porém, que o tempo real se chama sempre agora. Quem adia, recusa. O tempo ideal, o momento realmente bom, não chega jamais para o preguiçoso. São transparentes, neste sentido, os seguintes pensamentos do livro Caminho: “Amanhã! Algumas vezes, é prudência; muitas vezes, é o advérbio dos vencidos” (n. 251). “Porta-te bem ‘agora’, sem te lembrares de ‘ontem’, que já passou, e sem te preocupares com o ‘amanhã’, que não sabes se chegará para ti” (n. 253). “...‘Agora’ não é demasiado cedo... nem demasiado tarde” (n. 254).

Uma grande parte da nossa vida se evapora em desejos irrealizados, porque a preguiça faz confundir o tempo propício com o tempo cômodo. Tempo propício, tempo oportuno, é o que Deus vai marcando. Quando Ele nos inspira um bom desejo, quando acende uma nova luz na alma, esse é o momento propício para começar — quanto antes —, porque é a hora da graça divina. Protelar o começo, à espera do momento mais cômodo, é matar oportunidades e garantir esterilidades.

Só quando nos convencermos de que o “bom momento” é quase sempre o “mau momento” — aquele que a nossa preguiça julga mau — é que cumpriremos a Vontade de Deus e produziremos frutos. Com muita sensatez, São Gregório Magno sentenciava: “Quando não queremos fazer oportunamente as coisas que podemos, pouco depois, quando queremos, já não podemos mais” (Regula pastoralis, III, 15).

Um relance em perspectiva para a parcela de vida que já gastamos, talvez possa ajudar-nos a compreender a importância da prontidão na realização dos bons desejos. Um balanço do passado pode fazer-nos entender o perigo de que a vida vá ficando como um grande quarto de despejo, em cujas prateleiras se amontoam, como frascos quebrados, inúmeros bons desejos que a preguiça inutilizou.

E com estas considerações, pomos um ponto final ao exame das máscaras da preguiça.

Referências

  • Trecho extraído e levemente adaptado da obra A Preguiça, da ed. Quadrante, mas disponível para leitura no site do Pe. Francisco Faus, seu autor.

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