O heroísmo é uma categoria social antiga. Considera-se herói, segundo a definição de Paul Johnson, aquele cuja vontade se sobrepõe à opinião pública, agindo com coragem e decisão, mesmo nas situações mais adversas; independentemente das consequências. Na antiguidade, estava atrelado às personalidades austeras e habilidosas no uso da força. Compaixão, altruísmo e generosidade não faziam parte de seu itinerário. Ao contrário, os que nutriam essas virtudes eram vistos com desdém; considerados fracos. Neste panteão de heróis incluiam-se Alexandre Magno e o imperador Júlio César, verdadeiros mestres da guerra.

A tradição judaico-cristã deu nova vitalidade ao heroísmo. Com a resistência do povo hebreu, sobretudo no combate aos impérios inimigos, a civilização pôde conhecer a figura de um novo modelo de herói: o mártir. Mas foi somente no cristianismo que o martírio se tornou sinônimo de santidade, a começar pela morte de Santo Estevão - entregando sua vida com total resignação diante dos algozes que o apedrejavam - até o fuzilamento de São Maximiliano Kolbe, morto num campo de concentração nazista.

Com efeito, enquanto no paganismo o herói é desprovido de caráter, no cristianismo, é cheio de virtudes humanas e teologais. O resultado dessa mudança notabilizou-se principalmente na cultura, porquanto para o herói cristão "maneiras corteses, hospitalidade, proteção a menestréis, poetas e artesões; acima de tudo, respeito às mulheres"[1] eram características fundamentais. Essa soma de virtudes e espírito de martírio deu origem a uma plêiade de mulheres e homens santos, cujo principal combate era a conquista do céu.

Os santos são os heróis por excelência. Em cada um deles encontra-se a virtude heróica do Servo de Deus, que aponta o caminho da salvação para o resto dos homens. Em São Pedro, a humildade para arrepender-se, pedir perdão a Cristo e, de cabeça para baixo - a fim de não se comparar ao Senhor -, terminar crucificado. Em Santa Bakhita, a esperança do escravo que, apesar dos maus patrões, sabe depender exclusivamente da providência divina, testemunhando-a dia a dia, nas suas tarefas ordinárias. Em João Paulo II, a fé do pastor que, na amargura do sofrimento, consegue levar com coragem a mensagem de Deus, encarnando exemplarmente o autêntico espírito cristão. E finalmente em Maria, a simplicidade da serva do Senhor que glorificou "mais Deus pela mínima das suas obras (por exemplo: fiar na sua roca ou dar alguns pontos de costura com agulha), do que São Lourenço pelo cruel martírio que sofreu na grelha e mesmo do que todos os santos pelas suas mais heróicas ações"[2], mostrando que o verdadeiro heroísmo se constrói na vida cotidiana, não em grandes espetáculos públicos.

No cristianismo não se nasce herói, torna-se. É um processo diário, de entrega constante, desapegando-se do mundo e da vaidade que nele se encontra. Consiste em fazer-se crucificado com Cristo a qualquer momento, em qualquer lugar; não somente em ocasiões especiais. Até porque "quantos se deixariam cravar numa cruz perante o olhar atônito de milhares de espectadores, e não sabem sofrer cristãmente as alfinetadas de cada dia!"[3] Há mais heroísmo no rapaz que acorda sempre no mesmo horário, cumprindo todas as suas obrigações e normas de piedade, que no uso do cilício por alguém incapaz de estudar e realizar suas tarefas costumeiras. Nem todo martírio é de sangue!

Mas, dada essa exigência, ainda há espaço no mundo de hoje para o heroísmo cristão?

Aparentemente, não! A sociedade moderna carece de autênticas figuras heroicas, porque a virtude saiu de moda. O heroísmo foi substituído pelo mau caratismo, pela parvoíce de alguns celerados, que acham que fazem muito gritando algumas frases de efeito em frente a uma repartição pública ou coisa do gênero. O rosto estampado de um assassino como Che Guevara na camisa de um adolescente demonstra o vazio - tanto moral, quanto intelectual - desta civilização.

Mais do que nunca, "o mundo precisa de vidas limpas, de almas claras, de inteligências simples"[4], que estejam dispostas a renunciar às ideologias, apoiando-se firmemente na providência divina, para empenhar mutuamente as suas vidas, suas fortunas e a sagrada honra pela santidade cristã. O reino de Deus é dos violentos, por isso, o "cristão pode viver com a segurança de que, se tiver desejos de lutar, Deus o pegará pela mão direita"[5].

É na cruz que nascem os heróis, é no céu que habitam os santos.

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