O estudante que, neste último domingo (26), prestou o ENADE — exame nacional que avalia a qualidade do ensino das universidades brasileiras — deve ter ficado surpreso com a quantidade de questões envolvendo “relações de gênero” e outros temas, como feminismo e laicidade do Estado.

Além de escrever uma redação propondo políticas públicas para a inclusão de “pessoas trans”, os universitários ainda tiveram de responder a outras questões objetivas com claro viés ideológico. Quem quisesse atingir uma boa pontuação no exame deveria responder, é claro, exatamente o que os redatores da prova queriam ouvir.

A pergunta número 33, por exemplo, fazia uma apologia aberta à inclusão do “conceito de gênero nos diferentes componentes do currículo [escolar] de maneira transversal”, a despeito da opinião de maioria dos brasileiros que, em várias oportunidades, repudiou a abordagem do assunto dentro das escolas. Os grifos são nossos:

As escolas brasileiras não têm um único jeito de ensinar sobre gênero e sexualidade; pesquisas evidenciam currículos e práticas pedagógicas e de gestão marcadas pela discriminação. Distinções sexistas nas aulas, na chamada, nas filas de meninos e de meninas, nos uniformes, no tratamento e nas expectativas sobre alunos ou alunas, tolerância da violência verbal e até física entre meninos, representações de homens e mulheres nos materiais didáticos, abordagem quase exclusivamente biológica da sexualidade no livro didático, estigmatização referente à manifestação da sexualidade das adolescentes, perseguição sofrida por homossexuais, travestis e transexuais, evidenciam o quanto a escola (já) ensina, em diferentes momentos e espaços, sobre masculinidade, feminilidade, sexo, afeto, conjugalidade, família.

Nesse contexto, para construir uma prática pedagógica que promova transformações no sentido da igualdade de gênero a partir do respeito às diferenças, espera-se que a escola

a) incorpore o conceito de gênero nos diferentes componentes do currículo de maneira transversal;b) realize atividades em seu cotidiano que definam para as crianças o que é masculino e o que é feminino;
c) se valha das diferenças sexuais naturais entre meninos e meninas para conduzir a classe e manter a disciplina;
d) se refira à questão de gênero de forma tangencial, suficiente para promover vivência menos intransigente e mais equânime entre homens e mulheres;
e) reforce modelos de comportamentos socialmente atribuídos a homens e mulheres que formam um conjunto de representações sobre masculinidade e feminilidade.

Não é preciso muito esforço para saber qual opção o estudante devia assinalar como correta. Embora o gabarito oficial do ENADE ainda não tenha sido divulgado, tudo indica que acertou quem marcou a alternativa “a”, com o que as outras opções, evidentemente, tornam-se falsas.

Isso significa dizer que o Ministério da Educação não só espera das escolas o ensino de gênero, como quer inclusive uma abordagem profunda do assunto: não uma que seja “suficiente para promover vivência menos intransigente e mais equânime entre homens e mulheres”. Não, isso não basta! É preciso também pôr abaixo as “distinções sexistas nas aulas”; superar uma “abordagem quase exclusivamente biológica da sexualidade”; falar da “estigmatização referente à manifestação da sexualidade das adolescentes” (atenção ao artigo definido feminino: o alvo são as meninas!)...

De que modo, concretamente, os professores devem fazer tudo isso, cabe à mente de cada um imaginar. Talvez seja mais ou menos como a discussão que fizeram quando da elaboração do chamado “kit gay”: segundo palavras de um secretário do MEC, os organizadores do material didático ficaram “três meses” discutindo “até onde entrava a língua” de duas mulheres durante um beijo lésbico.

Apesar do escândalo, a prova do ENADE, assim como outros exames aplicados pelo Ministério da Educação, foi apenas mais uma amostra daquilo que se vem denunciando, aqui e em outras mídias, sobre a revolução em curso na educação. Longe de “possibilitar aos alunos uma formação intelectual e muito menos fazê-los adquirir conhecimentos elementares”, o que esses novos pedagogos querem é tornar a escola “nada mais do que o instrumento de uma revolução cultural e ética destinada a modificar os valores, as atitudes e os comportamentos das pessoas em escala mundial”, como denuncia Pascal Bernardin em seu livro Maquiavel Pedagogo [1].

Para atingir seus objetivos, os revolucionários da educação utilizam “métodos ativos destinados a inculcar nos estudantes os ‘valores, as atitudes e os comportamentos’ definidos de antemão” [2]. Um desses métodos, diz Bernardin, é justamente o das avaliações: “Por força do exercício do poder personificado pelo avaliador, o sujeito da avaliação é levado a interiorizar normas sociais” [2]. Desse modo, os alunos não vão à escola para aprender raciocínio lógico, gramática e outros conteúdos imprescindíveis ao bom desenvolvimento cognitivo, mas para receber uma “formação” anticristã a serviço dos interesses e propósitos políticos de organizações como a ONU.

Notem, por exemplo, a filósofa norte-americana Judith Butler. Em defesa de sua “teoria queer”, ela disse recentemente que a “questão de gênero” não deve ser entendida como uma “ideologia”. O porquê ela mesma é quem explica:

Em geral, uma ideologia é entendida como um ponto de vista que é tanto ilusório quanto dogmático, algo que “tomou conta” do pensamento das pessoas de uma maneira acrítica. Meu ponto de vista, entretanto, é crítico, pois questiona o tipo de premissa que as pessoas adotam como certas em seu cotidiano, e as premissas que os serviços médicos e sociais adotam em relação ao que deve ser visto como uma família ou considerado uma vida patológica ou anormal.

O argumento de Butler é capcioso. Sim, o seu ponto de vista é crítico, mas nem por isso a “questão de gênero” deixa de ser uma causa ideológica — especialmente quando observamos os métodos que seus defensores têm escolhido para propagá-la. (Porque, afinal de contas, se o discurso de gênero ainda “não ‘tomou conta’ do pensamento das pessoas” — graças a Deus! —, alguém duvida que é isso o que querem Butler e companhia?)

Uma perspectiva isenta sobre o assunto, meramente “crítica”, proporia talvez um debate entre pedagogos, uma discussão legislativa, um debate aberto e imparcial nos meios de comunicação, como deve acontecer dentro de toda sociedade que se queira democrática. Mas é isso por acaso o que se vê? Absolutamente não. Os promotores da “teoria de gênero” não aceitam ser confrontados. A régua com que eles medem o resto do mundo não lhes serve para medir o umbigo. Eles são “críticos” — criticam a Bíblia, do Gênesis ao Apocalipse, e o livro da natureza humana, de Adão até o homem “pós-contemporâneo” —, mas quanto às suas ideias… Não há o que discutir. A TV tem de falar delas, os professores têm de falar delas, as leis têm de aceitá-las, como se fossem uma verdade revelada ou um dado incontestável da mais elevada cientificidade. Custe o que custar e doa a quem doer. Daí a ideia de colocar o assunto em um exame obrigatório para todos os concluintes de cursos de graduação do Brasil — onde não há espaço, é claro, para objeção nem questionamento algum.

Uma vez dominadas pelas normas do Ministério da Educação, o que precisa ficar claro agora é que as universidades, assim como as demais redes de ensino, não têm o compromisso de ajudar os pais na missão de educar os filhos. Ao contrário, o que o MEC pretende é justamente substituir a família e tornar-se a “pátria educadora”, aquela que sabe o que é certo e errado e que vai dizer aos estudantes qual deve ser o seu padrão de comportamento. As universidades do MEC servirão apenas para formar novos militantes de uma causa política. Essa, infelizmente, é a realidade de nossas academias.

Mas, antes de demonizar as escolas e responsabilizá-las por toda essa crise social, é preciso também que os pais façam um exame de consciência sobre o quão negligentes têm sido com seus filhos, delegando o dever de educá-los para outras instituições. Em nome do bem-estar social e do acúmulo de riquezas, o máximo que muitas famílias conseguem desejar para suas crianças é um diploma universitário que lhes possibilite a conquista de um bom emprego e de uma posição social relevante. E, assim, essas famílias matriculam seus filhos em cursos e mais cursos, esquecendo-se de educá-los para aqueles valores mais sagrados, para as virtudes, para a busca da santidade.

O MEC só está ocupando o lugar deixado pelas famílias. E, enquanto elas estiverem preocupadas com o salário no fim do mês, a escola fará o trabalho de formar as crianças do Brasil para os novos valores humanos: viverem privadamente a sua religião, defenderem ideologias que contrariam a complementaridade natural entre os sexos e instaurarem, por fim, aquilo que Judith Butler chamou de o “mundo LGBTQI”. Assim, quando as famílias se derem conta, esse mundo já será “poderoso demais” para ser enfrentado.

Referências

  1. Pascal Bernardin. Maquiavel Pedagogo: ou o ministério da reforma psicológica. Campinas: Ecclesiae, 2013, p. 10.
  2. Ibidem.
  3. Ibidem.

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