De tempos a tempos, depara-se-nos a notícia de que Jesus de Nazaré não existiu. A fonte da "boa-nova" é sempre algum estudo histórico seríssimo, que só a censura eclesiástica e os escrúpulos para com o sentimento religioso do povo puderam reprimir durante os últimos dois milénios. No entanto, já aprendi com a experiência destas coisas a suspender a minha opinião sobre estes estudos, pelo menos até que a maior parte dos que murmuram sobre eles, bem como a maior parte daqueles que os fazem, consiga decidir definitivamente se Jesus deveras não existiu ou se foi casado e teve filhos.
A impressão que fica é que qualquer hipótese é aceitável desde que diga o contrário do relato evangélico, ora afirmando que Jesus não existiu, ora atribuindo-lhe uma existência inusitada. Talvez um dia os cépticos venham a descobrir que estas teorias não passam pelo crivo do cepticismo e que a hipótese mais parcimoniosa é, afinal, a de que Jesus existiu, não casou, teve um ministério público nas cidades da Palestina, foi crucificado entre salteadores, morreu, e na manhã de Domingo o túmulo em que o haviam depositado estava vazio.
É claro que existem algumas boas razões para não acreditar nos estudos que concluem pela inexistência de Jesus e a maior razão entre elas é o facto de as testemunhas oculares estarem perfeitamente convencidas do contrário, o que é um aspecto que nenhum historiador digno do nome pode ignorar. Contudo, uma vez que os académicos que negam a existência do humilde carpinteiro de Nazaré parecem apostados em negligenciar essas testemunhas por terem acreditado no que viram, há que citar-lhes as palavras de outros que puderam informar-se razoavelmente sobre os acontecimentos, embora não fossem cristãos. A investigação dos relatos judaicos e pagãos da época, escritos por homens que não tinham o menor interesse em favorecer com as suas palavras a pregação cristã nascente, confirma notavelmente a narrativa ortodoxa da vida de Jesus de Nazaré.
A ajudar a nossa pesquisa, o historiador Lawrence Mykytiuk publicou recentemente um artigo em que sintetiza as informações sobre a vida de Jesus contidas nas principais fontes pagãs e judaicas. Mykytiuk nomeia vários autores antigos, mas é suficiente por agora concentrarmos a atenção em apenas três fontes — o pagão Tácito, o judeu Josefo e os escritos rabínicos dos primeiros séculos da era cristã.
Tácito é um formidável historiador da vida em Roma no primeiro século depois de Cristo. Era um homem de grande reputação entre os seus contemporâneos que foi procônsul na Turquia e senador em Roma. É no seu trabalho mais extenso, os Anais, posto por escrito no início do segundo século, no capítulo XV, 44, que Tácito fala de Cristo. As breves palavras que escreve sobre Jesus aparecem a propósito da perseguição que o imperador Nero moveu contra os cristãos. O parágrafo que redigiu, marcado por um laivo de desprezo pela «letal superstição» cristã, menciona Cristo - «Christus» - como fundador desse «mal». Esse homem, proveniente da Judeia, conta-nos Tácito, foi executado no tempo do imperador Tibério, às ordens do procurador Pôncio Pilatos. Este extraordinário pedaço de literatura antiga não apenas confirma a existência do fundador da nova religião, o Cristo, como confirma a narrativa da sua morte e o tempo em que ocorreram os eventos da vida de Jesus, algures entre os anos 26 e 36 da era cristã, o período em que Pôncio Pilatos foi procurador da Judeia enquanto Tibério era imperador.
O sacerdote hebraico, Flávio Josefo, que foi deportado para Roma por ocasião da revolta judaica contra Roma, iniciada em 66 d.C., é vulgarmente citado na presente questão por causa do que escreveu sobre Jesus no décimo oitavo livro das suas Antiguidades Judaicas, excerto que é conhecido pelos historiadores como Testimonium Flavianum. Outra referência que fez a Jesus, no vigésimo livro daquela obra, mais discreta e muito menos conteste, costuma passar despercebida. Esta menção está inserida na narrativa da sentença de morte de Tiago, proferida pelo sumo sacerdote Ananias. Tiago era um nome muito comum na época e Josefo precisou de distinguir claramente a pessoa de quem estava a falar naquele trecho. Então, associou o nome de Tiago a outro nome, que, aparentemente, o tornaria claramente reconhecível, o nome do seu primo Jesus.
Porém, como o nome Jesus era também de uso frequente naquela época, Josefo diferenciou a pessoa a que se referia escrevendo que era aquele a quem chamavam o Messias, ou, em latim, «Christus». A menção incidental de Jesus, servindo apenas a função de identificar Tiago, só faz sentido se tratar de alguém que realmente existiu e que poderia ser um ponto de referência para os leitores da época. Josefo parece considerar que a mera indicação do parentesco com Jesus para distinguir Tiago é bastante, o que sugere, como hipótese mais provável, que Jesus já deveria ser conhecido do leitor por alguma menção feita anteriormente na obra — ao que tudo indica, o célebre passo do décimo oitavo livro. Este excerto, que confirma, entre outros aspectos, a história do julgamento e crucificação de Jesus, merece considerações mais demoradas, para as quais devolvo o leitor ao artigo de Mykytiuk.
O testemunho que mais me impressiona sobre Jesus é aquele que é dado pelos seus inimigos. Aqueles contemporâneos do primeiro século a quem Jesus foi mais incómodo seriam aqueles que teriam todo o interesse em contar a verdade sobre o mito de Jesus, mito que seria singularmente frágil, uma vez que os cristãos pregavam que o seu mestre havia tido um ministério público nas cidades da Galileia. No entanto, não o fizeram. As autoridades judaicas da época e as tradições rabínicas falavam de Jesus como se ele tivesse realmente existido e chegaram mesmo a voltar contra o Nazareno os estranhos acontecimentos da sua vida, tal como já o haviam feito antes, quando disseram que era pelo poder do príncipe dos demónios que Ele expulsava os demónios. Pergunto-me se não seria poupar dores de cabeça e arrelias ter logo dito que ele não existira — a não ser que dizê-lo fosse um perfeito disparate; a não ser que Ele tivesse mesmo existido.
Como nota Mykytiuk, a esmagadora maioria dos historiadores não questiona a existência de Jesus — as vozes que bradam no deserto para a negar, quaisquer que sejam os motivos pelos quais o fazem, não o fazem, certamente, por motivos científicos.
É óbvio que estas fontes vêm trazer um grande reforço à tese de que Jesus foi casado e teve filhos, uma vez que existiu para o efeito. Talvez seja de esperar, portanto, um consenso entre os autores de estudos sobre de que maneira é que a Bíblia há-de estar errada.
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