I. A universalidade dos cordões de oração

1. O desejo de Deus e a oração. — «O desejo de Deus», diz o Catecismo, «está inscrito no coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus» [1]. Todo ser humano, com efeito, sente dentro de si uma certa inclinação que o impele a transcender-se e procurar a razão de sua existência. De fato, a sede radical por um Princípio está de tal forma impressa em nosso espírito, que não seria de todo errado afirmar que a inteligência de que somos dotados está orientada antes para a sacralidade que se manifesta na ordem criada do que para a criação pura e simples [2]. «O homem está à procura de Deus», pois ele, embora ferido pelo pecado, conserva ainda «o desejo daquele que o chama à existência» [3] e Se lhe revela mediante a natureza, «com o ser, o sentido e a finalidade que a ela são próprios» [4]. Ora, ainda que O conheçam de modo obscuro ou O ignorem completamente, todas as religiões testemunham essa busca essencial pela única e verdadeira divindade [5]: «Porque, do nascente ao poente, meu nome é grande entre as nações e em todo o lugar se oferecem ao meu nome o incenso, sacrifícios e oblações puras» (Ml 1, 11).

Entre as múltiplas formas que o homem tem encontrado ao longo da história para traduzir esta sua busca de Deus, a oração ocupa, ao lado do culto e dos sacrifícios rituais, um lugar de destaque [6]. Apesar de ambíguas e dissonantes entre si, as diversas tradições religiosas parecem coincidir no fato de que o homem tende a desenvolver a necessidade de repetir uma série mais ou menos encadeada de preces. Quer se deva ao desabrochar espontâneo da piedade e do desejo de união com Deus, quer a uma suposta função mágico-religiosa atribuída à linguagem, é certo que, se não todas, ao menos uma boa parte das religiões de que se tem notícia chegou a criar não só esquemas fixos e recursivos de oração como também a lançar mão de alguma estratégia de contagem; tais recursos são tão universais, que poderiam considerar-se expressões constitutivas da nossa religiosidade natural. Se levarmos em conta, por exemplo, os benefícios que o papa Adriano I concedeu em 782 à comunidade monacal de Santo Apolinário em Classe, sob a condição de que os monges rezassem seiscentos «Kyrie eleison» por dia, seremos levados a admitir que àquela época a cristandade latina já elaborara algum método para computar tantas orações [7].

2. A presença do «rosário». — Com efeito, a técnica mais comum e globalmente difundida é a dos cordões de oração ou «rosários», para usar uma designação genérica. Constituído por nós ou contas, o «rosário» tem uma origem tão antiga quanto a própria humanidade; e embora seja difícil rastrear-lhe as origens, a sua simplicidade e praticidade talvez lhe tenham permitido ser inventado e reinventado, descoberto e redescoberto ao largo dos séculos. Um rápido lance d'olhos sobre a quase universalidade de sua presença em algumas religiões porá em evidência a disposição natural do espírito humano para o diálogo incessante com Deus.

Com base nas esculturas e baixos-relevos descobertos por Austen Henry Layard nas ruínas assírias de Nimrud e Kuyunjik, supõe-se que já os antigos ninivitas possuíssem pequenos cordões para rezar. Um dos monumentos encontrados apresenta, pois, duas figuras femininas em atitude de oração diante de uma árvore sagrada [8]; elas mantêm elevada uma das mãos e, com a outra, seguram uma pequenina grinalda ou pulseira de contas [9]. Também alguns muçulmanos, principalmente os sufis, servem-se há tempos do «masbaha», um colar de 33, 66 ou 99 contas utilizado de modo especial na prática do «dhikr»; trata-se de uma devoção islâmica—estruturalmente similar a algumas cristãs, mencionadas mais adiante—que consiste na repetição de determinadas preces ou dos noventa e nove nomes por que Alá é designado tanto no Alcorão quanto na Suna. O famoso explorador veneziano do século XIII, Marco Polo, deixou-nos um curioso relato sobre uma de suas expedições à «Província de Maabar», localizada possivelmente na costa oeste da Índia peninsular. Como fosse levado à presença do rei, o navegante notou que o monarca

[...] usa também, preso ao pescoço e caindo sobre o peito, um fino cordão de seda em que se prendem 104 grandes pérolas e rubis de alto preço. A razão por que ele usa este cordão [...] é que, de acordo com o que dizem, todos os dias, de manhã e ao anoitecer, ele tem de fazer 104 orações aos seus ídolos. Essa é a religião e os costumes desta gente. E assim fizeram todos os reis seus predecessores [10].

Pouco mais de três séculos depois, tendo chegado ao Japão a vinte de agosto de 1549, São Francisco Xavier, talvez algo surpreso, registrou em carta aos seus companheiros da Europa que todos os japoneses, fossem bonzos (isto é, monges budistas) ou do povo, costumavam rezar «por contas» cujo número superava cento e oitenta. «Quando rezam continuadamente», escreve, «nomeiam em cada conta o Fundador da seita que têm.» [11] Algumas dessas «contas» a que se refere o Apóstolo do Oriente, também chamadas «shō-zoko-jiu-dzu», são comuns à quase totalidade das seitas budistas japonesas [12]. O cristianismo, por seu lado, conhece os cordões de prece desde pelo menos o século IV. No entanto, o talvez mais primitivo relato que se tenha de um sistema de contagem entre os cristãos é do bispo de Helenópolis, na Bitínia, e discípulo de São João Crisóstomo, Paládio da Galácia, em cuja História Lausíaca se narra a vida de um certo monge, identificado às vezes com São Paulo, o Simples (ca. 225-339), que se propusera orar sem cessar e, para isso, estabelecera trezentas orações fixas: para cada prece concluída o eremita lançava fora um dos trezentos seixos que carregava consigo no seio da túnica [13].

Como quer que seja, o uso de pedrinhas ou calhaus seria aos poucos abandonado, dando lugar, sobretudo no oriente cristão, ao «komboskini» (κομποσκοίνι) — de que trataremos noutra oportunidade —, presumivelmente obra do Abba São Pacômio de Tabenisi (ca. 292-348), pai do cenobitismo e discípulo de Santo Antão, o Grande. O antigo uso, porém, parece ter-se preservado ainda por alguns séculos no ocidente, pois há registros de que para alguns eremitas e ascetas dedicados a fazer um grande número de orações, como, por exemplo, o popular santo anglo-medieval Godric de Finchale, as lapides calculares eram o recurso mais comum e óbvio [14]. Mas o surgimento do que hoje na Igreja latina se conhece por Santo Rosário, devoção essencialmente mariana, só se processaria paulatinamente, em meio a embates entre a ortodoxia católica e a heresia albigense.

Falaremos nos próximos artigos a respeito deste rico e complexo processo em que a própria Providência divina, por meio da Santíssima Mãe de Nosso Senhor, dispensou à pobre humanidade o remédio para «as causas mais difíceis», a oração «que tem não só a simplicidade duma oração popular, mas também a profundidade teológica duma oração adaptada a quem sente a exigência duma contemplação mais madura.» [15]

Referências

  1. Catecismo da Igreja Católica (CIC), 27.
  2. V., e. g., Mircea Eliade, Tratado de História das Religiões. Trad. port. de Fernando Tomaz e Natália Nunes. 4.ª ed., São Paulo: Martins Fontes, pp. 39-40, § 11.
  3. CIC, 2566.
  4. Michael Schmaus, Teologia Dogmatica. Trad. esp. de Raimundo D. Baldrich e Lucio G. Ortega. Madrid: Rialp, 1960, vol. 1, p. 189, § 30.
  5. CIC, loc. cit.; cf. Chantepie de la Saussaye, Manual of the Science of Religion. Trad. ing. de Beatrice S. Colyer-Fergusson. Londres, Nova Iorque: Longmans, Green, and Co., 1891, pp. 71-72.
  6. V. CIC, 2567.
  7. Cf. Philipp Jaffé, Regesta Pontificum Romanorum. Berlim: Veit et socius, 1851, p. 209, n. 1866.
  8. Cf. Mircea Eliade, op. cit., pp. 216-217, § 96.
  9. Austen H. Layard, The Monuments of Niniveh. Londres: John Murray, 1853, p. [16], plate 7.
  10. Colonel H. Yule (ed.), The Book of Sir Marco Polo. Londres: John Murray, 1871, vol. 2, p. 275.
  11. São Francisco Xavier, Obras Completas. Trad. e org. de Francisco de S. Baptista. Braga, São Paulo: Editorial A. O. e Loyola, 2006, doc. 96 (29 jan. 1552), p. 566, n. 29.
  12. Cf. J. M. James, "Descriptive Notes on the Rosaries (jiu-dzu) as Used by the Differents Sects of Buddhists in Japan", in: Transactions of the Asiatic Society of Japan. Yokohama: R. Meiklejohn and Co., 1881, vol. 9, pp. 173-183; James Hastings (ed.), Encyclopædia of Religion and Ethics. Nova Iorque: Charles Scribner's Sons, 1908, vol. 10, pp. 851-852.
  13. Cf. Historia ad Lausum, c. XXIII (PG 34, 1068B); v. Cuthbert Butler, The Lausiac History of Palladius. Cambridge: Cambridge University Press, 1904, vol. 2, p. 63.
  14. Joseph Stevenson (ed.), Libellus de Vita et Miraculis S. Godrici. Londres: J. B. Nichols and Son, 1847, pp. 225-226, c. 108, § 213.
  15. João Paulo II, Carta Apostólica "Rosarium Virginis", de 16 out. 2002, n. 39 (AAS 95 [2003] 32).

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