O Catecismo da Igreja Católica diz que “o desejo de Deus está inscrito no coração do homem"[1]. Não era preciso que essa sentença estivesse em um livro eclesiástico para que as pessoas a reconhecessem como autêntica. Essa verdade, qualquer homem de boa vontade é capaz de perceber, ao lançar um olhar sincero ao seu coração, atravessando as crostas não raras vezes volumosas que o cobrem. Há, no ser humano, um anseio profundo de felicidade, anseio que aponta para o alto, como que dizendo: “Deus existe".

De fato, assim como a sede do corpo aponta para a existência da água, as nossas almas sedentas pelo infinito, pelo transcendente, indicam a existência de algo que vai além da mera matéria, além da estonteante e efêmera confusão deste mundo. É esse anseio que explica o fato de o fenômeno religioso ser uma constante na história. Não há sociedade que tenha crescido sem religião, não há civilização que tenha florescido sem buscar fundamentos no eterno. Por isso o Concílio Vaticano I não hesitou em afirmar que “Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza mediante a luz natural da razão humana a partir das coisas criadas"[2], isto é, “as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras"[3]. É possível chegar à existência de Deus pelo simples uso da razão.

No entanto, para que se salve, para que dê verdadeiro sentido à sua existência, a razão não é suficiente. Por mais poderosos que sejam os raciocínios humanos, eles não são capazes de redimir o homem ou conceder-lhe a vida eterna. Antes da vinda de Cristo, o homem enfrentava o terrível drama da torre de Babel: pelejava, em vão, na construção de “uma torre cujo cimo atingisse os céus"[4], procurando alcançar o eterno por suas próprias forças.

Vendo os esforços do homem em sua direção, Deus não ficou mudo: falou aos grandes patriarcas do Antigo Testamento e, de modo especial, a Moisés; conduziu o povo que elegeu a uma Terra Prometida, cercando-o de carinho e proteção constantes ao longo da história. Até que “o Verbo se fez carne"[5] e o abismo que separava Criador e criatura foi definitivamente superado, não pelo esforço humano racional, mas pelo próprio Deus: “Muitas vezes e de diversos modos outrora falou Deus aos nossos pais pelos profetas. Ultimamente, nos falou por seu Filho, que constituiu herdeiro universal, pelo qual criou todas as coisas"[6]. Na face de Cristo, então, desvendou-se o enigma do ser humano. Finalmente, o anseio mais profundo dos corações pôde, com Ele – e só com Ele –, ser satisfeito. À primeira inquietude do coração humano passou a somar-se a certeza de que Deus não só instalara nele uma sede, como viera saciá-la plenamente... com o amor.

A força que verdadeiramente move e transforma o mundo é o amor. Todas as chamadas “virtudes" humanas são nada sem o amor. A única coisa que o homem pode fazer sobre a terra, depois da grande misericórdia do Deus que se fez carne para ascender a sua carne aos céus, é responder com generosidade, em todos os momentos de sua vida, à Sua afeição. Depois de olhar para a Cruz e ver o “grande amor com que nos amou"[7], não é possível viver senão em contínua ação de graças, espantados pelo preço tão alto com que Ele nos comprou.

Eis o grande segredo dos santos, a chave certa para entender o sacrifício de suas histórias. Suas vidas não foram nada mais que uma “resposta" generosa ao amor de Deus. Sua existência não foi configurada por um mero corpo de preceitos ou de dogmas – qualquer religião instituída por mãos humanas e mais ou menos estruturada pode oferecer isso –, mas por uma história de amor, mais dramática que a mais terrível das tragédias, e mais encantadora que a mais romântica das estórias.

Essas almas não só entenderam que “o desejo de Deus está inscrito no coração do homem"; descobriram também que o desejo do homem estava inscrito no coração de Deus, desejo que chegou à Cruz, provando que “o amor é forte como a morte"[8].

Quem olha para a Cruz de Cristo deve prostrar-se, prostrar-se e agradecer por ser objeto de tão grande amor e, sentindo dificuldade em amar de volta, escutar o conselho de Santa Teresa de Jesus: “Se ainda não O amais (...), não podeis por vós mesmos chegar a amá-Lo, porque não é de vossa condição; mas, levando-se em conta o muito que Ele vos ama e o quanto vale ter a Sua amizade, passai pelo sofrimento de estar muito na presença de quem é tão diferente de vós"[9].

Referências

  1. Catecismo da Igreja Católica, parágrafo 27
  2. Concílio Vaticano I: Constituição dogmática Dei Filius, 24 de abril de 1870. Cf. Denzinger-Hünermann, n. 3004
  3. Rm 1, 20
  4. Gn 11, 4
  5. Jo 1, 14
  6. Hb 1, 1-2
  7. Ef 2, 4
  8. Ct 8, 6
  9. Santa Teresa de Jesus, Livro da Vida, capítulo 8, n. 5

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