Todo final de ano, as pessoas têm o costume de “fazer promessas”. Examinam a própria consciência — coisas que fizeram errado ou de que se arrependeram mais tarde —, elegem suas testemunhas — Deus, a própria consciência, a família ou os amigos mais próximos — e fazem sua lista: “Neste ano, vou fazer isto e isto; e deixar isto, isto e aquilo...”. Ainda que a pessoa se esqueça do que prometeu nos primeiros dias de janeiro (o que não é nada incomum), os “propósitos de Ano Novo” são uma boa iniciativa: ilustram o anseio do homem pelo bem e pela perfeição, e ajudam-no a não se conformar com uma vida medíocre, levada “de qualquer modo”.
Esta noção de seriedade diante da vida é profundamente cristã. Na famosa parábola dos talentos, Nosso Senhor compara seu Reino a um homem que, tendo viajado para o estrangeiro, deixou seus bens a três servos. Enquanto os dois primeiros trabalharam para multiplicar o que tinham recebido e foram elogiados por seu senhor, o terceiro, que enterrou na terra o que recebeu, foi repreendido, chamado de “servo mau e preguiçoso” e jogado nas trevas, onde “haverá choro e ranger de dentes” (cf. Mt 25, 14-30). Deus dá a cada ser humano uma oportunidade única de vida — não haverá outra “encarnação”, como acreditam os espíritas — e espera amorosamente que trabalhemos e desenvolvamos os talentos que Ele nos concedeu. “Trabalhai na vossa salvação com temor e tremor” (Fl 2, 12), diz também São Paulo.
Que tal ser aconselhado por um santo para fazer sua lista de propósitos para o ano que se aproxima? Abaixo, seguem algumas pérolas de São Josemaría Escrivá, o santo do quotidiano, com recomendações valiosas para o trabalho mais importante desta existência: a salvação eterna da nossa alma.
1. Lutar contra os pecados veniais
“Já sei que evitas os pecados mortais. — Queres salvar-te! — Mas não te preocupa esse contínuo cair deliberadamente em pecados veniais, ainda que sintas o chamado de Deus para te venceres em cada caso. — É a tibieza que torna a tua vontade tão fraca” (Caminho, 327).
“Quem é fiel nas pequenas coisas será fiel também nas grandes, e quem é injusto nas pequenas será injusto também nas grandes” (Lc 16, 10). Quem quer seguir Nosso Senhor, deve deixar de lado a “mentalidade do salário mínimo” e começar a servi-lo com maior generosidade. Não é suficiente seguir os Mandamentos; o chamado de Cristo é que sejamos santos — ou seja, que O amemos de todo coração, por completo.
Quantas vezes Nosso Senhor “incomoda” a nossa consciência, alertando-nos para certas palavras ou atitudes que não correspondem à sua vontade, mas que muitas vezes tratamos como se nada fossem, “só” porque são (dizemos) pecados veniais, faltas leves, pecadinhos… Santo Anselmo, porém, pergunta: “Quem terá a ousadia de dizer: isto é só um pecado venial, e, portanto, não é um grande mal? Se Deus é ofendido, como se poderá afirmar que isso é um pequeno mal?”
Por isso, abandonemos de vez os pecados veniais, que o Espírito Santo compara a vulpes parvulas, quae demoliuntur vineas: “as pequenas raposas que destroem as vinhas” (Ct 2, 15).
2. Acordar na hora certa
“Vence-te em cada dia desde o primeiro momento, levantando-te pontualmente a uma hora fixa, sem conceder um só minuto à preguiça. Se, com a ajuda de Deus, te venceres, muito terás adiantado para o resto do dia. Desmoraliza tanto sentir-se vencido na primeira escaramuça!” (Caminho, 191)
“O minuto heróico. — É a hora exata de te levantares. Sem hesitar: um pensamento sobrenatural e... fora! — O minuto heróico: aí tens uma mortificação que fortalece a tua vontade e não debilita a tua natureza” (Caminho, 206).
Muitas pessoas têm problemas para dormir; tantas outras, porém, têm o problema oposto: não conseguem levantar-se da cama no outro dia. Às vezes até dormem mais cedo, colocam o despertador para determinado horário, mas simplesmente não acordam — ou pior, não querem levantar-se! Depois que ativam a “função soneca” do telefone móvel, elas cochilam indefinidamente, chegando a perder o horário e deixando de cumprir os seus deveres em casa, na escola ou no trabalho.
É certo: às vezes, a rotina do dia a dia esgota-nos sobremaneira. Todavia, é preciso reconhecer que as perdas de tempo na cama, de manhã, normalmente se devem muito mais à nossa preguiça que ao nosso cansaço físico. Afinal, se aquela hora específica é o momento que tínhamos fixado para acordar, por que adiar para mais tarde?
Neste novo ano que se inicia, este pode ser um ótimo propósito para nós: o “minuto heróico”! Levantar na hora certa, sem negociatas com o celular, “sem hesitar”. Além de adiantar muito para o resto do dia, tal prática pode ser feita como verdadeiro exercício de mortificação. E a mortificação (não nos esqueçamos) é uma escada imprescindível para subir ao Céu.
3. Fazer alguns minutos diários de meditação
“Meditação. — Tempo certo e a hora certa. — Senão, acabará adaptando-se à nossa comodidade: isso é falta de mortificação. E a oração sem mortificação é pouco eficaz” (Sulco, 446).
“Um tempo de meditação diária — união de amizade com Deus — é coisa própria de pessoas que sabem aproveitar retamente a sua vida; de cristãos conscientes, que agem com coerência” (Sulco, 665).
Em um mundo continuamente agitado, onde as pessoas agem quase que “a toque de caixa”, falar de rezar chega a parecer conversa de outro mundo — “da Idade Média”, alguém diria, em tom de escárnio. Com tanta coisa para fazer, parece não haver tempo para Deus e para o cuidado de nossa vida interior. Levado pelo ritmo frenético do dia a dia, então, assim como os ateus vão simplesmente passando a sua curta existência neste mundo, quem é cristão vai pouco a pouco se tornando materialista, uma espécie de “ateu prático”.
O conselho de São Josemaría é um desafio para o homem moderno: “um tempo de meditação diária”, com “tempo certo” e “hora certa”. Um momento reservado, escolhido, específico, para Deus. Não que não seja possível rezar enquanto se trabalha. São Paulo mesmo pede aos cristãos que rezem sem cessar (cf. 1Ts 5, 17). Isso, no entanto, não pode ser desculpa para deixar de escolher um horário determinado e especial para tratar com Deus. O cristianismo é a religião do amor. Quando alguém ama, quer estar com a pessoa amada, conversar com ela, desfrutar da sua presença. Como podemos dizer, então, que amamos a Deus, se não queremos passar alguns poucos minutos diários diante dele?
4. Não esquecer o exame de consciência
“Se lutas de verdade, precisas fazer exame de consciência. — Cuida do exame diário: vê se sentes dor de Amor, porque não tratas Nosso Senhor como deverias” (Sulco, 142).
“Há um inimigo da vida interior, pequeno, bobo; mas muito eficaz, infelizmente: o pouco empenho no exame de consciência” (Forja, 109).
“Que o sol não se ponha sobre o vosso ressentimento” (Ef 4, 26), diz o Apóstolo. Trata-se de um conselho importantíssimo para qualquer convivência sadia entre as pessoas. Ora, se é preciso cuidar do relacionamento com os outros, muito mais da nossa intimidade com Deus!
Por isso, um belo propósito para este ano é não deixar que o dia termine sem fazer um diligente exame de consciência. Quem ama, procura sempre melhorar, corrigindo os próprios erros, a fim de agradar a pessoa amada. Um exame bem feito, todos os dias, ao final da noite, além de fortalecer a união com o Senhor, torna mais concreto e responsável o nosso amor a Ele, eliminando as ofensas e imperfeições que atingem o seu divino Coração.
5. Perseverar no trabalho
“Deves sentir cada dia a obrigação de ser santo. — Santo!, que não é fazer coisas esquisitas: é lutar na vida interior e no cumprimento heróico, acabado, do dever” (Forja, 60).
“Obstáculos?... Às vezes, existem. — Mas, em algumas ocasiões, és tu que os inventas por comodismo ou por covardia. — Com que habilidade formula o diabo a aparência desses pretextos para que não trabalhes...!, porque sabe muito bem que a preguiça é a mãe de todos os vícios” (Sulco, 505).
“‘Passou-me o entusiasmo’, escreveste-me. — Tu não deves trabalhar por entusiasmo, mas por Amor; com consciência do dever, que é abnegação” (Caminho, 994).
Não é verdade que o trabalho seja um castigo decorrente do pecado original. “O trabalho não é um castigo — ensina o Catecismo da Igreja Católica —, mas a colaboração do homem e da mulher com Deus no aperfeiçoamento da criação visível” (§ 378). Por isso, antes mesmo que o primeiro homem pecasse, Deus o pôs no jardim do Éden “a fim de o cultivar e guardar” (Gn 2, 15). Se a Queda desfigurou o trabalho do ser humano — que passou a comer o pão “com trabalhos penosos” e “com o suor do seu rosto” (cf. Gn 3, 17-19) —, Nosso Senhor, que passou a sua vida oculta no serviço simples e escondido da carpintaria de Nazaré, devolveu-lhe a beleza e o significado originais. O homem não trabalha simplesmente para cumprir uma pena. Trabalha para ser santo. Para lutar “na vida interior e no cumprimento heróico, acabado, do dever”.
O segredo por trás de todos esses conselhos? “Tu não deves trabalhar por entusiasmo — diz o santo do quotidiano —, mas por Amor”. Qualquer propósito para o Ano Novo será em vão se não tiver como motor principal a caridade. Os sentimentos, o “entusiasmo”, os arrepios dos primeiros anos de conversão, todas essas coisas passam. O amor, porém, fundado na vontade firme, na determinada determinación de agradar a Deus… esse permanece.
Dia após dia, renovemos as nossas “promessas” de entrega e fidelidade a Ele. E teremos, sem dúvidas, um ano muito melhor do que este que passou.
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