A menos que você tenha acesso à Missa tradicional em latim nos dias de semana ou tenha cerca de 700 anos de idade, jamais assistiu a uma Missa na qual foram usados todos os [textos] próprios do Primeiro Domingo depois de Pentecostes. A Missa foi substituída pela festa da Santíssima Trindade em 1334, embora continue sendo celebrada nos dias feriais entre o Domingo da Santíssima Trindade e o Segundo Domingo depois de Pentecostes. Por séculos suas orações foram comemoradas no Domingo da Santíssima Trindade, mas esta prática foi abolida explicitamente no Missal de 1962 [i].

É uma pena, pois a Coleta [deste domingo] é particularmente notável [ii]:

Deus, in te sperantium fortitúdo, adesto propitius invocatiónibus nostris: et, quia sine te nihil potest mortális infírmitas, praesta auxilium gratiæ tuæ; ut, in exsequendis mandátis tuis, et voluntáte tibi et actióne placeámus. Per Dóminum. — Ó Deus, fortaleza dos que esperam em Vós, atendei propício às nossas invocações e, como sem Vós nada pode a fraqueza humana, dai-nos o auxílio da vossa graça, para que no cumprimento dos vossos mandamentos vos sejamos agradáveis por vontade e por obras. Por Nosso Senhor…

A frase in te sperantium fortitudo só se encontra noutro lugar no Missal: a Coleta da festa do Papa São Gregório VII, no dia 25 de maio, mas in te sperantium se encontra também na Coleta do Terceiro Domingo depois de Pentecostes, só que neste caso ao lado de protector. Deus é a própria força, mas apenas para os que nele esperam. Ele não é a força, por exemplo, dos que o desprezam ou abandonam. Embora a oração se dirija ao Pai, o uso de fortitudo logo após Pentecostes também traz à mente a fortaleza como um dos sete dons do Espírito Santo. Talvez Deus Pai seja a força dos que nele que esperam justamente através do Espírito Santo a nós enviado junto com seus sete dons.

A Coleta faz duas petições.

Primeiro, pede a Deus que atenda às nossas invocações. Pode-se traduzir invocationes por “orações”, mas escolhi “invocações” porque a palavra é bastante rara na liturgia. (Outros termos para “oração”, como deprecatio, oratio e preces, são mais comuns.) Ainda mais raro (na verdade, singular) é o uso de invocatio no plural. Nos outros dois momentos em que invocatio aparece nas orações romanas, o termo está no singular e é usado num sentido mais convencional, a saber, para invocar o nome do Senhor. Esta é uma Coleta rara e de estilo incomum.

Segundo, a oração pede a ajuda da graça de Deus e explica por quê: porque “sem Vós nada pode a fraqueza humana”. Isto, dito assim, soa como um exagero. Concedo aos moralistas, mas tenho a impressão de que em virtude do livre-arbítrio uma pessoa pode realizar uma simples boa ação sem o benefício da graça santificante: um assassino impenitente, por exemplo, pode deixar uma gorjeta generosa num restaurante. Num sentido mais profundo, porém, o nosso livre-arbítrio e todo o resto vêm de Deus, e portanto somos completamente dependentes dele para a nossa existência e capacidade de fazer o bem. Até o homicida generoso só consegue realizar boas ações por causa dos dons que Deus lhe deu [iii].

Além disso — e creio que seja esta a maior preocupação do pedido —, não há dúvida de que, sem a graça santificante, não nos é possível fazer o bem e amá-lo de modo habitual. A Coleta se refere a estes dois hábitos como o cumprimento dos mandamentos por vontade e por obras, sendo este cumprimento o objetivo principal da oração. Se, como escreve São Paulo, o amor é o cumprimento da lei (cf. Rm 13,10), então devemos amar a Deus e ao nosso próximo verdadeiramente, e não apenas fazer coisas boas.   

Providencialmente, o amor a Deus e ao próximo é o tema das leituras deste domingo. Na Epístola (cf. 1Jo 4, 8-21), São João ensina que Deus é amor (caritas) e que devemos amar a Ele e ao nosso próximo. O Evangelho (cf. Lc 6,36-42) desenvolve este ensinamento com a famosa passagem: “Não julgueis, e não sereis julgados” e a Parábola do Cisco e da Trave. Entre outras coisas, o amor ao próximo exige que sejamos muito mais críticos de nós mesmos do que dos outros.

Notas

  1. Vale a pena esclarecer, aqui, do que o autor está falando, porque suas considerações só fazem sentido na liturgia anterior à reforma pós-conciliar. Comemoração é “a recitação de uma parte do Ofício ou da Missa assinalada para uma certa festa ou dia quando elas não podem ser ditas na íntegra”. Por exemplo, num determinado ano, o dia 13 de junho cai num domingo. No rito novo, o que se faz? A menos que Santo Antônio seja padroeiro do lugar onde se está rezando a Missa ou a Liturgia das Horas, omitem-se por completo os textos litúrgicos relativos ao santo. Antes, porém, havia o costume de se recordar o santo mesmo assim, dirigindo-lhe orações adicionais na liturgia, além das prescritas para o domingo. O que acontecia especificamente na festa da Santíssima Trindade? Como ela coincidia com o 1.º Domingo depois de Pentecostes, usavam-se as orações tanto da festa quanto do domingo. Em 1962, porém, antes mesmo que as comemorações sumissem por completo no Missal atual, o Papa João XXIII já reduzira consideravelmente as ocasiões de comemorações na liturgia (a do 1.º Domingo de Pentecostes na festa da Santíssima Trindade foi uma delas) (N.T.).
  2. A Coleta da Missa antiga para o 1.º Domingo depois de Pentecostes foi mantida íntegra no rito reformado, só que agora no 11.º Domingo do Tempo Comum. As duas semanas coincidiram neste ano de 2022. A tradução litúrgica oficial da oração é: “Ó Deus, força daqueles que esperam em vós, sede favorável ao nosso apelo, e, como nada podemos em nossa fraqueza, dai-nos sempre o socorro da vossa graça, para que possamos querer e agir conforme vossa vontade, seguindo os vossos mandamentos” (N.T.).
  3. Sobre o intricado tema do que pode e não pode o homem sem a graça de Deus, cf. Ludwig Ott, Manual de teología dogmática. Barcelona: Editorial Herder, 1966, pp. 360ss.

O que achou desse conteúdo?

0
0
Mais recentes
Mais antigos