A audição de um jovem de apenas 13 anos comoveu os espectadores de um programa britânico de calouros, e agora está conquistando o mundo através da internet. 

A apresentação de Malakai Bayoh foi ao ar dia 16 de abril, no Britain’s Got Talent, e arrancou do exigente Simon Cowell um golden buzzer (“campainha dourada”) — uma forma de os jurados honrarem os melhores artistas, classificando-os diretamente para as semifinais do programa. 

Assista à performance do rapaz e acompanhe a letra por ele cantada: 

Pie Jesu, (×4)
Qui tollis peccata mundi,
Dona eis requiem. (×2)

A
gnus Dei, (×4)
Qui tollis peccata mundi,
Dona eis requiem, (×2)
Sempiternam (×2)
Requiem.

And so what?, alguém poderia perguntar. “E daí?” Um menino cantou e encantou, vai fazer sucesso e… o que temos nós a ver com isso? 

A resposta é muito, senão (quase) tudo.

Afinal, você deve ter percebido que a música em questão se dirige a Jesus (ou seja, é uma oração) e não está em nenhuma das línguas modernas. Pie Jesu é latim, o velho idioma que, ainda hoje, muitos dizem que a Igreja tem de abandonar, justamente para “atrair” o mundo moderno. Ironicamente, o vídeo de Malakai Bayoh viralizou sem que a maior parte de sua audiência soubesse minimamente o que é que ele estava cantando.

Isso acontece simplesmente porque o que é belo, o que salta aos olhos (e neste caso aos ouvidos), não precisa ser explicado nem traduzido. Evidentemente, quanto mais se capta o sentido daquilo que se canta, daquilo que se escuta, daquilo que se reza, tanto melhor. Mas alguns hinos e canções não são feitos para nós, homens, mas para Deus; e no processo de sairmos de nós mesmos para louvá-lo, cantando-lhe “hosana nas alturas”, nós mesmos somos elevados, e temos até a sensação de estar “tocando o Céu” de alguma forma. (Não sem razão a voz do menino foi chamada, em vários lugares, de “angelical”.)

Palmas ao rapaz, então! Mas não nos esqueçamos do tributo ao compositor de Pie Jesu: Andrew Lloyd Webber, que ainda está vivo. O motete integra uma Missa de exéquias que ele compôs por ocasião da morte de seu pai, em 1982. (Essas Missas pelos mortos são chamadas simplesmente “de Requiem”, pelas palavras de seu antigo intróito, hoje “antífona de entrada”: Réquiem ætérnam dona eis, Dómine, et lux perpétua lúceat eis, que quer dizer “Dai-lhes, Senhor, o descanso eterno, e a luz perpétua os ilumine”.)

A composição em análise tem uma particularidade: junta dois textos da liturgia católica em um só. Isso porque Pie Jesu é a última estrofe da famosa sequência Dies Iræ, de Tomás de Celano — sobre a qual, aliás, o Padre Paulo já deu uma extensa e riquíssima aula: 

Em tempos idos, esse belo poema era prescrito para toda Missa de 2 de novembro e todas as Missas fúnebres (assim como o Victimæ Paschali Laudes e o Veni Sancte Spiritus são prescritos, hoje, para a Páscoa e Pentecostes). A reforma litúrgica pós-conciliar, no entanto, tirou-o da Missa e pô-lo como mero hino facultativo para o Ofício Divino (e isso, tão somente na última semana do ano litúrgico). Sem dúvida, uma grande perda.

A segunda parte da composição que está emocionando o mundo é nada mais que o “Cordeiro de Deus”, que recitamos ou cantamos em todas as Missas, pouco antes da Comunhão. Na Missa pelos defuntos, ele era ligeiramente modificado em seus pedidos: no lugar de “tende piedade de nós”, dizia-se: dona eis réquiem, “dai-lhes o descanso”; e no lugar de “dai-nos a paz”, dona eis réquiem sempiternam, “dai-lhes o descanso eterno”. (Infelizmente, nenhuma dessas particularidades consta no Missal de Paulo VI.)

Seja como for, a beleza da música sacra continua a impressionar o mundo — senão na maior parte das igrejas, graças à dessacralização hoje reinante, ainda em alguns palcos, aqui e acolá. Pois o belo, o sublime e o sagrado não são relativos. Malgrado toda a decadência em que estamos, o coração humano ainda é capaz de reconhecer a beleza quando a vê ou escuta

Malakai, o nome do menino cuja voz está ressoando em toda a terra, é inglês para “Malaquias”, o último dos livros proféticos da Escritura. Que seu canto seja, pois, “profético” para nós, católicos, especialmente os responsáveis pela música litúrgica, e deixe-nos de sobreaviso. Se calarmos os belos hinos e composições antigas que nos legaram os santos e os poetas cristãos de outrora, saibamos: as pedras os cantarão, o mundo os cantará — e será ele mesmo a pedir que os devolvamos ao seu lugar.

Piedoso Jesus,
que tirais o pecado do mundo, dai-lhes o descanso.

Cordeiro de Deus,
que tirais o pecado do mundo,
dai-lhes o descanso,
o descanso eterno.

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