O dia 14 de julho, provavelmente, passa sem muita festa em sua casa, mas a data — celebração da Queda da Bastilha — marca o início da maior perseguição organizada contra os cristãos desde a época do imperador Diocleciano. Esse dia, começo da Revolução Francesa, também plantou as sementes das ideologias assassinas do socialismo e do nacionalismo que envenenariam os dois séculos seguintes, ceifando a vida de milhões de fiéis e outros civis inocentes. Nesse ínterim, os dois movimentos políticos acumularam um número expressivo de cadáveres.
Em Death by Government [“Morte pelo Governo”, sem tradução para o português], o pesquisador R. J. Rummel afirmou que:
durante os primeiros 88 anos deste século, quase 170 milhões de homens, mulheres e crianças foram baleados, espancados, torturados, esfaqueados, queimados, desnutridos, congelados, esmagados, forçados a trabalhar até a morte, enterrados vivos, afogados, enforcados, bombardeados ou mortos de inúmeros modos por governos que mataram cidadãos ou estrangeiros desarmados e indefesos.
Mas o primeiro genocídio moderno desse tipo ocorreu na França, com início em 1793. Foi levado a cabo por apóstolos do Iluminismo, modernos e progressistas, e teve por alvo camponeses piedosos da região da Vendeia, na França. Quando chegou ao fim, cerca de 300 mil pessoas haviam sido mortas pelos exércitos da República.
Essa história é pouco debatida na França. Na verdade, um dedicado historiador que leciona numa universidade francesa me disse: “Não devemos mencionar a Vendeia. Qualquer um que fale sobre o que ocorreu lá não tem nenhuma perspectiva de carreira acadêmica. Portanto, ficamos em silêncio sobre o assunto”.
É sobretudo na própria região da Vendeia que as lembranças são preservadas, o que possivelmente explica por que essa parte da França até hoje é mais religiosa e conservadora do que qualquer outra do país. Em 1993, no 200.º aniversário dessas atrocidades, o governo local inaugurou um museu para lembrá-las — com direito a uma visita de Alexander Soljenítsin, que em seu eloquente discurso observou que o assassinato em massa de cristãos na Rússia foi diretamente inspirado pelo que ocorrera na Vendeia. Os bolcheviques, disse ele, se espelharam nos revolucionários franceses, e o próprio Lênin considerava os massacres da Vendeia o modo correto de lidar com a resistência cristã.
Foram fazendeiros comuns das regiões da Vendeia e da Bretanha que, em 1793, se insurgiram contra os radicais de classe média em Paris que controlavam o país. Os ideólogos da Revolução já haviam:
- executado o rei e a rainha e deixado seu jovem filho morrer doente na prisão;
- tomado a Catedral de Notre-Dame, removido seus símbolos cristãos e consagrado no altar uma prostituta como “Deusa da Razão”;
- declarado uma “guerra de libertação” revolucionária contra a maioria dos outros países na Europa;
- suspendido todas as celebrações protestantes, em honra ao culto estatal da Razão;
- confiscado todas as propriedades eclesiásticas dos católicos, expulsando milhares de monges, sacerdotes e freiras, abandonados aos próprios cuidados; depois, venderam a propriedade aos seus amigos a fim de angariar fundos para suas guerras;
- determinado que todo o clero jurasse lealdade ao governo, ao invés de à Igreja; e
- implementado o primeiro alistamento militar universal da história, recrutando pessoas comuns — em sua maioria, camponeses piedosos, mas confusos por causa dos slogans que imperavam em Paris — para lutar pela Revolução.
Quando os parisienses foram buscar os filhos dos vendeianos para levá-los ao exército, estes finalmente reagiram e lançaram uma contrarrevolução em nome de “Deus e do rei”. Ela se espalhou rapidamente pelo noroeste da França, restringindo a ação dos exércitos profissionais do governo, que combatia grupos destreinados de guerrilheiros, muitos deles armados apenas com mosquetes de caça.
O primeiro genocídio moderno. — Como escreveu Sophie Masson, descendente dos rebeldes que combateram na resistência vendeiana:
As atrocidades se multiplicaram, os extermínios eram sistemáticos; começaram do topo e eram executados com deleite na base. Ao menos 300 mil pessoas foram massacradas naquele período, e os intrusos que se negavam a fazer o serviço eram baleados ou completamente desacreditados. Mas, mesmo assim, o povo resistia. Ainda havia aqueles que se escondiam nas florestas e armavam emboscadas, que lutavam corajosamente como leões, mas eram abatidos como porcos quando capturados. Não havia misericórdia; todos os líderes eram fuzilados, decapitados ou enforcados. Muitos não podiam sequer descansar em paz: o corpo do último líder foi esquartejado e distribuído a cientistas; a cabeça dele foi conservada num pote, o cérebro foi examinado para verificar se a semente da rebelião se encontrava na mente de um selvagem...
“Ninguém deve ficar vivo”. “As mulheres são sulcos reprodutores que devem ser arados”. “Só devem restar lobos para vagar naquela região”. “Fogo, sangue e morte são necessários para preservar a liberdade”. “Seus instrumentos de fanatismo e superstição devem ser esmagados”. Essas foram algumas das palavras que a Convenção usou ao falar da Vendeia. Seus inofensivos cientistas sonharam com todos os tipos de novas ideias: o envenenamento dos suprimentos de farinha, álcool e água; a construção de um curtume em Angers, que se especializaria no tratamento de pele humana; a investigação de métodos para queimar pessoas em grandes fornos a fim de que a gordura dos corpos pudesse ser retirada com maior facilidade. Carrier, um dos generais republicanos, escarneceu essa pesquisa: esses métodos ‘modernos’ demorariam demais. Seria melhor usar métodos de massacre mais tradicionais: afogamento em massa de homens, mulheres e crianças (todos nus), muitas vezes amarrados juntos, de acordo com o que ele chamava de ‘matrimônios republicanos’; eles eram arremessados de barcos especialmente construídos, puxados até o meio do Loire e então eram afundados; perfuração em massa (com baionetas) de homens, mulheres e crianças; esmagamento das cabeças de bebês em paredes; massacre de prisioneiros com canhões; as torturas mais terríveis e hediondas; queima e pilhagem de vilas, cidades e igrejas.
A perseguição só terminou de fato quando Napoleão chegou ao poder em 1799 — e precisava de paz na França para que pudesse iniciar suas guerras de conquista. Ele arranjou às pressas um acordo com o Papa, e a Vendeia se acalmou.
Como a Revolução se tornou satânica. — Naturalmente, as coisas não deveriam sair dessa maneira. A Revolução começara com uma crise financeira e prometera acabar com uma monarquia absolutista, talvez junto com tropas britânicas. Luís XVI era um rei bondoso, ainda que não fosse muito competente. Ele havia retirado as prolongadas e vergonhosas penalidades legais que pesavam sobre os protestantes e judeus, impostas por seus ancestrais durante uma época de maior intolerância. Ele levou o reino à falência depois de financiar a Revolução Americana. (Por gratidão, o Congresso americano pendurou um retrato do monarca no Capitólio e deu o nome de Bourbon a um condado do sul. O uísque foi inventado lá.) Os legisladores franceses que se reuniram em 1789 pela primeira vez em mais de um século queriam, a princípio, reformar o governo, e não substituí-lo.
Algumas reformas eram realmente necessárias: como observaria Tocqueville, a centralização imposta por Luís XIV e por Luís XV havia abalado a vida política na França, concentrando nas mãos de tecnocratas o poder sobre as vidas de cidadãos quase integralmente em Paris. Como era esperado, arruinaram as coisas.
Diferentemente do reino irmão do outro lado do canal, a França não possuía um parlamento permanente e nenhuma lei comum que protegesse as pessoas de prisões arbitrárias; além disso, a economia era em grande medida dirigida pelo Estado, não por cidadãos livres. A Igreja na França, embora ainda estivesse em comunhão com Roma, era em grande parte controlada pelos reis, que nomeavam bispos e determinavam políticas. Na verdade, os reis de França, Espanha e Portugal se organizaram para obter a supressão dos jesuítas, cuja lealdade a Roma e rejeição do direito divino dos reis punha-os sob suspeita, e cuja defesa dos direitos dos índios atrapalhava o “progresso”.
O vácuo educacional criado pela destruição da Companhia de Jesus foi rápida e ironicamente preenchido pelos filósofos do Iluminismo. A primeira geração que cresceu sem a influência dos jesuítas atingiu a maioridade em 1789. Os abusos que viriam a marcar a Revolução — incluindo a execução em massa de sacerdotes e freiras — foram apoiados por intelectuais educados com os panfletos caluniadores de Diderot, repletos de mentiras pornográficas sobre as “vidas secretas” de monges e freiras.
Na verdade, há uma semelhança assustadora entre a literatura anticlerical que preparou o público para a pilhagem de mosteiros e as mentiras antissemitas espalhadas pelos nazistas. O eufemismo usado para descrever o roubo de propriedades eclesiásticas pelo Estado — “secularização” — encontrou eco, na década de 1930, no termo que o governo alemão usou para se referir ao roubo de propriedades dos judeus: “arianização”. Como os judeus são realmente um povo sacerdotal, não surpreende a existência de tais paralelos satânicos. Assim como os fascistas justificaram suas atrocidades ressaltando a proeminência dos judeus na economia e na imprensa, os esquerdistas ainda defendem a perseguição à Igreja destacando sua influência política. Eles não deveriam sair impunes por isso. Espero em vão pelo historiador que escreverá uma comparação completa entre antissemitismo e anticlericalismo.
Em 1989, ajudei a organizar a Missa fúnebre por todas as vítimas da Revolução. Convidamos o cônsul-geral francês, mas ele alegou que já tinha um compromisso. Na própria Vendeia, um amigo francês me contou que algumas pessoas ainda usam braçadeiras negras no feriado nacional e têm das três cores da Revolução a mesma opinião que os negros americanos têm da bandeira de batalha dos Confederados.
Enquanto tememos pelo futuro da liberdade religiosa na América, lembremos aqueles que morreram pela liberdade e pela fé antes de nós. Deus não permita que tenhamos de seguir os passos deles.
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