Foi profanada, no último dia 22 de setembro, na comuna de Caltanissetta, ilha italiana da Sicília, a igreja de Santa Águeda, virgem e mártir dos primeiros séculos da era cristã. Os autores do crime, dois rapazes, já foram presos e, segundo informação do site Messa in latino, o ato se deu da seguinte forma: depois de roubarem coisas de valor na biblioteca,

eles entraram na igreja, onde começaram a furtar objetos sagrados e cometer atos de vandalismo. Em particular, violaram a urna de vidro onde repousa uma imagem de Nossa Senhora dormindo (Madonna dormiente), da qual arrancaram um braço e roubaram o broche de ouro que lhe fecha o manto. Danificaram o altar, retirando o cibório com hóstias consagradas e o vaso com os santos óleos, arrancaram e ajuntaram todos os candelabros da igreja, escondendo-os atrás de uma porta, provavelmente para voltar e levá-las em um segundo momento. 

As pessoas que não crêem em Deus, em Cristo e na sua Igreja, lêem relatos assim e concluem, dando de ombros: “Mais um caso de furto”. Os mais revoltados talvez digam: “Restitua-se o que foi furtado, punam-se os culpados, e ‘vida que segue’”. 

Fotografia da profanação em Caltanissetta.

Mas a nos diz que há algo mais. Alguns sites católicos italianos notaram com acerto que vândalos de igrejas não são ladrões convencionais. Não se pode ignorar, é claro, que em certos aspectos uma igreja é muito mais fácil de roubar que outros edifícios, onde as coisas de valor são guardadas a sete chaves ou ficam completamente escondidas de olhos curiosos. Na igreja, ao contrário, tudo o que há, embora destinado ao culto de Deus, é também de utilidade do homem: é diante das belas imagens sagradas que os fiéis católicos fazem suas orações, e quanto mais belas e valiosas são, mais elas movem a piedade e convidam à meditação. É preciso investir em segurança, é claro, mas certas medidas, cabíveis em qualquer estabelecimento bancário ou comercial, são completamente inviáveis numa igreja. Além disso, os objetos consagrados ao culto divino têm, geralmente, um valor pecuniário muito alto — e isso certamente atrai os bandidos. 

Ainda assim, é preciso perguntar: por que, entre tantos alvos, escolher justamente uma igreja para saquear? Para levar a cabo um empreendimento desse gênero, é preciso ter perdido, no mínimo, o senso de respeito ao sagrado. Dizemos “no mínimo” porque é sabido que muitos roubos desse tipo acontecem com intenções sacrílegas ainda mais perversas, como usar as espécies eucarísticas para cultos satânicos, por exemplo (sim, há pessoas que realmente cultuam Satanás). E o ponto é que as pessoas que procedem com essa intenção não são movidas simplesmente pela cobiça, mas por um impulso realmente demoníaco. 

Sim, o que aconteceu nessa igreja foi um furto, mas não foi um furto. Até o Estado costuma reconhecer e punir delitos contra o sentimento religioso em geral. Tanto no Brasil quanto na Itália há artigos do Código Penal prevendo isso.

Mas esta não é uma reflexão jurídica. Trata-se, antes, de um texto para que tomemos consciência do peso que têm os sacrilégios — e de que eles são piores quanto mais elevados os objetos profanados, e também (ai de nós!) quanto mais importantes os sujeitos que os cometem.

Comecemos pelos objetos. Com a palavra, S. Tomás, explicando como “as espécies de sacrilégio se distinguem conforme as coisas sagradas”: 

Quanto às coisas sagradas, há diversos graus correspondentes às diferenças dessas coisas. No grau supremo estão os sacramentos, que santificam os homens, dos quais o principal é a Eucaristia, já que nela está o próprio Cristo. Por esse motivo, o sacrilégio contra a Eucaristia é o mais grave de todos. Depois dos sacramentos, vêm os vasos sagrados, que se usam na administração dos sacramentos, as imagens dos santos e as suas relíquias nas quais se honram ou desonram os próprios santos. Em seguida, o que pertence aos ornatos das igrejas e seus ministros. Finalmente, os bens móveis ou imóveis destinados ao sustento dos ministros. Quem quer que viole o que está aqui enumerado, peca e incorre no crime de sacrilégio (STh II-II 99, 3 c.).

O que aconteceu na Sicília, portanto, à luz da fé, é de suma gravidade. A punição dos culpados segundo as leis civis é importante, sem dúvida, mas não é o suficiente para consertar a ofensa que ali se fez a Deus. É por isso que, sempre que acontece um sacrilégio contra o Santíssimo Sacramento, a primeira coisa que os padres fazem é convocar os fiéis para fazer atos de desagravo. Essa mobilização nasce da consciência de que Deus merece o nosso respeito e amor; mas quando, ao invés, os homens o ultrajam, é dever dos que o amam consolá-lo… Como os anjos consolaram Nosso Senhor no Horto, como a Verônica enxugou a face de Cristo na Via Crucis

É pelos contínuos pecados dos homens que Jesus teria dito ao Padre Pio: “Estarei em agonia até o fim do mundo”. Não porque Cristo, no Céu, ainda sofra; o que acontece é que os pecados que cometemos hic et nunc, aqui e agora, estavam na mente de Nosso Senhor quando Ele viveu a sua dolorosa Paixão. As Hóstias consagradas que foram profanadas em Caltanissetta parecem não dizer respeito a nós, porque nunca ouvimos falar desta cidade, porque ela está muito distante, porque temos mais com que nos preocupar… Mas não, elas foram vistas por Jesus quando Ele ofereceu o seu sacrifício no Calvário.

E se esse sacrilégio foi visto, também o foram todos os outros que acontecem em nossas igrejas, tão perto de nós, e às vezes até por nossa culpa, por nossa negligência, por nossa indiferença. Nosso Senhor viu as nossas comunhões mal feitas e distraídas, viu as comunhões que tomamos em pecado mortal, viu as partículas eucarísticas que caíram de nossas mãos quando as esfregamos em nossa roupa. O mesmo santíssimo Corpo que Ele deitou no madeiro para ser crucificado, o mesmo preciosíssimo Sangue que Ele derramou por nossa salvação, Ele viu cair e derramar-se no chão de nossas igrejas, pelo descuido, pela falta de zelo e pela impiedade de seus ministros. E tudo isso, atenção, certamente pesou muito mais em seu Coração do que o sacrilégio desses dois jovens de Caltanissetta.

Não, não se trata de minimizar a gravidade do que esses rapazes fizeram. Mas é que existe uma outra dimensão do sacrilégio que precisamos considerar: ele é tanto pior quanto maior a dignidade do sujeito que a comete. Por isso, é muitíssimo mais grave a profanação cometida por um cristão batizado que a feita por um pagão; muitíssimo mais pesado o sacrilégio perpetrado por um sacerdote que o realizado por um leigo; muitíssimo mais séria a infidelidade de um pai de família que a de uma criança etc. O porquê disso é S. Tomás, novamente, quem o explica: 

Primeiro, porque há nos grandes mais facilidades para resistir ao mal, por exemplo, naqueles que se distinguem pela ciência e pela virtude. Por isso, fala o Senhor: “O servo que conhece a vontade de seu senhor e nada faz, será castigado mais rudemente” (Lc 12, 47). Segundo, porque há ingratidão. Com efeito, tudo o que traz grandeza ao homem é um benefício de Deus, ao qual o homem, pecando, torna-se ingrato. A este respeito, qualquer grandeza, mesmo a que está nos bens temporais, agrava o pecado: “Os poderosos serão poderosamente castigados” (Sb 6, 7). Terceiro, porque há particular repugnância entre o ato do pecado e a grandeza da pessoa: por exemplo, quando um príncipe se põe a violar a justiça, ele que é seu guardião, ou quando um sacerdote entrega-se à fornicação, ele que fez voto de castidade. Quarto, porque há o exemplo, ou o escândalo, como diz Gregório, quando um pecador está constituído em honra por causa do lugar respeitável que ocupa, seu pecado é um exemplo mais extenso. Com efeito, o pecado dos grandes chega ao conhecimento de maior número de pessoas que com ele ficam mais indignadas (STh I-II 73, 10 c.).

Isso quer dizer que, pelas graças maiores que foram dadas a nós, católicos, pelas numerosas bênçãos de que Deus nos cumulou, pela dignidade a que fomos elevados pelo Batismo, pela responsabilidade que temos, enfim, com as almas dos outros, nossos “esquecimentos, friezas e desprezos” — como diz o Ato de Reparação ao Sagrado Coração de Jesus — são muito mais ofensivos a Nosso Senhor.

Por isso, antes mesmo de começarmos a rezar em reparação pelo sacrilégio de Caltanissetta, ponhamos a mão na consciência, por assim dizer, e façamos cessar os meus sacrilégios, os sacrilégios da minha família, os sacrilégios da minha paróquia, os sacrilégios da minha diocese, os sacrilégios do meu país — tudo na medida das possibilidades de cada um, é claro. Os pecados dos outros devem servir para nós de lição primeiro, para que não os repitamos

Mas esses pecados — especialmente os sacrilégios, especialmente as profanações do Santíssimo Sacramento — também precisam ser reparados! 

Alguém pode perguntar: se Cristo já pagou por esse sacrilégio terrível que foi cometido, por que precisamos nós tomar os nossos Terços, dobrar os nossos joelhos, gastar a nossa saliva rezando, sacrificando-nos e procurando aplacar a Deus? Ao que responderemos assim: Deus, sendo todo-poderoso, evidentemente não precisa de nós para salvar o mundo, e no entanto Ele quis precisar de nossas mãos, de nossas bocas e de nossos joelhos para fazê-lo. Isso significa que, assim como S. Paulo, todos nós podemos completar em nossa carne aquilo que “falta” à Paixão do Senhor (cf. Cl 1, 24). 

O que poderia ter faltado à Paixão de nosso Redentor? 

Nada, poderíamos dizer, por um lado. Mas tudo, devemos dizer, por outro. Porque, se a minha união à Paixão de Cristo não acontecer; se eu não beber o cálice do Sangue que Ele derramou pela minha salvação, todos os sofrimentos que Ele suportou, todas as injúrias que Ele sofreu, todos os ultrajes que recebeu, tudo isso terá sido, para mim, em vão.

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