O terrorismo islâmico mais uma vez fez as suas vítimas na Europa: desta vez, na cidade francesa de Nice, foram assassinadas mais de 80 pessoas. O Estado Islâmico já assumiu a autoria do ataque e os franceses novamente depositam sobre o asfalto, onde morreram brutalmente seus entes queridos, flores e lágrimas, de luto e de incompreensão.
Não é sobre o Islã, contudo, que pretendemos falar nestas breves linhas. Nossa pretensão aqui é fazer uma análise mais profunda, de natureza histórica e espiritual.
Comecemos com uma frase dita por Nossa Senhora das Graças a Santa Catarina Labouré, a religiosa francesa e vidente da Medalha Milagrosa, no dia 19 de julho de 1830: "Os tempos são maus", ela diz. "Haverá desgraças de toda espécie no mundo inteiro."
É importante que a Santíssima Virgem se refira à maldade deste período determinado da história em que vivemos. Embora sejam muitos os eventos do último século que mostrem como o homem se tem afastado de Deus — a Renascença e a Reforma são apenas alguns exemplos —, um deles, emblemático, estava sendo comemorado no momento exato em que ocorreu o atentado de Nice: a "Tomada da Bastilha". Feriado na França, aconteceu no dia 14 de julho de 1789 e selou o que hoje se conhece pelo nome de "Revolução Francesa".
O que foi esse acontecimento não é o tema deste artigo. Para mostrar o que ele significou, no entanto, basta-nos lembrar a "Constituição Civil do Clero", de 1790, que transformou boa parte dos sacerdotes católicos em "funcionários públicos" do Estado francês — numa nítida reprodução da primeira Besta do Apocalipse (cf. Ap 13, 1-10) — ou os "períodos de terror" que se multiplicaram nos anos seguintes à Revolução, levando à guilhotina, por exemplo, as 16 freiras carmelitas de Compiègne, acusadas de "fanatismo" e assassinadas enquanto invocavam o auxílio do Espírito Santo.
De lá para cá, o afastamento de Deus por parte do homem só se acentuou ainda mais. Primeiro, como denunciou certa vez o Papa Pio XII, gritou-se: "Cristo sim, a Igreja não! Depois: Deus sim, Cristo não! Finalmente, o grito ímpio: Deus está morto; e, até, Deus jamais existiu" [1].
As consequências disso são visíveis nas leis produzidas mundo afora. As autoridades civis há muito deixaram de consultar qualquer tipo de norma superior e transcendente para orientar sua conduta e ação pública: não há mais nem religião nem natureza à qual devam obedecer, nem um Deus ao qual tenham de um dia prestar contas. Não havendo nada, portanto, para além de suas "mentes iluminadas", tudo está permitido: desde o assassinato de seres humanos indefesos no ventre de suas mães, pelo aborto, até o abuso e a corrupção das crianças, pela ideologia de gênero. As leis deixaram de ser ditadas pela razão — como Santo Tomás sabiamente prevê que as leis devem ser feitas [2] — para serem impostas pelo mero arbítrio dos legisladores.
Esse quadro só existe, obviamente, porque a sociedade como um todo está em franca decadência moral: antes que Deus fosse destronado da vida pública das nações, Ele já havia sido expulso das casas cristãs, substituído pela ilusão da tecnologia e transformado em um mero acessório de domingo; antes do Estado laico, o que pavimentou o caminho para o "ateísmo moderno" foram as famílias laicas, as famílias de "católicos mornos", mais dispostos a agradarem ao mundo e conseguirem felicidade nesta vida do que a agradar a Deus e educar seus filhos — seus já reduzidos filhos — para o Céu.
Neste sentido, as linhas seguintes, de autoria do padre francês Stéphane Joseph Piat, o conhecido biógrafo da família de Santa Teresinha, são de uma atualidade fora do comum:
"A França [e por França se entenda aqui o Ocidente como um todo] reinava no mundo quando era o país dos lares estáveis e dos berços. O declínio inexorável principiou quando ela deixou desmoronar a casa e procurou diminuir as fontes da vida. Que vale o ardor no trabalho, a coragem física, o heroísmo militar, se a raça se entrega despreocupadamente ao suicídio coletivo que é o medo dos filhos?" [3]
Qual seja a solução para esse "egoísmo profundo que considera o filho como um estorvo", é esse mesmo sacerdote quem indica:
"Não é uma política de natalidade de vistas curtas que pode sobrepujar este obstáculo; torna-se indispensável o recurso intensivo às forças espirituais. Um vasto inquérito nacional sobre as causas da diminuição da natalidade não levaria a colocar em primeiro plano o esquecimento das normas religiosas? A família ou há-de ser cristã ou deixará de existir. Ou a França regressa ao Evangelho ou continuará a resvalar para o abismo." [4]
"A família ou há-de ser cristã ou deixará de existir". A França, e com ela todo o Ocidente outrora cristão, ou "regressa ao Evangelho ou continuará a resvalar para o abismo". Só uma sociedade com fortes laços cristãos é capaz de resistir às ideologias e às armas que a ameaçam. Os países que evangelizaram o mundo se iludem construindo alianças políticas e econômicas — como é a União Europeia — quando, na verdade, o seu primeiro grande ponto de convergência deveria ser o Cristo, aquele que primeiro os conquistou com o Seu sangue derramado na Cruz.
Não nos esqueçamos nunca, portanto, que o drama mais terrível que pode acontecer a uma sociedade não é que ela se afunde em crises econômicas ou colapsos políticos, mas que dê de ombros para as almas. O que Cristo veio trazer a este mundo, afinal, não foi sucesso nem prosperidade, mas salvação espiritual.
E é justamente às palavras de nosso divino Redentor que recorremos ao término desta reflexão, a fim de lembrar que atitude devemos tomar diante de tragédias e catástrofes como a de Nice, que se tornaram infelizmente tão comuns ao redor do mundo. Ao comentar duas fatalidades de Seu tempo, uma de natureza criminosa — que foi o assassinato de alguns galileus por Pôncio Pilatos, enquanto ofereciam sacrifícios religiosos —, outra de ordem acidental — como foi o esmagamento de dezoito homens pela queda da torre de Siloé —, Nosso Senhor Se perguntava se aqueles atingidos por essa sina eram por acaso mais pecadores que os outros homens. A Sua resposta foi a seguinte:
"Pensais que esses galileus eram mais pecadores do que qualquer outro galileu, por terem sofrido tal coisa? Digo-vos que não. Mas se vós não vos converterdes, perecereis todos do mesmo modo. E aqueles dezoito que morreram quando a torre de Siloé caiu sobre eles? Pensais que eram mais culpados do que qualquer outro morador de Jerusalém? Eu vos digo que não. Mas, se não vos converterdes, perecereis todos do mesmo modo." (Lc 13, 2-5)
Quem tiver ouvidos para ouvir, ouça! Nenhum dos fatos que acontecem na história dos homens é sem razão ou sem propósito. Deus nos convida à penitência! Não sejamos surdos ao Seu apelo!
Regressemos, enfim, à mensagem da Virgem da Medalha Milagrosa. "Quando tudo parecer perdido", diz ela a Santa Catarina Labouré, "lá eu estarei convosco".
A promessa da Mãe de Deus permanece. Que as famílias que perderam seus entes nesse terrível atentado sejam acolhidas pelo abraço materno de Nossa Senhora. Que ela console os corações aflitos e que as almas dessas pessoas, pela misericórdia de Deus, descansem em paz.
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