O fenômeno dos estigmas é portentoso. Sempre impressionou muito a ciência e a teologia, e exerce um grande fascínio sobre as massas. Evoca Cristo, na sua expressão mais emblemática: a de Salvador, mediante o sofrimento mais total. 

É um fenômeno polêmico, também pelo fato de não se conseguir definir exatamente a sua natureza e origem. A Igreja sempre se mostrou muito prudente. Com efeito, embora tenha elevado à glória dos altares cerca de setenta santos que também receberam os estigmas, só no caso de São Francisco de Assis reconheceu a natureza sobrenatural do fenômeno.

O Padre Pio representa um caso muito próprio. Os seus estigmas mantiveram-se vivos e a sangrar durante mais de meio século. Durante a vida do Padre, e devido a uma situação particular, aquelas chagas suscitaram polêmicas ferozes. As Congregações eclesiásticas, chamadas a julgar o caso, sobretudo o Santo Ofício, deram sempre pareceres negativos, excluindo o caráter sobrenatural da sua origem. 

Entretanto, as coisas mudaram. A canonização fez com que a verdade viesse à tona. Os estigmas são essenciais para a santidade do Padre Pio, constituindo um ponto fulcral da sua personalidade. São o sinal característico da sua missão de “corredentor”. O Padre Pio é o primeiro sacerdote estigmatizado da história, estando destinado a guiar os crentes do Terceiro Milênio pelas sendas complicadas da teologia do sofrimento

Padre Pio rezando Missa.

Os estigmas são um mistério, não só pela sua natureza, mas também pelo seu significado teológico. Para nós, pobres cronistas, é verdadeiramente impossível entrar em investigações tão delicadas. Para entender e fazer entender um pouco, recordo o que me disse certo dia uma eminente personalidade da Igreja, o Cardeal Giuseppe Siri, então Arcebispo de Gênova.

Corriam os anos em que, para o Santo Ofício, o Padre Pio estava cercado por terra queimada. Nenhuma autoridade eclesiástica tinha a coragem de confessar publicamente que acreditava no Padre Pio. O Cardeal Siri, homem de ferro, com vários outros expoentes de destaque, como o Cardeal de Bolonha, Giacomo Lercaro, não tinham medo de ninguém e estavam orgulhosamente do lado do frade estigmatizado.

A sua visão estava certa. A história viria a dar-lhes razão. Falando-me dos estigmas do Padre Pio, o Cardeal Siri desenvolveu um raciocínio que põe em evidência o altíssimo significado religioso do fenômeno e a sua importância histórico-religiosa. É um discurso que ilumina muito bem o mistério cristão do sofrimento e oferece, portanto, a chave para compreender a verdadeira grandeza do Padre Pio. 

“Com os estigmas com que viveu durante toda a vida, e com os outros sofrimentos morais — disse-me o Cardeal Siri —, o Padre Pio chama a atenção dos homens para o Corpo de Cristo, como meio de salvação.

Cristo morreu na Cruz pelos homens e, sobre esta verdade, uma das verdades principais da religião cristã, se apoia toda a teologia da Redenção. É uma verdade tão importante que, quando os homens, ao longo da história, a esqueceram ou tentaram deturpar, Deus interveio sempre através de acontecimentos, fatos e milagres. A história da Igreja está cheia destas intervenções divinas, destinadas a chamar a atenção para o Corpo de Cristo

No século XIII, por exemplo, século das grandes discussões teológicas, das primeiras universidades, em que os filósofos se interrogavam sobre os ‘universais’, a doutrina cristã estava prestes a ser contaminada por demasiados sofismas e intelectualismos, e a verdade sobre o Corpo de Cristo tinha sido esvaziada da sua objetividade. Eis então que surge São Francisco, propondo como ideal ‘viver o Evangelho à letra’; além disso, recebendo os estigmas, chama a atenção para o Corpo de Cristo.

“A Visão de Santa Juliana de Cornillon”, por Philippe de Champaigne.

Durante esse mesmo período, na Bélgica, a beata Juliana Cornillon, irmã agostiniana, tornava-se promotora de uma festa para celebrar a humanidade de Cristo.

Fôra o próprio Jesus que, em diversas aparições, lhe pedira que o fizesse. Em 1247, a irmã Juliana conseguiu obter, mas só para a diocese de Liège, a instituição de Corpus Domini, uma festa que celebra o Corpo físico de Cristo. 

Em agosto de 1263, um sacerdote alemão, enquanto celebrava Missa numa pequena igreja sobre o lago de Bolsena, foi tomado pela dúvida de que, naquela hóstia consagrada, estivesse realmente presente o Corpo de Cristo. 

No momento da consagração, enquanto elevava a hóstia, brotaram dela rios de sangue, que encharcaram a toalha do altar.

O prodígio fez acorrer muita gente. O lugar foi imediatamente vedado, para que ninguém tocasse em nada, e foram chamar o Papa Urbano IV, que se encontrava em Orvieto, a cerca de trinta quilômetros de Bolsena. O Papa acorreu ao local, observou, interrogou as testemunhas, convenceu-se da autenticidade do fenômeno, associou-o às visões tidas pela sua penitente, irmã Juliana, e compreendeu que se tratava de um novo sinal. No ano seguinte, através da bula Transiturus, estendeu a festa de Corpus Christi a toda a Igreja. 

Na segunda metade do século XVII, na França, mas também no resto da Europa, tinha-se difundido o jansenismo que, com a sua teoria, atacava o valor universal da Redenção de Cristo. Então Jesus interveio através de várias aparições à mística francesa Margarida Maria Alacoque, à qual pediu que difundisse a devoção ao seu Coração. É uma nova e forte chamada de atenção para o Corpo de Cristo, na sua parte mais sensível: o coração, sede dos afetos. Após muitas lutas e peripécias, a Igreja instituiu a festa do Sagrado Coração. 

No nosso tempo, a tentação de esquecer a realidade do Corpo de Cristo é enorme. Muitos teólogos modernos, sobretudo com mentalidade hegeliana, foram promotores de teorias enganosas e nocivas, e Deus interveio e continua a intervir mediante inúmeros sinais. Um destes, sem dúvida o mais evidente, foi o Padre Pio que, durante mais de meio século, trouxe no seu corpo os estigmas de Cristo, como significado de que o sofrimento não é uma coisa estéril e absurda, mas o meio de alcançar a Redenção.”

Com os seus estigmas, o Padre Pio recorda ao homem do Terceiro Milênio, transtornado pelas miragens do progresso científico e tecnológico, que o Calvário ainda continua a ser o único viático misterioso para alcançar a salvação total.

Referências

  • Extraído e levemente adaptado de: Renzo Allegri. Padre Pio: um santo entre nós. Trad. de Maria do Rosário Pernas. Lisboa: Paulinas, 1999, pp. 175-178.

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