Todos os anos, a Igreja Católica e várias comunidades eclesiais promovem a chamada Semana de oração pela unidade dos cristãos. No hemisfério norte, a celebração costuma ocorrer entre os dias 18 e 25 de janeiro, em memória da conversão de São Paulo. No Brasil e em outros países do hemisfério sul, acontece na semana anterior à solenidade de Pentecostes.

Vale lembrar que 2023 marca o centenário da publicação do primeiro livro apologético do Pe. Leonel Franca, A Igreja, a Reforma e a Civilização, um tratado de eclesiologia que causou sensação entre os brasileiros, sobretudo por ter “tonteado o mundo protestante” [i]. A obra só veio a lume porque, em 1920, o então líder da igreja presbiteriana, Eduardo Carlos Pereira, atacara a Igreja e a Companhia de Jesus no livro O problema religioso da América Latina. Segundo o pastor, a causa do atraso do povo latino-americano era, supostamente, a religião católica. Quando Leonel Franca o leu, sentiu o dever de “consagrar-lhe à crítica os lazeres que me deixavam os estudos universitários” (106).

Talvez a maior parte dos nossos católicos não faça ideia de quem foi o Pe. Leonel Franca. Já tivemos a oportunidade de falar dele. Homem de saber enciclopédico, contribuiu como poucos para a cultura, educação e direito brasileiros, tendo ocupado cargos no Conselho Nacional de Educação e realizado a obra de sua vida, a fundação da PUC-Rio. O eminente bispo de Cuiabá, Dom Aquino Corrêa, chegou a dizer que o Pe. Leonel Franca realizava em si mesmo “o sábio e o santo, a ponto de lembrar aquela estrela alfa da constelação universal dos jesuítas, que foi Belarmino” (9).

Mas em 1920 Leonel Franca era simples seminarista. Por ocasião dos estudos teológicos, viajara a Roma, lá permanecendo até a ordenação, três anos mais tarde. Nesse meio tempo, tomou conhecimento do livro do pastor Pereira ao ler uma resenha na Revista da Língua Portuguesa. Curioso, pediu que lhe enviassem um exemplar a fim de tomar notas e entender por que a obra parecia gerar frisson nos leitores brasileiros. Por amor à Igreja e pelo desejo de restabelecer a verdade, o jovem teólogo dedicou-se a redigir uma resposta, como ele mesmo contou em carta a um padre amigo:

Muito provavelmente V. R. ouviu falar do livro O problema religioso na América Latina, do sr. Eduardo C. Pereira. Soube do mal que ia fazendo este envenenado livro, tecido das mais ignóbeis calúnias contra a Igreja e também a Companhia. Li-o e fiquei indignado. Ótima ocasião para pôr a minha pobre pena a serviço da Santa Igreja, que foi sempre a minha maior ambição (107).

Dito e feito. Depois de ter estudado a questão do protestantismo histórica e dogmaticamente, Leonel Franca lançou finalmente o seu “livrinho”, como gostava de dizer, angariando a atenção de leitores não só brasileiros como também europeus. A revista Civiltà Cattolica, por exemplo, lhe fez o seguinte elogio: “O amplo tratado tornou-se uma verdadeira apologia da Santa Igreja e será de grande utilidade para adestrar os briosos na defesa da fé” (111). A Universidade Gregoriana também não economizou palavras: 

A abundância de citações de documentos originais […], o vigor da argumentação lógica […] e a bibliografia farta, mas escolhida com ótimo critério, fazem do livro do Pe. Franca um dos primeiros, para não dizer o primeiro de todos os escritos em língua portuguesa que modernamente tenham tratado de matéria tão importante (112).

Entre os protestantes, o livro de Leonel Franca foi recebido quase como um “cala-boca”. Mesmo que o pastor Carlos Pereira, morto naquele mesmo ano, tivesse tido tempo de escrever uma tréplica, ela dificilmente daria ao público o mesmo vigor da pena do Pe. Franca. Tanto o falecido gramático como o protestantismo estavam, àquela altura, desmoralizados. A primeira resposta escrita só apareceu sete anos depois, em 1930, por disposição do sr. Ernesto Luís de Oliveira. Enquanto isso, ia-se disseminando à boca miúda em círculos “evangélicos” que os bispos do Brasil tinham mandado o Pe. Franca a Roma só para vasculhar as bibliotecas do Vaticano à cata de material para o livro — uma invencionice, obviamente.

O Pe. Leonel Franca.

A década de 1930, em todo o caso, presenciou um debate profícuo entre autores protestantes e o exímio filho de Santo Inácio, mais profícuo, em verdade, para o padre que para o outro lado, dada a gritante inferioridade deste. Já em 1932 o sacerdote publicou sua resposta ao sr. Ernesto com o título Catolicismo e Protestantismo. O brilhantismo da argumentação e a força dos fatos mais uma vez lhe renderam a vitória e os agradecimentos de ninguém menos que o Cardeal Sebastião Leme: “É obra digna da Igreja e do Pe. Franca. Já agradeci a Deus mais esse presente do céu” (207). Até mesmo o autor espírita Leopoldo Machado lhe prestou reconhecimento: “É um gozo intelectual, não há dúvida, ler o Pe. Leonel Franca, S.J., já por sua prosa elevada, puríssima, contundente, já por sua maneira superior e serena de argumentar” (207).

Depois do sr. Ernesto Oliveira, outros dois pastores, o prof. Othoniel Motta e o sr. Lysanias Cerqueira Leite, intentaram um último ataque contra a Igreja, novamente sem sucesso. No fim das contas, os livros do Pe. Leonel Franca foram tão arrebatadores, que o próprio secretário do sr. Lysanias e ex-aluno do prof. Motta, dr. José Lopes Ribeiro, não teve alternativa senão ingressar na Igreja Católica. Eis um trecho de sua confissão:

[…] o amor à verdade nos leva a confessar que, nem a obra do dr. Lysanias de Cerqueira Leite nem a do conhecido professor e escritor, nenhuma delas, sob qualquer aspecto, pode comparar-se em lógica, na exposição de textos bíblicos ou na interpretação dos fatos históricos a mais esse monumento que o grande e humilde filho de Santo Inácio levanta, ad majorem Dei gloriam, à causa de Nosso Senhor na terra de Santa Cruz […]. O Protestantismo no Brasil, resposta a dois dos mais bem conceituados pastores protestantes brasileiros […], nos leva à convicção de que nada se pode esperar do sem-número de ramificações em que se multiplicou ao infinito a heresia de Lutero. Se dois homens cultos e honrados discutem assim, que se pode esperar dos mercenários, indígenas e alienígenas, que pululam por aí além? [ii]

Como se vê, o trabalho apologético do Pe. Leonel Franca foi fundamental para preservar a fé católica no Brasil e chamar de volta ao redil de Cristo as ovelhas desgarradas pela revolta luterana. Ao esclarecer a verdade dos fatos, sem medo de ser polêmico, Leonel Franca foi um “dique” contra o tsunami de seitas que ameaçavam o povo brasileiro. E ele o fazia simplesmente pelo bem das almas.

Hoje o quadro é outro. A apologética abriu mão de seus direitos em favor do “diálogo”, de modo que pouco ou nada se faz para defender a fé dos católicos, especialmente dos mais simples. O irenismo hoje grassante se vislumbrava já nos últimos anos do Pe. Leonel, quando as editoras, vendidas ao politicamente correto, passaram a condenar “a priori qualquer censura, qualquer ‘reação’ e, por conseguinte, qualquer polêmica religiosa” (227). Com isso, diz o biógrafo do jesuíta, os mesmos que antes lhe aplaudiam os livros “agora talvez os deprimam, se não os reprovam abertamente” (227).

Mas tudo tem um preço, e o de abandonar o combate ao erro é vê-lo triunfar. Ano após ano, seitas protestantes vão ganhando espaço na sociedade e no coração do brasileiro, enquanto os católicos mal vão à Missa de domingo… De acordo com o mais recente estudo do programa World Values Survey [“Pesquisa de Valores no Mundo”], apenas 8% dos católicos brasileiros frequentam a celebração dominical, número escandaloso e sinal claro do fracasso das estratégias de evangelização e catequese no país.

Na oportunidade de rezar pela unidade dos cristãos, é fundamental recuperar, pois, esta certeza: sem a verdade, sem a sua defesa intransigente, a única união que se pode alcançar é a do erro.

Notas

  1. Pe. Luiz G. da S. D’Elboux, O padre Leonel Franca. Rio de Janeiro: Agir, 1953, p. 223. As demais referências de páginas se encontram no corpo do texto, entre parênteses após as citações.
  2. Ibid., p. 227. As palavras “indígenas” e “alienígenas” estão sendo usadas aqui como adjetivos, sinônimos respectivamente de “nativos” e “estrangeiros”, e não no sentido mais comumente empregado hoje em dia (como substantivos, significando “índios” e “seres extraterrestres”).

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SR
Salve Rainha
5 Set 2023
(Editado)

Triste realidade...

O problema que vejo é que os leigos não possuem mais interesse na própria fé e, sobretudo, não a conhecem. Por isso, quando os católicos são atacados pelas miríades de acusações protestantes, muitos não sabem como se defender e, os mais influenciáveis, acabam se convertendo ou corroborando implicitamente com as falácias, na tentativa de cessar a discussão irascível. 

Porém, não acho que a culpa seja exclusivamente da ignorância dos fiéis católicos e do trabalho aquém dos catequistas atuais, pois vejo que essa indisposição se alastrou também pelas paróquias. Os párocos e demais não se esforçam mais para evangelizar, pode-se contar nos dedos as iniciativas para atrair a comunidade e, principalmente, os jovens. Talvez seja um problema da minha cidade, mas quando eu decidi me converter a fé católica, tive uma dificuldade enorme. Tive que ir várias vezes questionar sobre a catequese de adultos e também para conversar com o padre, que me tratou de forma indiferente. Eu acredito que essa atitude seja compreensível levando em consideração o notável desinteresse do atual católico, mas não deixa de ser preocupante essa atitude alheia de quem deveria estar batalhando para salvar mais almas. Em contra partida, qualquer pessoa encontra nas protestantes uma comunidade extremamente devota, pró-ativa e, acima de tudo, acolhedora. Esse é talvez o maior problema e que está afastando a maioria dos católicos: a falta de acolhimento. A impressão que tenho é que a maioria das paróquias estão lá somente para servir à demanda da envelhecida comunidade, dos poucos devotos que ainda frequentam, e só. Não vejo preocupação ardente com o total abandono da fé dos jovens e a penetração cada vez mais violenta das vertentes protestantes. 

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