A função do pai está vinculada à vocação de Adão no plano da Criação: dar nome às criaturas de Deus por meio do conhecimento e cuidar do jardim do mundo por meio da arte. O conhecimento humano, porém, pode transformar-se em “soberba da vida” (1Jo 2, 16), e a tecnologia, quando utilizada como instrumento de exploração, pode transformar-se numa espécie de estupro da natureza. Ao combater cada uma dessas tentações primárias, o homem (vir, varão) deve confiar humildemente em Deus, buscar sua sabedoria e auxílio superiores, viver castamente e mortificar os instintos dominantes. Suas habilidades são usadas da melhor forma possível quando postas aos pés de outra pessoa.
Ao abordar os temas do conhecimento e da técnica, o Papa João Paulo II manifestou o mesmo pensamento em Cruzando o Limiar da Esperança:
O homem é o sacerdote de toda a criação. Cristo concedeu-lhe essa dignidade e vocação. A criação completa seu opus gloriae [“obra da glória”] por ser o que é e por cumprir seu dever de tornar-se o que deveria ser. Em certo sentido, a ciência e a tecnologia também contribuem para a consecução desse objetivo. Mas ao mesmo tempo podem nos afastar desse objetivo, já que são obras humanas. Esse risco existe particularmente em nossa civilização, e isso faz com que seja mais difícil ela se tornar uma civilização da vida e do amor. Falta precisamente o opus gloriae, que é o destino fundamental de toda criatura e, acima de tudo, do homem, que foi criado para se tornar, em Cristo, sacerdote, profeta e rei de todas as criaturas terrenas.
O cavalheirismo, uma tradição inspirada na honra cristã, é caracterizado pela dedicação desinteressada ao bem do próximo, particularmente ao dos mais vulneráveis. É o que descreve Tracey Rowland em seu livro Portraits of Spiritual Nobility: Chivalry, Christendom, and Catholic Culture (Angelico Press, 2019, sem tradução portuguesa). A pessoa verdadeiramente cavalheiresca põe “as vidas e o amor” dos outros acima de sua própria vida e de seu amor-próprio.
A vocação do pai é uma das formas do chamado universal à santidade, um chamado que se materializa principalmente nos atos de amor. A santidade não é uma abstração: significa ser fiel aos deveres na vida, fazer sacrifícios pelas pessoas amadas, proporcionar o florescimento de outras almas, ajudar quando necessário. Desta maneira, o pai se faz presente para sua esposa e seus filhos, assim como o santo se faz presente para o mundo — cada um representa Cristo para os outros. Numa família em que o amor cristão é a medida e a meta, a possibilidade de desespero é praticamente impensável. Ainda sofremos, pois a fé cristã não oferece nenhuma panaceia. Mas o nosso sofrimento é parte da vida que estamos dispostos a abraçar por amor a Deus, que transforma o sofrimento numa fonte de mérito e de glória.
A paternidade é uma realidade salvadora na medida em que um homem cumpre seu papel como “salvador” do mundo mutável da vida cotidiana; unido a Cristo, ele redime a rotina e exalta os humildes. Se, pela graça de Deus, uma devoção firme como essa se tornar tão real e tangível quanto a união pela qual homem e mulher possuem um ao outro, tão real quanto a concepção e o nascimento do fruto dessa união, então a família escapará da pobreza interna para a qual ela se encontra perigosamente aberta, particularmente numa época em que a mentira usurpou o lugar da verdade e os compromissos mundanos macularam os corações humanos.
Por fim, o que um homem deve lutar para salvar? Ele deve salvar ou restaurar a vida em comunidade, a vida como dom. Ele resgata a vida da passividade, protege-a da melhor forma possível da violência do infortúnio, confere-lhe uma direção, habitua a si e aos filhos à prática da religião. Gabriel Marcel explica que a paternidade
só existe como cumprimento de uma responsabilidade contínua e sustentada… Provavelmente a melhor forma de entendermos o que deveria ser o puro ato de paternidade é o contraste com a inércia e a cegueira. Com isso me refiro a uma dedicação que pode ser comparada com um dom, porque prepara e requer um comprometimento e porque, sem isso, ela se torna nula.
Na raiz da paternidade encontramos o voto criativo — uma frase simples que captura todo o caráter dessa vocação. Marcel novamente:
Podemos ver com suficiente clareza que o vœu créateur implica a combinação de uma profunda humildade pessoal e uma confiança inabalável na vida, concebida não como uma força natural, mas como uma ordem insondável, divina em seu princípio.
Quando a paternidade é assumida e sancionada com seriedade por meio da autodoação, torna Deus mais presente no mundo, por assim dizer, levando algo de sua justiça, misericórdia e amor para os âmbitos natural e social nos quais nos movemos. São Paulo instrui os cristãos a “redimirem o tempo” (Ef 5, 15-16). O que é a paternidade senão um caminho — talvez o principal — para um homem arraigar seu amor temporal na imortalidade, deixando um testamento de sacrifício e oferecendo um testemunho daquela riqueza interior que não tem preço? Generosidade e amor gratuito são o legado de Nosso Senhor para seus seguidores. Um homem que se dedica à família aprende — e ao mesmo tempo ensina — a sabedoria de Cristo.
Como o mundo contemporâneo é fascinado pela mágica da tecnologia, pelo ardil da conveniência, pelo alvoroço da gratificação e pelo repúdio do sagrado (o qual está na raiz dessas coisas), não deveríamos nos surpreender ao encontrar em nosso entorno os fenômenos da irresponsabilidade, do desânimo em relação à vida, do ceticismo profundo, da solidão e da traição. Quando conhecemos homens e mulheres que de algum modo se afastaram incólumes do caos, ficamos felizmente surpresos e gratos. “A vida do homem é uma luta”, diz Jó. De fato, hoje mais do que nunca, os pais católicos são chamados a ser soldados de Cristo, protegendo suas famílias e defendendo as verdades de nossa fé a tempo e a contratempo.
Quando a observamos a partir de sua natureza e de sua suprema importância, percebemos que a paternidade é uma expressão de piedade em relação à Criação e sua santidade inviolável, além de uma exaltação da Santa Cruz. Segundo a expressão sugestiva de Marcel, é uma “santificação do real”. Santificar o mundo é ao mesmo tempo uma cruz (porque nossos corações e os das outras pessoas resistem ao amor de Deus) e uma ressurreição, porque a graça de Deus triunfa naqueles que perseveram.
Agora estamos em melhores condições de entender a frase de Charles Péguy: “Os pais de família, aqueles grandes aventureiros do mundo moderno”!
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