Os sermões, as verdades, a doutrina que pregamos não é nossa, é de Cristo. Ele a disse, os Evangelistas a escreveram, nós a repetimos. Pois, se estas repetições são tantas e tão continuadas, e a doutrina que pregamos não é nossa, senão de Cristo, como fazem tão poucos progressos nela, e como aprendem tão pouco os que a ouvem? Nas palavras que propus temos a verdadeira resposta desta tão nova admiração.

Ille vos docebit omnia quaecumque dixero vobis: “O Espírito Santo — diz Cristo — vos ensinará tudo o que Eu vos tenho dito” (Jo 14, 26). Notai a diferença dos termos, e vereis quanto vai de dizer a ensinar. Não diz Cristo: “o Espírito Santo vos dirá o que Eu vos tenho dito”; nem diz: “o Espírito Santo vos ensinará o que Eu vos tenho ensinado”; mas diz: “O Espírito Santo vos ensinará o que Eu vos tenho dito”; porque o pregador, ainda que seja Cristo, diz; o que ensina é o Espírito Santo. Cristo diz: Quaecumque dixero vobis, “Tudo o que eu vos disse”; o Espírito Santo ensina: Ille vos docebit omnia, “Ele vos ensinará tudo”. O Mestre na cadeira diz para todos, mas não ensina a todos. Diz para todos, porque todos ouvem; mas não ensina a todos, porque uns aprendem, outros não

“Pentecostes”, de Juan Bautista Maíno.

E qual é a razão desta diversidade, se o Mestre é o mesmo, e a doutrina a mesma? Porque, para aprender, não basta só ouvir por fora, é necessário entender por dentro. Se a luz de dentro é muita, aprende-se muito; se pouca, pouco; se nenhuma, nada. O mesmo nos acontece a nós. Dizemos, mas não ensinamos, porque dizemos por fora; só o Espírito Santo ensina, porque alumia por dentro: Ministeria forinsecus adjutoria sunt, cathedram in caelo habet, quia corda docet [“Os ministérios são simples auxílios pois operam exteriormente; só ensina os corações Aquele que tem sua cátedra no Céu”], diz Santo Agostinho. Por isso até o mesmo Cristo pregando tanto, converteu tão pouco. Se o Espírito Santo não alumia por dentro, todo o dizer, por mais divino que seja, é dizer: Quaecumque dixero vobis; mas se as vozes exteriores são assistidas dos raios interiores da Sua luz, logo qualquer que seja o dizer, e de quem quer que seja, é ensinar; porque só o Espírito Santo é O que ensina: Ille vos docebit.

Por que vos parece que apareceu o Espírito Santo hoje sobre os apóstolos, não só em línguas, mas em línguas de fogo? Porque as línguas falam, o fogo alumia. Para converter Almas, não bastam só palavras; são necessárias palavras e luz. Se quando o pregador fala por fora, o Espírito Santo alumia por dentro; se quando as nossas vozes vão aos ouvidos, os raios da Sua luz entram ao coração, logo se converte o mundo. Assim sucedeu em Jerusalém neste mesmo dia. Sai São Pedro do cenáculo de Jerusalém, assistido deste fogo divino, toma um passo do Profeta Joel, declara-o ao povo, e, sendo o povo a que pregava aquele mesmo povo obstinado e cego, que poucos dias antes tinha crucificado a Cristo, foram três mil os que naquela pregação O confessaram por verdadeiro Filho de Deus, e se converteram à fé. 

Oh admirável eficácia da luz do Espírito Santo! Oh notável confusão vossa, e minha! Um pescador, com uma só pregação e com um só passo da Escritura, no dia de hoje converte três mil infiéis; e eu, no mesmo dia, com cinco e com seis pregações, com tantas Escrituras, com tantos argumentos, com tantas razões, com tantas evidências, não posso persuadir um cristão. Mas a causa é porque eu falo e o Espírito Santo, por falta de disposição nossa, não alumia

Divino Espírito, não seja a minha indignidade a que impeça a estas almas, por amor das quais descestes do Céu à terra, o fruto de vossa santíssima vinda: Veni Sancte Spiritus, et emitte caelitus lucis tuae radium, “Vinde, Senhor, e mandai-nos do céu um raio eficaz de vossa luz” — não pelos nossos merecimentos, que conhecemos quão indignos são, mas pela infinita bondade Vossa, e pela intercessão de Vossa Esposa santíssima.

Referências

  • Padre António Vieira, Sermão do Espírito Santo (pregado na cidade de São Luís do Maranhão, na Igreja da Companhia de Jesus, em ocasião que partia ao Rio das Amazonas uma grande missão dos mesmos religiosos), § I.

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