Neste ano, comemoramos o aniversário de 1700 anos do Concílio de Niceia, realizado em 325 d.C., que nos deu o Credo niceno. Algumas pessoas afirmam que não querem ser “limitadas” por um credo. Então, por que precisamos de um?

A palavra credo vem do latim e significa “eu creio”. Quando dizemos “eu creio”, é porque acreditamos em algo ou em alguém. Seria estranho gritar: “eu creio, eu creio mesmo!”, mas depois, quando alguém perguntasse: “em que acredita?”, responder: “não sei, mas sei que acredito”. Temos de crer em algo. Também pode ser importante compreender como e por que cremos no que cremos. Mas a primeira coisa a ser esclarecida é aquilo em que cremos.

Dizer “creio”, porém, no sentido em que o entendem as pessoas que recitam o Credo niceno, não é apenas indicar: “é isto que penso neste momento” — como quando alguém, em resposta à pergunta: “onde fica o banheiro masculino?”, responde: “não tenho certeza, mas creio que é ali”. Um credo é uma declaração dos princípios fundamentais que animam a nossa vida, como quando alguém proclama, diante de uma grande adversidade: “Eu creio que o bem triunfará sobre o mal” e, em seguida, respalda essas palavras com as suas ações.

Com efeito, quando as pessoas recitam o Credo, estão dizendo: “Isto é o que eu sou”. Ou, se for uma comunidade de pessoas, estariam dizendo: “Isto é o que nós somos. Firmamos um compromisso com Deus e uns com os outros. Decidimos viver nossas vidas desta maneira, nos momentos bons e ruins. Acreditamos que viver assim é o caminho para a prosperidade humana e aceitamos tudo o que isso implica”. Um credo, neste sentido, é semelhante a um voto matrimonial.

“Constantino queimando livros de hereges arianos”, de um manuscrito do século IX.

Como se trata de uma expressão de quem somos, não podemos dizer: “É nisto que acredito, mas, veja bem, amanhã posso mudar de opinião”. Se o fizéssemos, não estaríamos falando das crenças que dão sentido à nossa vida. Teríamos outras convicções mais fundamentais que determinariam a maneira como realmente vivemos e pela qual julgamos todas as outras coisas. Se as crenças do credo estiverem de acordo com essas convicções mais profundas, tudo bem. Mas, se não for o caso, então o credo é descartado, no todo ou em parte. É como jurar ser fiel no casamento, mas desistir quando as coisas ficam difíceis. Isso torna o casamento menos importante do que aquilo pelo qual ele foi abandonado.

Curiosamente, alguns teólogos afirmam que os credos ratificados no passado — em Niceia, Constantinopla e Calcedônia — já não têm relevância para nós hoje. A complexidade de Deus não pode ser expressa em palavras, dizem eles, e por isso cada geração tem os seus próprios conceitos e deve compor o seu próprio credo.

Mas isso é o mesmo que dizer: “Como nenhuma palavra pode capturar a essência do casamento, tudo o que prometi ao meu cônjuge no dia em que nos casamos não é mais relevante agora. O meu novo voto me permite cometer adultério.” Isso não é um voto, nem seria a base de um credo. Consegue imaginar alguém que insiste na seguinte ideia: “Acredito que mentir é sempre errado”, e no dia seguinte, não apenas mente para si, mas insiste que mantém a mesma crença? Provavelmente diríamos a essa pessoa: “Não acredito que você realmente creia nisso.”

Na encíclica Fides et Ratio, o Papa São João Paulo II chamou a atenção para aqueles que, “baseando-se em convicções apriorísticas”, negam a validade universal da fé. “A fé”, diz ele (n. 84), 

pressupõe claramente que a linguagem humana seja capaz de exprimir de modo universal — embora em termos analógicos, mas nem por isso menos significativos — a realidade divina e transcendente. Se assim não fosse, a palavra de Deus, que é sempre palavra divina em linguagem humana, não seria capaz de exprimir nada sobre Deus. A interpretação desta Palavra não pode remeter-nos apenas de uma interpretação para outra, sem nunca nos fazer chegar a uma afirmação absolutamente verdadeira; caso contrário, não haveria revelação de Deus, mas só a expressão de noções humanas sobre Ele e sobre aquilo que presumivelmente Ele pensa de nós.

Numa conferência da qual participei recentemente, ouvi alguém comparar o credo à nossa memória. As nossas memórias, salientou a palestrante, têm muito a ver com a nossa identidade — com quem somos. A tragédia da doença de Alzheimer é que as pessoas perdem muitas das suas memórias e, com elas, grande parte da sua identidade. Não precisamos nos lembrar de tudo; na verdade, seria insuportável se não pudéssemos esquecer muitas das coisas triviais do nosso dia a dia. Mas é importante que nos lembremos das coisas fundamentais; coisas como quem somos, quem são os nossos familiares e melhores amigos, a nossa promessa de sermos gentis com as pessoas e corajosos em situações difíceis. Esquecer o credo é uma forma de Alzheimer eclesiástico que também nos faz esquecer quem somos e por que estamos vivos.

O que devemos recordar se quisermos manter a nossa identidade cristã? Esses princípios fundamentais que nos inspiram estão expressos no Credo. Seria bom que mais pessoas conhecessem melhor a história e as tradições intelectuais da Igreja. Mas poucas pessoas têm tempo para isso. E mesmo que tivessem tempo, todos nós precisamos ler essa história, assim como lemos as Escrituras, à luz do Credo — algo que os primeiros Padres da Igreja chamavam de regula fidei, “a regra da fé”.

O Credo: temos de aprendê-lo e repeti-lo. Ele não é apenas um amontoado de palavras vazias. Pensemos nele como se fosse um voto matrimonial. Devemos pronunciá-lo e colocá-lo em prática. Deixemos que as suas palavras animem a nossa vida e orientem o nosso pensamento. Isso nos trará inúmeras bênçãos. Mas estejamos atentos: muitos de nós pronunciamos as palavras, mas vivemos um credo diferente. Provavelmente, foi por isso que o Papa João Paulo II começou a Fides et Ratio com as palavras “Conhece-te a ti mesmo.”

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Regina Maia
26 Jun 2025

Bem esclarecedor!

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