“O católico brasileiro já não raciocina com a cabeça alheia, já não aceita o regime da fé cega, imposta pela Igreja, que nega até o direito de procurar-lhe os fundamentos”.

Não é certamente a declaração de um verdadeiro e sincero católico brasileiro, mas desses católicos que o são apenas de nome, e que na realidade são espíritas, isto é, anticatólicos. Temos aí três acusações a serem tomadas em consideração: a) que a nossa fé católica é cega; b) que ela nos é imposta pela Igreja; e c) que somos proibidos de investigar os fundamentos de nossa fé. Vejamos tudo isso.

Primeira acusação: É cega a fé dos católicos? Pode esta cegueira ou obscuridade referir-se a duas coisas: ou ao objeto de fé, ou aos seus motivos. Se os espíritas querem dizer que é cega a nossa fé porque cremos sem motivos suficientes, então estão erradíssimos e mostram grande ignorância. Falaremos logo mais sobre isso. Mas se eles pensam que a nossa fé é cega porque é obscuro seu objeto, aí eles têm razão. Isso, todavia, de modo nenhum pode ser censurado. É essencial à fé.

É por isso que o crer se contrapõe ao ver. Quantas coisas nós cremos sem ver e só por testemunho humano! Irrazoável, blasfemo e pecaminoso seria não crer na palavra de Deus, apesar de saber que Deus falou e que é infinitamente sábio e veraz.

Segunda acusação: A fé nos é imposta pela Igreja? Absolutamente não! A Igreja apenas continua a missão de Cristo e dos Apóstolos: “Ide, ensinai a todas as gentes a observar tudo o que vos tenho mandado” (Mt 28, 20); “quem crer e for batizado, será salvo; quem não crer, será condenado” (Mc 16, 16).

Cumprindo esta sua missão, a Igreja propõe a doutrina e os mandamentos de Cristo. O ato de fé deve ser sempre livre e espontâneo da parte de quem o aceita. Queres salvar-te? — pergunta a Igreja ao homem. — Então crê o que Cristo ensinou. Não queres crer? Não te obrigo contra tua vontade; mas não te salvarás…  “Quem não crer será condenado”. É palavra de Cristo, do Salvador e não da Igreja. Ela apenas repete.

Terceira acusação: Somos proibidos de procurar os fundamentos de nossa fé?  Isso é repetido mil vezes pelos espíritas, ou porque são ignorantes, ou porque querem caluniar.

Dizem que nós não pensamos nem estudamos; que nós cremos sem nada examinar, sem verificar o conteúdo da nossa fé; que qualquer indagação um pouco mais aprofundada dos nossos dogmas teria como resultado uma mão cheia de verdades quebradas, desconexas, contraditórias, irracionais etc.; que, portanto, nós aceitamos as ideias mais abstrusas, não nos preocupando nem com a lógica, nem com o bom senso, nem tendo a menor ideia das recentes descobertas feitas pelas ciências exatas; que nós nos entrincheiramos pertinazmente atrás dos dogmas, tendo um pavor imenso de qualquer pessoa que sabe pensar e cerrando obstinadamente os olhos para não ver os resultados dos estudos modernos.

Assim podemos ler em Leão Denis que a Igreja Romana, durante quinze séculos, sufocou o pensamento; que ela sempre se esforçou por impedir o homem de usar do direito de pensar; que ela se nos apresenta despoticamente com as palavras “crê e não raciocines; ignora e submete-te; fecha os olhos e aceita o jugo” (Cristianismo e Espiritismo, 50.ª ed., p. 126s).

Mas a verdade é que a Igreja, desde o princípio, tem favorecido de todos os modos o estudo sério e aprofundado das verdades da fé.

Homens houve, inteligentes, sérios e santos, em todos os tempos, que, amparados e fomentados pela Igreja, dedicaram a vida inteira ao estudo das verdades da fé. A ciência que se dedica a este estudo chama-se teologia. E só o ignorante em história pode repetir as acusações ineptas de Denis.

Nunca a Igreja proibiu ou impediu a investigação séria da fé. Os livros para estudar as bases da fé católica estão à disposição de todos. E a Igreja insiste mesmo nestes estudos. Pois ela bem conhece a admoestação do Príncipe dos Apóstolos: “Guardai santamente em vossos corações a Cristo Senhor, sempre prontos a satisfazer a quem quer que vos peça razões da esperança que vos anima” (1Pd 3, 15).

E quanto mais penetramos nas verdades que Deus se dignou nos revelar, tanto mais nos sentimos seguros de abraçar a verdade; quanto mais estudamos sobre os dados da fé, tanto mais exultamos na santa alegria de filhos de Deus; quanto mais enfrentamos as objeções que a impiedade e o orgulho dos homens sem fé nos lança em rosto, tanto mais nos vemos confirmados naquilo que Deus realmente nos falou.

Não! Não temos motivos para envergonhar-nos da nossa fé, nem precisamos temer os ataques da incredulidade. Não é a verdadeira ciência que conduz os homens à apostasia: é a falta de estudos sérios, é a vida desregrada, é o coração desprendido de Deus e demasiadamente apegado aos bens passageiros que leva à perda da fé e à incredulidade.

A inteligência esclarecida, o coração reto e a vida imaculada só podem levar a Deus e à fé em Deus. Não, a nossa fé não é irracional nem nos proíbe o raciocínio. Não, a Igreja não impede o estudo, nem cremos que algum dos nossos leitores jamais terá recebido semelhante proibição.

Se há católicos que não mostram interesse por sua fé; se existem até intelectuais que se dizem católicos e que desconhecem as noções mais elementares de sua fé, a culpa não será da Igreja que lhes proibiu esse estudo ou lhes sonegou os necessários livros, mas a culpa será deles mesmos: o seu desinteresse pelas coisas santas e a sua negligência em se instruir é que são os únicos responsáveis.

Um última acusação: Mas a Igreja proíbe até a leitura da Bíblia! Falsíssimo. Semelhante afirmação, além de implicar uma injuriosa calúnia, é outro atestado de grande ignorância. A Igreja até recomenda vivamente a leitura diária da Sagrada Escritura.

Eis algumas recomendações de alguns Papas: “Os mais preciosos serviços”, diz Bento XV, “são prestados à causa católica por aqueles que, em diferentes países, puseram e põem ainda o melhor de seu zelo em editar, sob formato cômodo e atraente, e em difundir os livros do Novo Testamento e uma seleção dos livros do Antigo” [1]. E um pouco antes dissera: “Nunca cessaremos de exortar todos os cristãos a fazerem sua leitura cotidiana principalmente dos santíssimos Evangelhos de Nosso Senhor” [2].

E Pio XII admoesta aos Bispos que “favoreçam e auxiliem as associações que têm por fim difundir entre os fiéis exemplares da Sagrada Escritura, particularmente dos Evangelhos, e procurar que nas famílias cristãs se leiam regularmente todos os dias com piedade e devoção” [3].

Referências

  1. Bento XV, Encíclica “Spiritus Paraclitus”, de 15 set. 1920: “Eodem in genere optime de re catholica merentur illi e variis regionibus viri, qui omnes Novi Testamenti et selectos e Vetere libros commoda ac nitida forma edendos et evulgandos perdiligenter curarunt et in praesenti curant” (AAS 12 [1920] 406).
  2. Id., ibid: “[...] Christifideles omnes [...] cohortari numquam desinemus, ut sacrosancta praesertim Domini Nostri Evangelia [...] cotidiana lectione pervolutare [...] studeant” (AAS 12 [1920] 405-406).
  3. Pio XII, Encíclica “Divino Afflante Spiritu”, de 30 set. 1943, n. 26: “Faveant igitur atque auxilium praestent piis illis consociationibus, quibus propositum sit Sacrarum Litterarum, Evangeliorum potissimum, edita exemplaria inter fideles diffundere, eorumque cotidiana lectio studiosissime curare ut in christianis familiis rite sancteque fiat” (AAS 35 [1943] 321).

Notas

  • Extraído e levemente adaptado de Fr. Boaventura Kloppenburg, Resposta aos Espíritas. Rio de Janeiro: Vozes, 1954, pp. 9-12.

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