A insistência da Igreja Católica no combate à legalização do aborto e de outras práticas contrárias à família é fonte de muitas críticas. Não se consegue entender por que uma instituição religiosa poderia influenciar nas decisões políticas de um Estado que, a princípio, se declara laico. Assistimos a este tipo de argumentação, por exemplo, durante o debate acerca da Sugestão Legislativa 15/2014, a qual pretende "regular a interrupção voluntária da gravidez, dentro das doze primeiras semanas de gestação, pelo Sistema Único de Saúde".

Essa confusão sobre o papel da Igreja na sociedade tem sua origem em um problema bastante complexo para a mentalidade moderna, e que diz respeito aos próprios fundamentos dos direitos humanos. "A ideia do direito natural" é vista, nos dias de hoje, como "uma doutrina católica bastante singular, sobre a qual não valeria a pena discutir fora do âmbito católico, de tal modo que quase se tem vergonha mesmo só de mencionar o termo" [1]. Isso se deve basicamente a dois fatores: a) a cisão entre fé e razão, a qual gerou uma noção de lei natural rígida demais, sem a consideração de processos históricos; b) o surgimento da doutrina positivista, cuja explicação sobre o ser humano tende a reduzi-lo a uma natureza apenas funcional.

Há, no entanto, outro aspecto a ser considerado. A lei natural constitui um obstáculo à arbitrariedade, pois exige do indivíduo uma adequação às necessidades dos outros, de modo que as paixões não deteriorem a harmonia social. Ela assegura ao homem o direito à objeção de consciência frente a imposições injustas, mesmo quando aprovadas pela maioria ou por juízes aparentemente capazes. O próprio Hans Kelsen, um dos maiores opositores da lei natural, viu-se obrigado a evocá-la para condenar a perseguição nazista que sofreu.

Eis o ponto. Toda a luta a favor do aborto, como disse Padre Paulo Ricardo durante um debate, resume-se a uma luta contra o direito natural. Não se trata de uma defesa das minorias marginalizadas, não se trata de uma defesa das mulheres pobres e negras nem da saúde pública — apesar de insistirem muito neste discurso. O objetivo é bem outro: manipulação e poder.

A razão defende a lei natural

A luz da razão mostra-nos que existe uma verdade natural acerca do ser humano e que, precisamente por isso, deve existir uma coerência ética comum para que essa verdade seja respeitada como um direito inalienável da humanidade. Isso se expressa de maneira eloquente no desejo moral compartilhado por vários grupos étnicos, culturais e sociais ao longo da história. Em praticamente todas as sociedades de que se tem notícia, encontra-se uma máxima ligada à famosa regra de ouro, isto é, aquele conselho de não fazer aos outros aquilo que não queres que façam contigo. Vemos, assim, que a moral não é uma construção social, embora seja influenciada por esse aspecto. Trata-se de algo que corresponde às exigências do próprio ser.

Na tradição filosófica clássica, essa verdade sobre o homem e o meio à sua volta foi denominada lei natural. Aristóteles, talvez o maior expoente desse período, considerava moralmente lícito aquilo que correspondia à natureza [2]. Nesta visão, o Estagirita queria explicar que a busca do homem pela felicidade só poderia ser plenamente cumprida se houvesse um respeito à sua vocação. Aqui entra o papel de instituições como a família e o Estado.

O homem, para poder cumprir sua vocação, necessita de condições favoráveis ao seu agir moral. Nem todos os preceitos da lei natural são evidentes. Eles precisam ser refletidos e ponderados pela razão, para que possam ganhar clareza e força de adesão. No entanto, em um ambiente de vícios, em que se proliferam preconceitos, paixões e má vontade, o indivíduo facilmente tende a ignorar a lei natural, senão mesmo a repudiá-la [3]. Como explica Santo Tomás de Aquino, "a lei natural pode ser destruída do coração humano, seja por más persuasões, como se dão erros relativos às conclusões necessárias na ordem especulativa, seja por maus costumes e hábitos corruptos" [4]. Nestas condições, restam a anarquia e a lei dos mais fortes.

A partir disso, podemos intuir a função da família. Cabe a ela o dever de assegurar uma educação virtuosa, a fim de que os filhos mantenham-se sempre atentos à verdade. Para Aristóteles, as famílias "originam-se da necessidade de os seres humanos manterem-se vivos e protegerem e criarem seus filhos" [5]. E isso postula a complementariedade dos sexos. O Estado, por sua vez, tem a obrigação de proteger as famílias, ajudando-as a educar as crianças para as virtudes. Isso porque a pessoa é "anterior à sociedade e a sociedade é humanizadora somente quando responde às expectativas inscritas na pessoa enquanto ser social" [6].

Por isso a Igreja defende a lei natural. Defendê-la é defender o homem, como explicou o Papa Emérito Bento XVI no Congresso do Partido Popular Europeu, em 2006. A "tutela da vida em todas as suas fases", o "reconhecimento e promoção da estrutura natural da família" e a "tutela do direito dos pais de educar os próprios filhos" são direitos humanos inegociáveis, que garantem a perfeita realização do ser humano [7]:

Estes princípios não são verdades de fé mesmo se recebem ulterior luz e confirmação da fé. Eles estão inscritos na natureza humana e, portanto, são comuns a toda a humanidade. A ação da Igreja de os promover não assume, por conseguinte, um caráter confessional, mas dirige-se a todas as pessoas, prescindindo da sua filiação religiosa. Ao contrário, esta ação é tanto mais necessária quanto mais estes princípios forem negados ou mal compreendidos porque isto constitui uma ofensa contra a verdade da pessoa humana, uma grave ferida infligida à própria justiça.

Uma antropologia manipuladora

As fundações internacionais — relativistas que são — negam a existência do direito natural e, por assim dizer, a inviolabilidade desses três valores defendidos não somente pela fé católica, mas, em primeiro lugar, pela racionalidade das coisas. Entendem a sociedade como uma massa de modelar, passível de modificações arbitrárias, pois, afinal, na origem de sua constituição, não haveria princípios elementares para a manutenção de um ambiente virtuoso, voltado para a realização do homem conforme sua própria natureza. Ao contrário. A sociedade atual, para esses ideólogos, seria apenas resultado de uma estrutura opressora, sustentada pelo discurso da Igreja e de outras instituições, no jargão marxista, burguesas.

Encontramos esse tipo de abordagem no livro Sociologia em movimento, comentado recentemente aqui no site. A moral sexual, segundo dizem, seria apenas "um meio de estabelecer relações de poder construídas historicamente nas sociedades ocidentais" [8].

As fundações Ford, Rockfeller, MacArthur e cia. puseram na cabeça que o grande mal da humanidade é o crescimento populacional. Até a década de 1950, a estratégia adotada para impedir novos nascimentos foi o apoio maciço à indústria contraceptiva. O método, porém, não obteve o resultado almejado. A partir da década de 1960, com o investimento em pesquisas sociológicas, essas mesmas fundações encontraram um meio de danificar o tecido social, incentivando o aborto e justificando todos os tipos de práticas sexuais desordenadas.

Essa é a razão de a causa LGBT e a liberação do aborto estarem tão atreladas. Qualquer coisa que corrompa a sensibilidade humana para a lei inscrita em sua própria natureza serve como instrumento de manipulação. Tudo se resume a um grande engodo, como já mostramos aqui em outras ocasiões. Acompanhem o raciocínio: se, em matéria sexual, não existe verdade — não existe lei natural, diferentemente do que indica a razão —, mas apenas discursos para a legitimação de poderes "historicamente construídos", acaso essa crítica não caberia também à própria sociologia desenvolvida pelos pesquisadores financiados por tais fundações? A rigor, a tese deles é esta: deixem de ser manipulados pela malvada Igreja Católica para serem manipulados por nós, as fundações internacionais, pois sabemos o que é melhor para a humanidade.

A "ditadura do relativismo", para usar uma expressão do Cardeal J. Ratzinger, é a única tábua de salvação para essas fundações internacionais — em que pese todas as lacunas dessa ditadura. O que elas querem é o poder; por isso, precisam quebrar a coluna da sociedade, ou seja, destruir o direito natural, pois quando este é negado, o que resta é somente a "vontade do legislador que faz a lei" [9].

O que está em jogo nesta questão não é só a aprovação do aborto, que per si já bastaria para protestarmos. Estamos diante de um ataque orquestrado aos fundamentos dos direitos humanos, sob uma falsa promessa de liberdade e defesa dos oprimidos. O aborto é só a ponta do iceberg.

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