"Mas a hora vem, a hora chegou, em que a vocação da mulher se realiza em plenitude (...) Por isso, no momento em que a humanidade conhece uma mudança tão profunda, as mulheres iluminadas do espírito do Evangelho tanto podem ajudar para que a humanidade não decaia" [1]. Assim se expressavam os padres conciliares ao término do Concílio Vaticano II, vislumbrando o sublime chamado da mulher perante a sociedade: a irradiação do amor. Mas essa, infelizmente, parece não ser a proposta de alguns meios de comunicação, que rezam mais na cartilha das grandes empreiteiras do aborto que nas máximas do decálogo.

Na sua edição de novembro, a revista TPM lançou uma campanha humilhante na internet, a fim de despertar um famigerado debate a respeito da legalização do aborto [2]. Com a hashtag # precisamosfalarsobreaborto, a publicação incentivou seus leitores a postarem supostos números e pesquisas sobre o tema nas redes sociais, além de fotos com o cartaz do movimento. À ideia, como era de se esperar, somaram-se vozes de alguns artistas já nacionalmente conhecidos por suas posições, no mínimo, controversas.

Um dos sinais de decadência de uma sociedade, dizia o filósofo Mário Ferreira dos Santos, é quando, em assuntos importantes, a população passa a dar ouvidos a artistas e atletas [3]. A revista TPM é a mesma que em 2007, durante a visita do Papa Bento XVI ao Brasil, fazia chacota de católicos e cristãos dizendo-se "super a favor do amor. Mas, sim, a gente já deve ter feito várias piadas sobre casamento" [4]. Na reportagem agora em questão, o auge da vigarice intelectual sai da boca de um comediante — sim, segundo a TPM, alguém muito relevante para palpitar neste assunto: "Um dia, espero, ainda vamos achar a proibição do aborto um absurdo, assim como achamos um absurdo a escravidão ou o holocausto". Esta é a lógica da delinquência: impedir que um bebê seja assassinado pela própria mãe é o mesmo que segregar negros e brancos ou mandar judeus para câmaras de gás. Eis os nossos "formadores de opinião". Eis a voz de quem encontra eco nos meios de comunicação brasileiros.

Prestem atenção: aborto significa retalhar uma vida indefesa. E, vá lá, ainda que não se pudesse dizer com toda certeza se o embrião em desenvolvimento é ou não um ser humano — embora os estudos de embriologia já não manifestem qualquer dúvida sobre a humanidade do feto —, seríamos do mesmo modo obrigados a optar pela via da prudência, isto é, a preservação da vida, pois existiria a possibilidade de se tratar de um ser humano. Olavo de Carvalho está certo quando diz: "À luz da razão, nenhum ser humano pode arrogar-se o direito de cometer livremente um ato que ele próprio não sabe dizer, com segurança, se é ou não um homicídio" [5]. A lei moral exige isso. Os defensores do aborto, por outro lado, não só se recusam a admitir um debate franco a respeito do início da vida, mas também, não se sabe com que autoridade, assumem a responsabilidade de escolher quem merece ou não viver. Isso não é diálogo, isso é imposição, como bem observou o editorial do jornal Gazeta do Povo: apesar do título, a campanha da revista pede debate, "mas não dá espaço aos argumentos pró-vida e já indica qual deveria ser o seu resultado: o apoio à descriminalização" [6]. Não é preciso ser nenhum filósofo para perceber a trapaça.

TPM diz: "A cada dois dias uma brasileira morre em decorrência de um aborto ilegal". É falso. Segundo dados do próprio SUS — os quais podem ser acessados por qualquer indivíduo que tenha acesso à internet —, o número de mortes anuais por aborto ilegal no Brasil não chega a cinquenta [7]. No ano de 2012, foram registradas 69 mortes por aborto: 13 foram espontâneos, 11 para a classificação "outros tipos de aborto", 40 por razões "não especificadas" e apenas 5 por falhas durante o procedimento. Outra mentira que se costuma aventar: o número de abortos ilegais é consequência da legislação vigente, que restringe a prática. Ora, seguindo esse raciocínio, teríamos de descriminalizar o homicídio por causa dos 60 mil assassinatos que ocorrem todos os anos no Brasil. Trata-se, evidentemente, de uma grande boçalidade. A Rússia, onde o aborto é legalizado desde a era soviética, viu-se obrigada a impor limites à sua atual legislação, dada a quantidade absurda de abortamentos realizados no país: o número de abortos é maior que o de nascimentos [8].

De fato, o principal entrave para estas discussões é justamente o lobby que se faz em cima de números e pesquisas duvidosas. Há anos o movimento que defende a descriminalização do aborto utiliza jogos linguísticos para manipular a opinião pública. Na década de 1970, o falecido médico americano Bernard Nathanson — até então conhecido como o "rei do aborto" — ficou horrorizado ao perceber, por meio do ultrassom, o que ocorria com o feto durante a operação. A sua descoberta resultou no famoso documentário "O grito silencioso" [9]. Anos mais tarde, ele revelaria a farsa a respeito dos números de abortos clandestinos nos Estados Unidos [10]:

É uma tática importante. Dizíamos, em 1968, que na América se praticavam um milhão de abortos clandestinos, quando sabíamos que estes não ultrapassavam de cem mil, mas esse número não nos servia e multiplicamos por dez para chamar a atenção. Também repetíamos constantemente que as mortes maternas por aborto clandestino se aproximavam de dez mil, quando sabíamos que eram apenas duzentas, mas esse número era muito pequeno para a propaganda. Esta tática do engano e da grande mentira se se repete constantemente acaba sendo aceita como verdade.

Com efeito, a revista TPM presta um enorme desserviço à sociedade brasileira, sobretudo às mulheres, ao reproduzir dados e opiniões de ONGs que, sabe-se muito, são, no mais das vezes, grandes parceiras das fundações internacionais — cujas intenções são, inegavelmente, o controle da natalidade [11]. Primeiro, é um atentado à soberania nacional. Segundo — e mais importante —, um crime contra a dignidade humana. Raciocinem: que mais pode gerar gravidezes indesejadas e, por conseguinte, abortos — sejam legais sejam ilegais — que o estímulo à "cultura do descarte", como denuncia o Papa Francisco? A própria revista TPM admite: "nunca fomos a favor de casar virgem". O Brasil segue na lista dos países onde os jovens iniciam a vida sexual mais cedo. Ora, o recorde não se deve a outra coisa senão à so called "educação sexual". Desde o ensino fundamental, os adolescentes são ensinados a se considerarem uma espécie de mercadoria para comprar e vender. E a mídia em geral é a principal promotora desse tipo de comportamento, incentivando a pornografia, o adultério, relações promíscuas etc. Eles inoculam o veneno para sugerirem o remédio.

Ademais, diferentemente da propaganda que se faz, é preciso frisar que a legalização do aborto não se trata de uma iniciativa em defesa das mulheres pobres. Ao contrário, é uma clara vertente da ciência eugenista. Basta lembrar, por exemplo, o projeto macabro idealizado pela senhora Margaret Sanger, a fundadora da poderosa Federação Internacional de Paternidade Planejada (IPPF). Ela dizia: "Nós queremos exterminar a população negra" [12]. Hoje, nos Estados Unidos, 40% das gravidezes de mulheres negras terminam interrompidas graças a essa política [13]. Diga-se o óbvio: não são os pró-vida que se assemelham aos nazistas.

O lamentável caso de Jandira Magdalena dos Santos Cruz, a jovem de 27 anos que veio a falecer após complicações durante um aborto clandestino, tendo depois o corpo mutilado pelos assassinos, apenas elucida o que João Paulo II já havia observado na Carta Apostólica Mulieris Dignitatem [14]:

O fato narrado no Evangelho de João pode apresentar-se em inúmeras situações análogas em todas as épocas da história. Uma mulher é deixada só, é exposta diante da opinião pública com "o seu pecado", enquanto por detrás deste "seu" pecado se esconde um homem como pecador, culpado pelo "pecado do outro", antes, co-responsável do mesmo. E, no entanto, o seu pecado escapa à atenção, passa sob silêncio: aparece como não responsável pelo "pecado do outro"! Às vezes ele passa a ser até acusador, como no caso descrito, esquecido do próprio pecado. Quantas vezes, de modo semelhante, a mulher paga pelo próprio pecado (pode acontecer que seja ela, em certos casos, a culpada pelo pecado do homem como "pecado do outro"), mas paga ela só e paga sozinha! Quantas vezes ela fica abandonada na sua maternidade, quando o homem, pai da criança, não quer aceitar a sua responsabilidade? E ao lado das numerosas "mães solteiras" das nossas sociedades, é preciso tomar em consideração também todas aquelas que, muitas vezes, sofrendo diversas pressões, inclusive da parte do homem culpado, "se livram" da criança antes do seu nascimento. "Livram-se": mas a que preço? A opinião pública de hoje tenta, de várias maneiras, "anular" o mal deste pecado; normalmente, porém, a consciência da mulher não consegue esquecer que tirou a vida do próprio filho, porque não consegue apagar a disponibilidade a acolher a vida, inscrita no seu "ethos" desde o "princípio".

Infelizmente, essa opinião pública denunciada pelo Santo Padre é a mesma a instrumentalizar a morte de Jandira para a causa da descriminalização do aborto. Assim, induzem muitas mulheres ao erro, submetendo-as à pressão machista, a qual, vejam só, as feministas juram combater. No documentário Blood Money, há vários depoimentos de mulheres que se submeteram a um aborto e ainda hoje vivem as sequelas físicas e psíquicas do crime [15]. A Igreja não é alheia a esse sofrimento. É justamente por conhecer o coração das mulheres que o Magistério se manifesta inegociavelmente a favor da vida. Já ficou provado: aborto não é solução. É, antes, um dos problemas. Por isso, mais do que falar sobre aborto, é preciso falar das mentiras que geralmente estão associadas às suas propostas de legalização. A revista TPM precisa descobrir isso.

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