É conhecido, entre outros, o encômio com que o celebérrimo Pe. Pedro Labbe, SJ, cantou as glórias do Aquinate: “Tomás”, diz, “foi anjo antes de ser Doutor Angélico… Fala de Deus como se o tivesse visto; disputa de tal modo sobre os anjos como se fora espírito. Infunde horror ao pecado quando o mostra; torna amáveis as virtudes quando as descreve” (Elogium S. Thomæ).
Entre as virtudes especialmente amáveis e que se hão de amar brilha a piedade, que emerge de tal forma tanto da vida quanto dos escritos dele, que se pode chamar ao Angélico modelo e mestre de piedade: antes, porém, modelo que mestre, já que ele primeiro viveu o que ensinou, e por isso é mestre, porque modelo. Afirma-o também a Encíclica Studiorum ducem, enquanto admira e propõe no santo Preceptor esta aliança da doutrina com a piedade, da erudição com a virtude, da verdade com a caridade. Com efeito, segundo o Sumo Pontífice, “por certo vínculo admirável de parentesco estão unidas entre si a verdadeira ciência e a piedade, companheira de todas as virtudes”.
Atente-se para a grande força da expressão “parentesco” (cognatio), como se ao mesmo tempo nascessem e na mesma família convivessem a ciência e a piedade. De fato, nas obras do Angélico, de modo quase espontâneo e por um suave processo, a piedade brota da Teologia como os frutos da árvore. Para pô-lo em evidência, indicaremos brevemente, após vermos a noção de piedade, como de cada tratado — sobre Deus, sobre a graça, sobre os atos humanos, sobre as virtudes, sobre a Encarnação, a Eucaristia etc. — emanam aplicações de máxima e felicíssima utilidade para a vida espiritual.
1. A virtude da piedade. — A piedade, com base no nosso Doutor, pode ser definida: é a virtude moral anexa à justiça pela qual se presta o culto devido aos pais, à pátria e sobretudo a Deus, que recebe por excelência o título de Pai nosso. Pertence, com efeito, à justiça, porque tem por objeto um débito; mas se distingue da razão de justiça, porquanto não se podem recompensar os pais, a pátria e Deus segundo a medida que lhes é devida (secundum æqualitatem) e, por isso, é uma virtude anexa.
Presta culto aos que são princípio do nosso ser ou governo. Ora, o primeiro princípio desse tipo é Deus, enquanto os pais, dos quais nascemos, e a pátria, na qual fomos nutridos, são princípios secundários (STh II-II 100, 1 ad 3). Por essa razão, a piedade, que honra os pais e a pátria, predica-se por excelência do culto a Deus, assim como a Deus mesmo, por certa superexcelência, convém o nome de pai (cf. STh II-II 100, 3 ad 2).
A estas noções deve dar-se a máxima atenção nestes nossos tempos, nos quais o amor à pátria degenera por vezes até os excessos de um falso ou imoderado nacionalismo, como se fora uma “religião”. Aprendemos de S. Tomás que os pais, a pátria e Deus não devem nunca ser separados, mas amados com a mesma virtude, guardada sempre a ordem devida, segundo a razão pela qual são princípio do nosso ser. Por isso, Deus há de ser honrado e amado por excelência, de modo que nada amemos mais do que a Ele, nem contra Ele, nem tanto quanto a Ele (cf. STh II-II 134, 3 ad 2).
Ora, a piedade, enquanto virtude moral, honra o pai carnal e os outros parentes de sangue; mas, enquanto dom do Espírito Santo, honra a Deus, e assim este dom pode ser definido, com base no mesmo Doutor: Disposição da alma pela qual é facilmente movida pelo Espírito Santo a ter um afeto filial por Deus como pai (cf. STh II-II 121, 1 e 3).
Eis, portanto, cingindo-nos ao escopo que aqui temos em mira, o que há de fixar-se bem firme na mente: é próprio da piedade excitar um filial afeto por Deus enquanto pai. Daí se vê por que S. Tomás é, com justiça, chamado mestre de piedade: porque a sua doutrina, por sua força intrínseca e como que por certo calor nativo, acende este afeto, promove-o e alimenta-o. E nisto se mostra um mestre admirável, na medida em que o faz não com palavras pomposas, não à força e a lanço, mas de modo tão simples, modesto, quase a furto, inclusive nas respostas às objeções, que a nossa mente se vê banhada de inefável devoção. Assim, ao falar do efeito da Eucaristia, afirma (STh III 79, 1 ad 2):
Como diz S. Gregório, “o amor de Deus não é ocioso: opera grandes coisas, se está presente” (Hom. 30, 2). Por isso, este sacramento, no que depende de sua própria virtude, não só confere o hábito da graça e da virtude, mas também o excita em ato, segundo S. Paulo: “A caridade de Cristo nos impele” (2Cor 5, 14). Daí se segue que, pela virtude deste sacramento, a alma se delicia espiritualmente e, de certo modo, se inebria com a doçura da bondade divina, segundo o Cântico dos Cânticos: “Amigos, comei e bebei; inebriai-vos, ó caríssimos” (Ct 5, 1).
Nestas palavras se revela, de fato, uma forte eloquência; mas, ao mesmo tempo, se franqueiam os segredos da vida interior do Doutor Eucarístico, que mais de uma vez se inebriou com a doçura da bondade divina. Ei-lo: porque piedosíssimo, pôde ser mestre de piedade.
2. O amor, a inabitação e a graça. — A semelhante conclusão se pode chegar por cada tratado. Para arrebatar-nos ao amor das coisas invisíveis, escreve sobre o amor de Deus coisas admiráveis: “É o amor de Deus que infunde e cria a bondade nas coisas” (STh I 79, 1 ad 2), princípio no qual muitíssimas vezes insiste para estabelecer a diferença entre o amor criado e o amor divino.
Com efeito, o nosso amor, por ser débil e ineficaz, supõe um bem no amado, mas de forma alguma o produz. Por esse motivo, quando amamos um pecador, não o transformamos por isso em santo e formoso, senão que lhe cobrimos feiura: fechamos-lhe os olhos ou não lha imputamos. O amor de Deus, ao contrário, infunde o bem que ama em nós e, por isso, quando começa a amar um pecador, o torna realmente belo e justo, apagando e purificando os pecados, renovando-lhe interiormente a alma (cf. STh I-II 110, 1; 113, 1 e 2).
Assim, porque Cristo nos chama amigos, faz-nos dignos de sua amizade, verdadeiramente belos, verdadeiramente justos e santos. Só o pensamento disso está já pleno de consolação… No entanto, para tornar mais forte e intenso o nosso afeto por Deus, expõe o Angélico que Deus está presente substancialmente em nós como hóspede e amigo, para que possamos, ainda neste exílio, gozar a sua presença: “Toda a Trindade em nós habita pela graça” (De ver., q. 27, 2 ad 3), a saber: não só infundindo dons criados, mas também fazendo em nós, pessoalmente, a sua morada.
Por essa razão, conclui: “O bem da graça de um só é maior do que o bem de natureza de todo o universo” (STh I-II 113, 9 ad 2).
Caetano, que se compraz não só com sutilezas metafísicas, mas também com uma verdadeira e terna piedade, meditando estas áureas palavras de S. Tomás, exclama: “Tem sempre ante teus olhos, de dia e de noite, que o bem da graça de um só é melhor do que o bem de natureza de todo o universo, para que vejas sem cessar a condenação a que se risca quem não dá valor à perda de tamanho bem”.
3. A virtude e a paz. — Também nas questões aparentemente mais áridas sugere o S. Doutor muitos ensinamentos que ajudam e nutrem a vida espiritual. Assim, comparando o filósofo moral, o retor, o político e o teólogo, observa:
O que o retor persuade, o político decide; ao teólogo, porém, a quem servem as demais artes, competem todos os modos mencionados. Pois ele compartilha com o filósofo moral a consideração dos atos viciosos e virtuosos, e considera, com o retor e o político, os atos na medida em que merecem ser punidos ou premiados (STh I-II 7, 2 ad 3).
Isso vale particularmente para o homem piedoso, asceta e místico, que sempre considera os atos humanos enquanto se referem à vida sobrenatural.
Ouvimos o Pe. Labbe louvar S. Tomás por fazer amáveis as virtudes quando as descreve. O S. Doutor mostra que toda virtude é amável, já que a beleza convém a qualquer virtude (cf. STh II-II 141, 2 ad 3); mas deve chamar-se bela, de modo especial, à virtude que afasta o homem das coisas que mais o deturpam, a saber: dos prazeres que convêm à natureza humana segundo a parte mais inferior. É por isso que a castidade é uma virtude belíssima. Ora, uma vez que o angélico é o Doutor da castidade, resplende nele uma beleza singular, aspecto no qual ele é superior a S. Agostinho, como lembra a nossa Liturgia: “Diz Agostinho assim a um irmão: ‘Tomás me é igual em glória, mas me supera em pureza virginal’” (resp. IX Matut.). A virtude da temperança auxilia a piedade, a fim de que toda a vida espiritual seja devidamente governada. Pois um homem realmente temperante deseja com moderação e sempre conforme o termo médio da razão; e, pelo mesmo motivo, se entristece com moderação (cf. STh II-II 141, 2 ad 3).
Assim se lançam em todo o homem os fundamentos daquela verdadeira paz a que S. Agostinho chamava tranquilidade da ordem. Não há como não ver o quão bela e precisa é esta definição. A paz não é apenas tranquilidade, já que pode haver certa paz aparente, fingida ou maldosa, como são os gozos desonestos do coração; mas tampouco é apenas ordem, já que a ordem pode ser ferida ou desprezada, senão que é, a um tempo, tranquilidade e ordem ou, melhor ainda, tranquilidade da ordem (cf. De civit. Dei XIX, 93). Donde se segue que o homem perfeitamente piedoso é o que possui em paz a própria alma.
4. A Paixão e a Eucaristia. — A Encarnação é um mistério de piedade, assim como a Eucaristia é o sacramento da piedade. De ambos escreveu o Angélico coisas admiráveis que alimentam uma terníssima devoção. Bastam umas poucas palavras suas para nos comovermos interiormente com as dores de Cristo.
Mostra que a dor da Paixão foi, em Cristo, maior do que todas as dores, tanto extensivamente, porque experimentou em si todas as dores, quanto intensivamente, porque nele a dor foi puríssima e, portanto, máxima (cf. STh III 46). Para intensificar em nós a compaixão, acrescenta:
A vida corporal de Cristo foi de tanta dignidade, por causa sobretudo de sua união com a divindade, que a morte dela por uma só hora seria mais de lastimar do que a morte de outro homem, por grande que fosse a duração. Por isso diz o Filósofo (cf. EN III, 9) que o virtuoso tanto mais ama a própria vida quanto mais sabe ser ela melhor, e contudo a expõe pelo bem da virtude. Do mesmo modo, Cristo expôs sua vida maximamente amada pelo bem da caridade (STh III 46, 6 ad 4).
Tudo isso abrasa a alma de modo mais eficaz do que as orações e pregações mais refinadas e, por sua própria força, leva à seguinte conclusão: “Como não amar de volta a quem assim nos amou?” Excita também o mais possível a piedade quando fala dos efeitos da morte de Cristo, que nos libertou de nossas duas mortes, isto é, do corpo e da alma (cf. STh III 41). S. Tomás parece fazer eco a S. Efrém, o Sírio, algumas de cujas palavras vale a pena referir, para que nos ensinem hoje a piedade, ao mesmo tempo, os Doutores de Edessa e de Aquino, ou seja, a Igreja oriental e latina: “Glória a ti”, diz S. Efrém cantando a Cristo, “glória a ti, que da tua cruz fizeste uma ponte sobre a morte, a fim de que por ela passem as almas da região da morte para a da vida!” (De Domino Nostro, ed. Lamy, I 158). Belíssima poesia, que nos pinta a cruz como uma ponte sobre a morte!
No tratado sobre a Eucaristia, S. Tomás é ainda mais Doutor de piedade, expondo por que Cristo quis, na véspera de sua Paixão, instituir este sacramento: porque as coisas que fazem ou dizem por último os amigos que partem são as que mais se imprimem na memória, e é quando mais se inflama o afeto (cf. STh III 73 5); e por que nos quis consolar nesta peregrinação com sua presença corporal? Porque o mais próprio da amizade é conviver com os amigos.
Por essa razão, conclui: “Daí ser este sacramento, por tão familiar união de Cristo conosco, o sinal da maior caridade e o sustentáculo da nossa esperança” (STh III 75, 1).
5. Piedade mariana. — Tampouco há de passar em silêncio o fato de o Angélico ser mestre de verdadeira piedade à Bem-aventurada Virgem Maria.
Ele mesmo formulou o firmíssimo e universal princípio no qual se contêm todas as glórias da Beatíssima Virgem: “Na Virgem bendita devia aparecer tudo o que é perfeição” (In IV Sent., dist. 30, q. 2, a. 1, sol. 1). Prova-o pela proximidade com Cristo, fonte das graças:
Quanto mais algo se aproxima do princípio em qualquer gênero, tanto mais participa do efeito desse princípio. Pois bem, Cristo é o princípio da graça. Ora, a bem-aventurada Virgem Maria foi a mais próxima de Cristo segundo a humanidade, porque dela recebeu [Cristo] a natureza humana. Logo, devia receber de Cristo, mais do que outros, uma maior plenitude de graça (STh III 27, 5).
Não só isso. Dessa união com Cristo infere o Angélico uma afinidade com Deus. Comentando esta sentença, Caetano, piedosíssimo também nessa matéria, escreve estas conhecidíssimas palavras:
Note-se que a junção, por consanguinidade carnal, com a humanidade assunta pelo Verbo chama-se, no texto, “afinidade com Deus” (affinitas ad Deum), de sorte que os consanguíneos de Cristo, enquanto homem, são afins de Deus segundo a razão em que “Deus” é o nome da divindade… Por isso, a Mãe dele foi constituída como afim de Deus… a única que alcança, por sua própria operação natural, os confins (ad fines) da divindade, ao conceber a Deus, dá-lo à luz, criá-lo e alimentá-lo com seu próprio leite (In STh II-II 103, 4).
Argumentos esses que são poderosíssimos estímulos para a piedade, pois se tanta dignidade tem Maria, a ponto de alcançar os confins da divindade, qual não deve ser o nosso filial afeto pela Mãe de Deus e dos homens?
6. Conclusão. — Já que não podemos repisar cada um [dos tratados], notemos apenas que a nossa piedade encontra o máximo auxílio no que ensina o Angélico acerca dos Novíssimos, sobretudo acerca da bem-aventurança celeste, dos dotes, das auréolas e das qualidades dos corpos [ressuscitados]. Aqui também se vê como se cumpre o que com veemência desejava o Sumo Pontífice Pio XI, a quem, como a protetor amantíssimo, agradece o Colégio Angelicum: Pax Christi in regno Christi, quando finalmente Deus será tudo em todos (cf. 1Cor 15, 28).
Do que sucintamente apontamos fica patente como o Mestre de piedade está sempre de mãos dadas com o Mestre dos estudos: pode, sim, mostrar o caminho nos estudos quem tão amigavelmente uniu a doutrina com a piedade, a erudição com a virtude, a verdade com a caridade. Ora, se é guia nos estudos, também nos costumes irá preparar um caminho seguro. Ora, se, como diz o Apóstolo, “a piedade é útil para tudo”, tendo a promessa da vida presente e da futura, o que foi Guia para a verdade e a piedade, será no fim Guia para a felicidade.
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