São Francisco, o grande fundador da Ordem que leva o seu nome, homem dotado de sabedoria celeste e de dons especiais, e chamado de seráfico por causa de seu fervoroso amor ao Altíssimo, nasceu em Assis, na Úmbria, num estábulo para onde sua mãe fora levada, a conselho de um mendigo desconhecido, para aliviar-se das dores que padecia. Seu pai era um rico comerciante e queria que Francisco seguisse a mesma profissão. 

Embora o menino fosse brilhante e alegre, nunca se associava a maus companheiros, a fim de manter imaculada sua inocência. Para com os pobres, era sempre muito compassivo, tendo tomado a resolução de não dispensar ninguém sem esmola. Um dia, quando estava sobrecarregado de trabalhos, um mendigo pediu-lhe dinheiro para comprar pão. Apressado, Francisco negou, mas, mal o homem tinha ido embora, lembrou-se de sua resolução, correu atrás do mendigo e deu-lhe uma generosa esmola. Daí em diante, jurou nunca mais recusar nada a quem lhe pedisse, e cumpriu fielmente este voto. 

Por isso, um dia, ao encontrar um pobre na rua, deu-lhe suas roupas novas e vestiu-se com os trapos do mendigo. Em outra ocasião, enquanto passeava a cavalo, um leproso aproximou-se dele para pedir esmola. Francisco desceu do cavalo, pegou uma moeda e deu-a ao pobre homem. Quando este lhe estendeu a mão, deformada e atrofiada pela terrível doença, Francisco a segurou e beijou com muita ternura. Depois de montar novamente, voltou-se para procurar o leproso, mas não via nenhum sinal dele, o que o levou a supor que um anjo ou o próprio Cristo havia aparecido naquela forma. A lembrança desse fato enchia-lhe o coração de grande conforto e, ao mesmo tempo, estimulava-o a ser ainda mais generoso. 

Depois desse acontecimento, começou a desapegar-se cada vez mais de todas as coisas temporais, buscar a solidão e ser mais fervoroso em suas orações. Suplicou ao Todo-Poderoso que o favorecesse com a graça de saber como deveria servi-lo dali em diante como seu Mestre e Senhor. Durante esta oração, Cristo lhe apareceu pendurado na Cruz e coberto de chagas. Tal visão encheu o coração de São Francisco com tanta devoção por nosso amado Salvador, que ele nunca mais conseguiu pensar em sua Paixão, ou olhar para um crucifixo, sem derramar lágrimas.

“São Francisco recebendo os estigmas”, por El Greco.

Depois de vários acontecimentos milagrosos, pelos quais o Onipotente foi manifestando a São Francisco a sua vontade, deu-se o seguinte fato. Um dia, enquanto assistia à Missa, ouviu na leitura do Evangelho o ensinamento de Cristo: “Não leveis nem ouro, nem prata, nem dinheiro em vossos cintos, nem mochila para a viagem, nem duas túnicas, nem calçados, nem bastão” (Mt 10, 9-10). A estas palavras, o santo homem sentiu sua mente iluminar-se e seu coração agitar-se com profunda emoção. Foi como se Deus lhe tivesse dado a regra pela qual deveria reger a sua vida; e, dando imediatamente seu dinheiro aos pobres, tirou os sapatos, vestiu-se com um áspero traje penitencial, que cingiu com um cordão, e decidiu levar dali em diante uma vida apostólica.   

Caminhando em meio ao povo, começou a exortar todos à penitência, e com tanta força e zelo, que não só converteu muitos pecadores, mas também atraiu vários homens piedosos para compartilhar o seu modo austero de viver e cooperar em sua santa obra. Quando chegou a doze o número deles, Francisco enviou-os a diversas aldeias e lugarejos para pregarem a penitência segundo o seu exemplo. Em vez de dinheiro, deu-lhes o versículo do salmo: “Descarrega sobre o Senhor os teus cuidados, e ele te sustentará” (Sl 54, 23). 

Como todos os dias aparecessem cada vez mais homens desejando ser discípulos seus, ele lhes transmitiu algumas regras, confirmadas pelo Papa Inocêncio III em 1209, quando São Francisco e seus companheiros fizeram solenemente a profissão dos três votos religiosos. Este foi o início da célebre Ordem Seráfica, a qual, dividida em vários ramos, trabalhou e continua a trabalhar tão bem para a honra de Deus e a salvação das almas. 

Uma vez confirmada a Ordem, o santo fundador foi com seus discípulos para Assis, onde se instalou numa pequena cabana solitária, próxima à igrejinha da Porciúncula. Nesse local, onde a Virgem Santíssima era venerada de modo peculiar, São Francisco passou muito tempo em oração e jejum. Vivia de esmolas e enviava seus discípulos às terras vizinhas para exortar as pessoas à penitência e ensinar-lhes uma vida cristã. Os beneditinos, a quem pertencia a referida igreja e o terreno perto dela, doaram tudo a São Francisco, para que lá se construísse a primeira casa de sua Ordem.

O santo cuidava de seus discípulos e filhos espirituais, cujo número aumentava a cada dia, com a máxima dedicação. Esforçava-se por conduzi-los no caminho da virtude e torná-los membros úteis na obra da salvação dos homens. Para conseguir isso de modo mais perfeito, procurava ser um exemplo para eles, praticando em si próprio, com muita austeridade, a penitência que ele e outros de sua Ordem pregavam. Raramente comia alimentos cozidos e, quando o fazia, espalhava cinzas sobre eles ou tirava-lhes o sabor com água. Além do jejum habitual de quarenta dias, praticava outro com a mesma duração, após a festa da Epifania (a 6 de janeiro). Fazia o mesmo desde a festa dos Apóstolos São Pedro e São Paulo (29 de junho) até a Assunção da Santíssima Virgem (15 de agosto), e a estes dias acrescentava mais quarenta em honra de São Miguel Arcanjo e de todos os anjos (ou seja, até 29 de setembro). À noite, dormia no chão e usava uma pedra ou um pedaço de madeira como travesseiro. Açoitava-se quase todos os dias até sangrar, e praticava todas as mortificações corporais possíveis. Agia com todo esse rigor em relação a si mesmo não só para fazer penitência por seus pecados passados, mas também para não cair em outros e manter imaculada a sua pureza. Por isso, quando o espírito maligno o torturava com pensamentos impuros, ele lançava-se à neve e nela permanecia até quase congelar.

Um anjo mostra a São Francisco de Assis um recipiente de cristal, ilustrando a pureza que devem ter os que aspiram ao sacerdócio. Pintura de José de Ribera.

Sua humildade era tão grande quanto sua mortificação. Não permitia que ninguém o elogiasse. Dizia ele: “Não elogies ninguém que não esteja firmemente seguro. Só devemos elogiar alguém depois de ver como essa pessoa terminará a própria vida.” E ainda: “Ninguém é mais nem menos do que aquilo que é aos olhos do Todo-Poderoso.” Certa vez, um piedoso irmão da Ordem perguntou ao santo o que pensava de si mesmo. O santo respondeu: “Creio que não haja, na terra, pecador maior do que eu”.  Quando o irmão perguntou como é que ele podia dizer isso com sinceridade, ele respondeu: “Se ao homem mais perverso de todos fosse concedida tanta misericórdia como a mim, não duvido de que teria sido mais grato e mais piedoso do que eu.” Sua humildade levou-o a recusar o sacerdócio, pois não se considerava digno de tal estado. Honrava muito os sacerdotes, dizendo: “Se eu encontrasse um anjo e um padre, beijaria primeiro a mão do padre e depois veneraria devidamente o anjo, porque devo maior veneração a quem toma nas mãos o santíssimo Corpo de Cristo e o ministra aos demais”.

Que diremos da pobreza adotada pelo santo e tão ardentemente recomendada por ele aos seus seguidores? Que dizer de seu amor a Deus e aos homens? Que dizer de sua devoção à Paixão de Cristo, à Mãe de Deus e aos santos? Que dizer de suas outras virtudes, cujos exemplos são tão numerosos e que esta obra dificilmente bastaria para enumerar? 

Depois de converter-se, recusava possuir qualquer coisa e alegrava-se quando tinha de passar necessidade. Durante suas orações, era frequentemente transportado para fora de si, pela intensidade de sua devoção, e não podia dizer nada além disto: “Meu Deus e meu tudo!” A simples menção ao nome do Altíssimo enchia-lhe o coração de um amor tão ardente, que todo o seu rosto parecia ficar em chamas. A caridade para com os homens levou-o a cuidar dos doentes com toda a ternura, a ajudar os pobres na medida de suas possibilidades, a consolar os tristes e a ser tudo para todos. Seu desejo de converter os infiéis e dar a vida por amor a Cristo, levou-o a partir à Síria e ao Egito, onde pregou sem medo, ante o sultão da Babilônia, as verdades do cristianismo. Aí declarou que deveriam acender uma grande fogueira, e que ele entraria nela para provar a veracidade da fé cristã.

São Francisco de Assis pregando o Evangelho ao sultão, por Zacarías González Velázquez.

Sua devoção à Paixão de Cristo era tão grande, que Deus a recompensou com um milagre de que jamais se ouvira falar até então. Quando São Francisco, dois anos antes de sua morte, observava no Monte Alverno os quarenta dias de jejum em honra de São Miguel, segundo seu costume, caiu em êxtase na festa da Exaltação da Santa Cruz, e viu que um serafim resplandecente descia do Céu em sua direção. O anjo tinha seis asas, e no meio delas apareceu o Salvador crucificado, com suas cinco chagas sagradas. No mesmo instante, o santo notou que, em seu lado, mãos e pés, havia feridas sangrentas, como as do Salvador. Essas chagas, ou estigmas, permaneceram com São Francisco até sua morte e, embora ele se esforçasse por escondê-las, não pôde evitar que fossem vistas algumas vezes em vida e muitas vezes depois de sua morte. O santo sofria dores intensas nessas feridas, o que lhe dava grande alegria, pois esperava que isso o tornasse mais conforme ao seu Salvador. 

Dois anos depois, o santo adoeceu gravemente e, já sabendo a hora da própria morte, pediu para ser levado à igrejinha da Porciúncula. Aí, tendo recebido os santos sacramentos, deitou-se e entregou a alma ao Criador. Antes de expirar, exortou seus discípulos a seguir rigorosamente as regras da Ordem, abençoou-os e, entre outras coisas, disse: “Permanecei sempre no temor de Deus. Felizes os que perseveram até o fim no bem que começaram. Estou agora a caminho do Senhor e vou recomendar-vos ao seu beneplácito”. Em seguida, pediu-lhes que lessem para ele a Paixão de Cristo segundo São João. Depois disso, começou a recitar o Salmo 141 e, às palavras: Educ de custodia animam meam ad confitendum nomini tuo; me exspectant justi donec retribuas mihi — “Tira-me desta prisão, para que dê graças ao teu nome. Os justos me rodearão, quando me fizeres este benefício”, concluiu sua santa vida santa. Isto aconteceu no ano 1226 de Nosso Senhor. 

Muito tempo antes, enquanto chorava os seus pecados amargamente, Deus lhe garantira que estavam todos perdoados e também lhe revelara que iria para o Céu. Embora isso lhe tenha dado grande consolação, não atenuou o rigor de suas penitências, nem deixou de arrepender-se de seus pecados, como dizia: “Se tivesse cometido um pecado leve uma única vez, eu o julgaria motivo suficiente para chorar enquanto vivesse.” Muitos livros foram escritos sobre a vida deste santo, de modo a relatar os grandes e numerosos milagres por ele operados, tanto em vida como após a morte, graças à sua intercessão no Céu.

Considerações práticas

I. “Se tivesse cometido um pecado leve uma única vez, eu o julgaria motivo suficiente para chorar enquanto vivesse.” São estas as palavras de São Francisco. 

E você, pensa da mesma maneira? Ao longo de sua vida, você cometeu muitas centenas, ou melhor, milhares de pecados veniais, e talvez até intencional e maliciosamente. Quantas lágrimas lhe custaram tais pecados? Quantas vezes você se arrependeu deles? Qual o grau de sua preocupação em evitá-los no futuro?

São Francisco recebendo os estigmas. Pintura de José de Ribera.

Você peca sem hesitar e não se aflige muito com isso. Diz frequentemente e com grande despreocupação: “Oh! É apenas um pecado venial! Não seremos condenados por isso.” Nem São Francisco nem outro santo algum falou assim. É verdade que um pecado venial é pequeno se comparado a um pecado mortal, mas, depois deste, é em si mesmo o maior mal do mundo. Não seremos condenados por faltas veniais, sim, mas por não lhes dar a devida atenção, somos gradualmente levados a cometer pecados maiores, até merecer o Inferno. Um pecado venial não ofende a Deus de forma tão grave quanto um pecado mortal, mas ainda assim ofendemos sua Majestade. E quem se atreve a dizer que é pequena qualquer ofensa feita a Deus? Diz São Jerônimo: “A ofensa ao Todo-Poderoso, por menor que seja, jamais deve ser considerada uma ninharia.” E São Paulino: “Eu não consigo entender como alguém pode considerar uma ninharia aquilo que ofende a divina Majestade.” 

A menor ofensa feita a um rei é considerada muito grave, devido à sua posição. Portanto, não haveria ainda mais razões para considerar grande um pecado venial, por ser uma ofensa ao grande Senhor do Céu e da terra? Deus é ofendido em cada pecado venial. Isto deveria ser suficiente para nos fazer compreender que o pecado venial é, em si mesmo, um mal muito maior do que somos capazes de imaginar. Rogue ao Todo-Poderoso que o faça reconhecer a grandeza de um pecado venial, para que o evite no futuro com maior cuidado, e se arrependa diariamente daqueles que, até agora, cometeu. “Quem ama a Deus e lhe obedece, não como escravo, mas como filho, temerá ofendê-lo no mínimo que seja”, diz São Basílio.

II. “Felizes os que perseveram até o fim no bem que começaram”. Portanto, São Francisco deve ser considerado feliz, pois perseverou até o fim em sua austeridade, pobreza e todas as outras virtudes. 

Infelizes são aqueles que começam a viver piedosamente, mas logo relaxam em seu zelo, pois, de acordo com o testemunho de Cristo, “aquele que põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus” (Lc 9, 62). De pouco vale o início; é preciso perseverar no bem até o fim da vida. “No que diz respeito aos cristãos, não consideramos tanto o começo como o fim”, diz São Jerônimo: “Paulo começou mal, mas acabou bem. Louvamos Judas no princípio, mas seu fim é arruinado pela traição.” Escreve Santo Agostinho: “Não é grande coisa começar a fazer o bem: a perfeição está em perseverar nele até o fim. Eis o que nos há de proporcionar a coroa da eterna glória.” 

Referências

  • Extraído, traduzido e adaptado passim de: Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 423ss.

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