São Mateus, o santo Apóstolo e Evangelista, nasceu em Caná da Galileia, onde Nosso Senhor realizou seu primeiro milagre ao transformar água em vinho. O Evangelho diz que ele era um publicano ou coletor de impostos, ofício muito desprezado pelos judeus, primeiro, porque estes se consideravam um povo livre e julgavam que o governo não tinha direito de exigir-lhes tributos; segundo, porque aqueles que exerciam esse ofício costumavam defraudar o povo, extorquindo mais do que era lícito cobrar. Eis por que os judeus contavam Mateus entre os pecadores públicos.

Certo dia, quando Mateus estava sentado na coletoria de impostos, no desempenho de sua função, Cristo passou com seus discípulos e, vendo Mateus, olhou-o com amor e disse: “Segue-me!” Iluminado e movido pela graça divina, Mateus levantou-se e, seguindo Cristo, convidou-o à sua casa, onde lhe preparou um banquete, para o qual convidou muitos publicanos e pecadores a fim de que pudessem ouvir os ensinamentos do Salvador e se convertessem. Em tom de censura, os fariseus perguntaram aos discípulos do Salvador: “Por que o vosso mestre come e bebe com os publicanos e pecadores?” Cristo respondeu pelos discípulos, dizendo: “Os sãos não têm necessidade de médico, mas sim os enfermos” (Mc 2, 16-17). Com essas palavras, Ele desejava mostrar que não havia motivo para os fariseus murmurarem por Ele estar na companhia de pecadores, pois não se pode censurar um médico por estar com os doentes, e Ele viera ao mundo para converter os pecadores, como um médico vai aos doentes para curá-los. 

“A Vocação de São Mateus”, por Caravaggio.

Terminado o banquete, Mateus seguiu a Cristo, que o incluiu no número dos Apóstolos. Tendo recebido o Espírito Santo no dia de Pentecostes, ele trabalhou, como os outros Apóstolos, pela conversão dos judeus. Mas, antes de ir para a região que lhe fora designada como o campo em que deveria semear a palavra de Deus, ele escreveu seu Evangelho como um breve esboço da vida, dos sofrimentos e da morte do Salvador, a fim de melhor inculcar os ensinamentos dos Apóstolos na mente dos recém-convertidos. Fizeram-se logo muitíssimas cópias de seu Evangelho, que foi pregado pelos demais Apóstolos nos países que deveriam converter.

São Mateus foi para a Etiópia e daí às nações vizinhas. Começou sua missão em Nadaber, a capital, onde conheceu dois infames magos chamados Zaroés e Arfaxat, que, com sua arte diabólica, faziam as pessoas adoecer e, em seguida, curavam-nas com magia, ganhando assim não só a fama de operar milagres, mas também muitas riquezas. O santo Apóstolo descobriu os meios fraudulentos pelos quais eles enganavam os crédulos e exortou os habitantes da cidade a não ter medo daqueles dois homens, pois ele estava pregando o Evangelho de Jesus Cristo, em cujo nome toda aquela arte diabólica seria destruída. Quando perceberam que estavam perdendo o crédito e os ganhos por força dessas declarações do Apóstolo, os dois magos tentaram amedrontar o povo com novas feitiçarias, mas, tendo o santo desmascarado aquelas fraudes, fez-se muito estimado pelo povo, que começou a ouvir seus sermões e interessar-se pela fé que ele anunciava.

Os muitos milagres que o santo realizava abriram enfim os olhos cegos dos pagãos, que reconheceram seu erro, e a verdade tomou posse de seus corações. O que mais contribuiu para a conversão daquela gente foi o milagre pelo qual o santo Apóstolo ressuscitou dos mortos a princesa real. O pai da jovem, rei da Etiópia, convocara os magos à sua corte e exigiu que eles devolvessem a vida à filha. Os perversos enganadores usaram todos os seus poderes maléficos, mas os espíritos do inferno invocados por eles não conseguiram reanimar o corpo sem vida. Então, o santo Apóstolo foi chamado e, aproximando-se da defunta, ordenou que ela, em nome de Jesus Cristo, se levantasse. A princesa imediatamente se levantou, cheia de vida e saúde, na presença do rei e de seus cortesãos. Esse milagre persuadiu o rei e toda a sua corte a instruir-se na fé cristã e receber o Batismo com grande solenidade. O exemplo do rei foi seguido por todo o povo e, assim, o paganismo foi derrotado naquele país. 

O santo Apóstolo partiu, então, para outras cidades, vilarejos e aldeias, pregando por toda parte o Evangelho de Cristo e confirmando-o, de acordo com a promessa de seu Mestre celestial, por muitos milagres prodigiosos, o que levava um grande número de pessoas à conversão. A vida virtuosa do santo também o ajudava muito a impressionar os gentios com a verdade de suas palavras. Além de suas outras virtudes, eles admiravam especialmente o rigor que o Apóstolo tinha consigo mesmo. Sua alimentação consistia tão somente em hortaliças. Em carne, vinho e outras coisas agradáveis ao paladar, ele sequer tocava. Não se permitia descanso; passava o dia todo ocupado em pregar e instruir, e ficava a maior parte da noite em oração.

“A Inspiração de São Mateus”, por Caravaggio.

Escritos incontestáveis comprovam que ele pregou o Evangelho por 23 anos — parte desse tempo na Etiópia, parte em outros países — e fundou, nesse período, uma quantidade quase incontável de igrejas, provendo-as de presbíteros e bispos, a fim de preservar a fé que ensinara. O que teve de suportar em suas viagens por tantos países bárbaros, quanta perseguição sofreu, quantos milhares de pessoas converteu, apenas Deus o sabe. Basta dizer que ele foi verdadeiramente um Apóstolo de Jesus Cristo. 

Por fim, sua vida consumou-se em um glorioso martírio diante do altar. Tudo se deu assim: Ifigênia, a filha mais velha do recém-convertido rei da Etiópia, não só se tornara cristã, mas, com a ciência e o consentimento do santo Apóstolo, consagrara sua virgindade ao Todo-Poderoso, após ouvir tantas vezes o santo pregar sobre o valor imensurável da pureza e exortar outros a guardá-la e preservá-la. Seu exemplo foi seguido por muitas outras virgens que, tomando a princesa por superiora, viviam juntas e dedicavam seu tempo à oração e ao trabalho. Hirtaco, o sucessor no trono, pediu a mão da princesa em casamento. A virgem consagrada ao Todo-Poderoso recusou-o, dizendo que prometera ser fiel a seu noivo celestial. O rei, enfurecido com a resposta, convocou São Mateus, instrutor de Ifigênia, e pediu-lhe que persuadisse Ifigênia a aceitar sua oferta de casamento. O santo prometeu que a aconselharia no dia seguinte, na presença do rei. 

Na manhã seguinte, em um sermão, São Mateus explicou primeiro que o matrimônio, instituído pelo Todo-Poderoso, é em si mesmo um estado de vida legítimo e santo, o qual deveria ser assumido por todo aquele que o desejasse. Depois disso, começou a louvar a virgindade e a explicar como ela é muito mais adequada e agradável a Deus do que o matrimônio, acrescentando enfaticamente que, quando alguém, depois de refletir o suficiente, tivesse consagrado sua pureza ao Todo-Poderoso, o voto não poderia ser quebrado sem pecado grave. Um servo, disse ele, dentre outros exemplos, mereceria punição se ousasse tentar a esposa de um rei a quebrar seu voto matrimonial; muito mais merecedor de castigo seria, então, aquele que tivesse a audácia de instigar uma esposa de Cristo a ser infiel à sua palavra. Portanto, concluiu ele, como Ifigênia prometera ser toda de Cristo, não era permitido roubá-la dele e persuadi-la a unir-se a um ser humano. 

O martírio de São Mateus, retratado por Stefan Lochner.

Tendo admoestado todos os presentes a permanecer firmes na verdadeira fé, ainda que isso lhes custasse o sangue e a vida, ele se dirigiu ao altar para ofertar o santo sacrifício da Missa. Tomado de fúria, Hirtaco deixou a igreja e, seguindo o conselho de pessoas perversas, enviou alguns de seus soldados para matar São Mateus. Um deles, dirigindo-se ao santo, que estava de pé diante do altar, cravou uma lança em seu corpo, e o santo, tombando, expirou. Alguns afirmam que ele foi decapitado com um machado noutro local, mas é bastante provável que tenha sido morto diante do altar, tornando-se, assim, ele mesmo, vítima no momento em que estava oferecendo o puro sacrifício do Novo Testamento. Os Santos Padres chamam-no vítima da pureza virginal, pois derramou seu sangue por defendê-la. 

Informado da morte de São Mateus, Hirtaco correu à casa em que Ifigênia e as outras virgens viviam, e repetiu sua exigência. Quando ela, cheia de coragem, recusou mais uma vez sua mão, ele ordenou que a casa fosse incendiada e queimada por completo, com todas as suas moradoras dentro. Porém, seu intento maligno foi frustrado, uma vez que, quando as chamas se ergueram, São Mateus apareceu e as repeliu de tal forma que nem a casa nem suas moradoras sofreram qualquer dano ou ferimento. Hirtaco foi punido por suas maldades com uma lepra tão terrível que, incapaz de suportar a visão de si próprio, cometeu suicídio.

Considerações Práticas

I. Mateus, o santo Apóstolo e Evangelista, fazia grandes elogios à pureza virginal e aos votos de castidade feitos a Deus, mas ensinava também que eram réus de pecado os que quebravam tais votos. 

Há hereges que desejam ser chamados cristãos apostólicos, ou evangélicos, fingindo conformar-se em tudo aos ensinamentos do Evangelho e dos Apóstolos. No entanto, as orientações e atitudes de São Mateus provam que tal pretensão é infundada. Lutero e Calvino, os fundadores dessa heresia, ensinavam que o casamento era uma exigência para todos, que a pureza virginal era muito menos valiosa que a vivência matrimonial, e que o voto de virgindade era ilegítimo e nulo perante o Altíssimo. Disso resulta que quebrar tal voto era não só permitido, mas obrigatório, como Lutero o quebrou e incentivou outros a fazer o mesmo. Como isso se harmoniza com o que foi ensinado por São Mateus, verdadeiro Apóstolo e Evangelista de Jesus Cristo? Como pode chamar-se apostólico ou evangélico aquele que ensina e crê o contrário do que foi ensinado pelo santo Apóstolo e Evangelista Mateus? 

O martírio de São Mateus, retratado por Caravaggio.

Além disso, São Mateus, um apóstolo do Senhor, exortava os outros a manter imaculada sua virgindade, e ameaçava com graves punições aqueles que os tentavam a quebrar essa promessa. De quem são os apóstolos que fazem exatamente o contrário, tentando convencer a si mesmos e aos outros de que o Todo-Poderoso não é ofendido por pecados contra a pureza, ainda que o sacerdote o proclame do púlpito? São Boaventura diz, sem a menor hesitação: “A boca daquele que seduz outrem à impureza é a boca de um diabo”. O diabo, que falou e enganou por intermédio da serpente, fala e engana por meio de tais pessoas. São apóstolos do diabo. E ai desses apóstolos! À sua espera está o mesmo Inferno no qual o impuro Hirtaco já sofre há mil anos, e sofrerá eternamente. 

Mas ai também daqueles que acreditam em tais apóstolos e são enganados por eles! Ifigênia acreditou no apóstolo de Cristo e o seguiu, e goza agora, como recompensa, da eterna bem-aventurança no Céu. Que você também creia nos pregadores, sacerdotes e confessores que ensinam o mesmo que ensinou São Mateus, pois através deles fala o mesmo Senhor que falou pela boca deste apóstolo.

II. Cristo, o Salvador, olhou com seus olhos misericordiosos para São Mateus na coletoria de impostos e chamou-o. Mateus obedeceu, levantou-se de pronto e seguiu a Cristo, transformando-se assim, de publicano que era, em apóstolo do Senhor, em um grande santo. 

Que exemplo consolador de misericórdia divina, até mesmo para com um grandíssimo pecador! Que lição salutar! O mesmo Salvador compassivo e misericordioso, que olhou com tanta ternura para Mateus e o chamou, também dirige seus olhos amorosos a você, ainda que esteja vivendo em pecado mortal. Ele o chama ao arrependimento; chama-o a segui-lo. Obedeça-lhe, como São Mateus, sem mais delongas. Não se deixe deter nem pela gravidade nem pelo número dos seus pecados. O Salvador está pronto para os perdoar, para recebê-lo em sua graça e torná-lo um santo. “Se és um publicano ou um pecador, ainda te podes tornar um evangelista. Se és um blasfemador, ainda te podes tornar um apóstolo”, diz São João Crisóstomo. 

Isso significa que você pode receber o perdão e ganhar a salvação, como São Mateus e São Paulo: o primeiro, um publicano, um pecador; o segundo, de acordo com seu próprio testemunho, um blasfemador. Santo Agostinho diz o mesmo com as seguintes palavras: 

Talvez alguns pensem que o pecado que cometeram é tão grave que não possa receber o perdão de Deus. Ah! Que tais pensamentos fiquem longe de nós. Por que, ó homem, olhar tão somente para o número de teus pecados, e não para a onipotência do Médico celestial? Como Deus é misericordioso porque compassivo, e pode ser misericordioso porque onipotente, quem acredita que Deus não o perdoará, ou não pode perdoá-lo, fecha para si próprio a porta da clemência divina, por negar que Deus seja compassivo ou onipotente. Assim, ninguém duvide da misericórdia de Deus, ainda que tenha cometido uma centena de crimes, ou, mais ainda, mil deles. Mas que essa convicção nos leve a reconciliar-nos imediatamente com o Todo-Poderoso.

Referências

  • Extraído, traduzido e adaptado passim de: Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 367ss.

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