No calendário católico romano tradicional, o dia 10 de julho é a festa dos Sete Santos Irmãos, Mártires, e de Santas Rufina e Secunda, Virgens e Mártires. Os sete irmãos, filhos de Santa Felicidade [1], foram mortos em Roma e sepultados em quatro túmulos:

  • Alexandre, Vidal e Marçal, na Catacumba dos Jordanos, na Via Salária; 
  • São Januário, na Catacumba de Pretextato, na Via Ápia; 
  • Félix e Filipe, na Catacumba de Priscila, na Via Salária;
  • São Silvano, na Catacumba de Máximo, na Via Salária.

Aqui nós temos a versão cristã dos sete irmãos judeus dos Macabeus, cujo martírio também é celebrado pelo calendário tradicional em 1.º de agosto (com uma comemoração em São Pedro ad vincula [2]). Eles são os únicos santos do Velho Testamento presentes no calendário romano geral para a Missa.

Ambas as festas foram removidas pelos reformadores litúrgicos (entre os mais de 300 que foram retirados). Isso é lamentável por várias razões. Mencionarei apenas três. 

Primeiro, esses santos são celebrados desde tempos imemoriais, não só pela Igreja romana, mas também pela maior parte das igrejas orientais. Eles formam um vínculo com o culto da Igreja primitiva em sua catolicidade ininterrupta, a “Igreja indivisa” do primeiro milênio.

“Martírio dos Sete Macabeus”, por Antonio Ciseri.

Segundo, os irmãos judeus em particular nos lembram que a Igreja de Cristo, o Israel de Deus, existe desde o princípio do tempo, ainda que ela não estivesse completamente formada até a vinda de Cristo e o derramamento do Espírito Santo. Os israelitas piedosos já eram, como ensina claramente Santo Agostinho, membros da Igreja por antecipação, por sua fé na redenção futura de Israel e no Messias. Esse é um corretivo necessário à falsa ideia de que o Antigo e o Novo Testamentos pertencem a duas diferentes religiões: os judeus e os cristãos. Na verdade, a Bíblia como um todo pertence à Igreja porque ela inteira aponta para Cristo, como aquele que devia vir ou como aquele que já veio e há de vir de novo em sua glória.

Terceiro — e o mais importante para nossa época —, essas duas festas celebram famílias numerosas. Sete irmãos foram martirizados, mas eles provavelmente tinham irmãs também, que não são mencionadas nos registros. O novo calendário litúrgico, até onde sei, não celebra nenhuma família numerosa como grupo de santos.

Como um amigo me alertou, é preciso destacar, para fins de precisão, que há várias questões históricas sobre quem foram exatamente esses sete irmãos e se eles foram ou não irmãos de sangue e todos filhos de uma Felicidade. O chamado Sacramentário Leonino contém sete diferentes Missas para eles, das quais apenas uma diz, no Prefácio, que eles eram irmãos. O Sacramentário de Gellone (c. 780) os chama de irmãos no título de sua Missa, mas as orações dela, mais antigas (as mesmas que constam no Missal de São Pio V), não se referem a eles como tais, e Santa Felicidade sequer é mencionada. Eles foram mortos de diferentes maneiras e enterrados em lugares diversos, o que acrescenta uma camada mais de mistério [3]. Por outro lado, conforme o contra-argumento de outro amigo, a tradição de que eles eram irmãos remonta, aparentemente, ao século IV, dada uma inscrição descoberta em 1966 na Catacumba dos Jordanos: 

SEPTIMO EX NUMERO FRATRUM … / HIC VOLVIT SANCTUS MARTYR SUA CON(dere membra) / ATRI(a quod) CAELI SCIRET SIBI LONG(a parata), “Ao sétimo do número dos irmãos... / Aqui quis o santo mártir guardar os seus membros, / Como soubesse estarem os átrios largos do céu preparados para si”.

E São Gregório Magno não achava que estivesse fora de questão a consanguinidade dos mártires, apesar de eles terem sido sepultados separadamente.

“Martírio de Santa Felicidade e de seus sete filhos”, por Francesco Coghetti.

Em outras palavras, a história é bagunçada e nós não sabemos ao certo o que se passou. As coisas são assim quando lidamos com registros muito antigos: nós não esperamos ter todas as provas de que precisamos para obter certeza histórica. Mas o ceticismo não é a resposta correta para legendas dos santos que foram acolhidas e celebradas pela Igreja por tantos séculos. É útil contra o racionalismo moderno continuar fazendo o que a Igreja nos dá em sua tradição, mesmo que alguns estudiosos não fiquem satisfeitos com isso. Por mais importante que seja o trabalho desses intelectuais, não se pode permitir jamais que eles tenham a última palavra. Foi o que aconteceu na reforma litúrgica, e a completa desolação que a ela se seguiu assombrará a memória da Igreja até o fim dos tempos.

Obviamente, a finalidade das comemorações de sete irmãos, tanto no dia 10 de julho quanto no dia 1.º de agosto, é venerar esses mártires, exultar em sua vitória, implorar sua intercessão e imitar o seu exemplo — o tamanho da família é um tanto ou quanto acidental. Ainda assim, é uma realidade que se impõe às mentes dos católicos: eis aqui sete irmãos de sangue, que inevitavelmente farão os fiéis se acostumarem, de modo sutil, com a ideia de que é perfeitamente normal uma família com (pelo menos) sete filhos. Essa seria mais uma das formas através das quais a Missa Tridentina oferece uma antítese à propaganda moderna contra a família.

Uma última observação: o outro par de santos que se celebra no dia 10 de julho, Rufina e Secunda, são virgens mártires do século III cujas relíquias foram transladadas neste dia, no século XII. Sua legenda afirma que se tratava de irmãs de um senador romano, de nome Astério. Seus noivos, Armentário e Verino, eram cristãos, mas renunciaram à fé quando Valeriano começou suas perseguições. Também aqui: que modelos perfeitos para os jovens modernos de hoje, que podem se ver forçados a escolher entre a fidelidade e a apostasia!

Notas

  1. Esta Santa Felicidade não é a mesma mencionada no Cânon Romano juntamente com a irmã, Perpétua, e cuja memória se celebra no dia 6 de março. Trata-se de uma santa romana martirizada em data desconhecida. Está enterrada na Catacumba de Máximo. Seu nome já aparece no calendário das festas romanas do século V, e sua memória se celebra no dia 23 de novembro, junto com São Clemente (N.T.).
  2. As relíquias dos Santos Macabeus, honradas em Antioquia no tempo de São Jerônimo, foram transportadas no século VI para a Basílica de San Pietro in Vincoli, “São Pedro Acorrentado”, em Roma (N.T.).
  3. Segundo o antigo Martirológio Romano, “Januário, depois de açoitado com varas e maltratado no cárcere, correu flagelado com látegos chumbados; Félix e Filipe foram mortos a pauladas; Silvano morreu lançado num precipício; Alexandre, Vidal e Marçal foram decapitados” (N.T.). O novo Martirológio nada fala do modo como morreram os irmãos.

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