A notícia é de outubro, mas, como os eventos a que faz referência se passaram no Natal, e estamos próximos dele, vale a pena fazer aqui o registro.

Juízes do Tribunal Europeu de Direitos Humanos decidiram, por unanimidade, que uma feminista que tinha simulado um “aborto de Cristo” na Église de La Madeleine, em Paris, com os seios à mostra, estava meramente exercendo seu direito à “liberdade de expressão”. Na decisão de 11 de outubro de 2022, a Corte de Estrasburgo condenou o Estado francês a indenizar Eloïse Bouton em 9.800 euros. Ela tinha sido condenada pelo crime de “exposição sexual”.

A ativista, à época membro do Femen, entrara de topless na famosa igreja parisiense dedicada a Santa Maria Madalena, em 20 de dezembro de 2013, com inscrições pró-aborto no corpo. Ela ficou de pé em frente ao altar, com um véu azul para zombar da Virgem Maria e com pedaços de fígado de boi para representar um bebê em estágio fetal; depois, encenou um “aborto de Jesus” e urinou no chão em frente aos fiéis, que ensaiavam canções de Natal.

Uma queixa do pároco levou à prisão da ativista, e a sentença foi confirmada inclusive pela Corte de Cassação da França, a mais alta instância do Poder Judiciário no país. De acordo com o Tribunal de Estrasburgo, no entanto, os tribunais franceses violaram o artigo 10 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem sobre liberdade de expressão, já que a condenação se deu “no contexto de um debate político” [i]. Segundo os juízes, o “único propósito” da ativista era “contribuir para o debate público sobre os direitos das mulheres” [ii].

No dizer da Corte, os tribunais franceses erraram porque “se limitaram a examinar a questão da nudez de seus seios em um local de culto, isolando-a da performance global em que estava envolvida, sem levar em conta, no equilíbrio de interesses, o sentido que a requerente quis dar a seu comportamento” [iii]. A conclusão do Tribunal de Estrasburgo é de que a pena de prisão, imposta à ativista, não é “necessária em uma sociedade democrática”.

Caso similar aconteceu na Alemanha, também em 2013. Durante uma Missa de Natal, a ativista Josephine Witt, também do Femen, subiu no altar da Catedral de Colônia com as palavras I am God (“Eu sou Deus”) no corpo e os seios à mostra. A feminista foi pelo crime de “perturbação de culto religioso”. Se o mesmo raciocínio do Tribunal de Estrasburgo for adotado, o Estado alemão poderá ser condenado a indenizar a feminista, e as igrejas estarão cada vez mais expostas a esse tipo de ultraje.

Para Grégor Puppinck, diretor do European Centre for Law and Justice [“Centro Europeu de Lei e Justiça”], o caso “Bouton versus França” é emblemático: “Está se tornando um costume no Tribunal Europeu de Direitos Humanos defender esses ataques a igrejas e contra a Igreja”. No entanto, o jurista francês assegura: “A Corte jamais teria apoiado uma exibição tão macabra, se ela tivesse acontecido em uma mesquita ou no recinto de um tribunal”. Mais uma amostra de que a Justiça não é tão cega quanto deveria. 

Mas de que servem leis e parlamentos, chefes de Estado e outros mandatários do povo, se no fim das contas estamos nas mãos destes seres infalíveis e “iluminados” chamados juízes?

Notas

  1. No entanto, a própria Convenção, no mesmo art. 10, reconhece que “o exercício desta liberdade [de expressão], porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para […] a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem”.
  2. Cf. a “exposição de motivos” da decisão, n. 53: “[…] a ação de requerente […], por mais chocante que possa ter sido para outros em vista da nudez em um espaço público, comportamento sancionável em virtude do direito penal interno, tinha por único objetivo [sic] contribuir, por meio de uma performance deliberadamente provocante, para o debate público sobre os direitos das mulher, mais especificamente sobre o direito ao abortamento” (n. 53).
  3. Cf. ibid., n. 64: “[…] as jurisdições internas [ou seja, os tribunais franceses], e mais particularmente a Corte de apelação, não desconsideraram as declarações da requerente ao longo do inquérito penal, descrevendo as motivações políticas e feministas de sua ação, que se inscrevia em um movimento coletivo e internacional destinado a contestar, de maneira deliberadamente viva e chocante para as convicções de outros, a posição da Igreja católica sobre o tema do direito das mulheres. No entanto, limitaram-se a examinar a questão da nudez de seus seios em um espaço de culto, isolando-a da performance global em que se inscrevia, sem levar em consideração, no balanço de interesses ora em apreço, o sentido dado pela requerente ao seu comportamento. Em particular, as jurisdições internas se recusaram a levar em conta o significado das inscrições feitas sobre os seios e as costas da requerente, que continham uma mensagem feminista alusiva ao manifesto pró-abortamento de 1917, chamado ‘manifesto das 343 putas’ [sic]. Relataram, sem pôr em perspectiva as ideias promovidas pela requerente, a representação de um ‘abortamento de Jesus’ [sic]. Tampouco levaram em consideração as explicações fornecidas pela requerente sobre o sentido atribuído à nudez pelas militantes do Femen, ao qual pertence, para as quais os seios à mostra servem de ‘estandarte político’ [sic], nem sobre o lugar de sua ação, a saber: um local de culto notoriamente conhecido, escolhido com o fim de facilitar a mediatização desta ação [isto é, sua repercussão na mídia]”.

O que achou desse conteúdo?

0
Mais recentes
Mais antigos