Na Suma Teológica, Santo Tomás de Aquino explica a tradição do rito romano de celebrar três Missas diferentes no dia de Natal:

Ora, no dia de Natal celebram-se muitas Missas por causa da tríplice natividade de Cristo. Uma delas é a eterna, a qual, para nós, está oculta. E por isso uma Missa é cantada à noite, em cujo intróito se diz: “O Senhor me disse: Tu és o meu Filho; eu hoje te gerei” (Sl 2, 7). Outra é a <natividade> temporal mas espiritual, isto é, aquela por que Cristo nasce como luzeiro em nossos corações, como é dito em 2Pd 1, 19. E por causa disso canta-se Missa na aurora, em cujo intróito se diz: “A luz refulgirá sobre nós” (cf. Lc 2, 14). A terceira é a natividade temporal e corporal de Cristo, segundo a qual Ele se nos manifestou visivelmente na carne, saído de útero virginal. E por isso se canta uma terceira Missa em plena luz, em cujo intróito se diz: “Nasceu-nos hoje um menino”, embora se pudesse dizer, ao contrário, que a natividade eterna em si mesma dá-se em plena luz, e por isso no Evangelho da terceira Missa se faz menção à natividade eterna; mas, segundo a natividade corporal à letra [i.e., segundo o sentido histórico-literal do relato bíblico], Ele nasceu de noite, em sinal de que vinha às trevas de nossa fragilidade, razão por que também na Missa noturna se lê o Evangelho do nascimento corporal de Cristo (III 83, 2 ad 2).

Em resumo, Tomás de Aquino afirma que:

  1. A Missa da Meia-noite, também chamada Missa do Galo, celebra principalmente o nascimento eterno de Cristo a partir do Pai; a Missa da Aurora, o nascimento espiritual em nossos corações e a Missa do Dia, o nascimento histórico em Belém;
  2. cada Missa, no entanto, também alude a um ou mais de um dos outros nascimentos.

Tomás de Aquino recorre ao Intróito [atual Antífona de Entrada] de cada Missa para sustentar essa interpretação, mas também as Coletas das Missas de Natal seguem mais ou menos o mesmo padrão.

Esta é a Coleta da Missa da Meia-noite:

Deus, qui hanc sacratíssimam noctem veri lúminis fecisti illustratióne claréscere: da, quáesumus: ut, cujus lucis mysteria in terra cognóvimus, ejus quoque gaudiis in caelo perfruámur. Qui tecum vivit… — Ó Deus, que fizestes resplandecer esta noite sacratíssima com a claridade da verdadeira Luz: concedei-nos, nós vo-lo pedimos, que, tendo conhecido na terra os mistérios desta luz, gozemos no Céu também das suas alegrias. Ele, que convosco vive e reina...

A Coleta é, em si mesma, uma referência à tradição segundo a qual Nosso Senhor nasceu em Belém no meio da noite; mas, posta lado a lado com o Intróito (“Tu és o meu Filho; eu hoje te gerei”), é possível que ela signifique também a geração eterna do Filho a partir do Pai. Conhecer os mistérios da Luz é saber que ela procede do Pai desde toda a eternidade e que a visão beatífica, pela qual “gozamos no céu das suas alegrias”, consiste em ver face a face a Luz gerada desde toda a eternidade.

Esta é a Coleta da Missa da Aurora

Da nobis, quǽsumus, omnípotens Deus: ut, qui nova incarnáti Verbi tui luce perfúndimur; hoc in nostro respléndeat ópere, quod per fidem fulget in mente. Per eúmdem Dóminum... — Concedei-nos, nós vo-lo pedimos, ó Deus onipotente, que, iluminados pela nova luz do vosso Verbo encarnado, resplandeça em nossas obras o que pela fé refulge em nosso espírito. Pelo mesmo Jesus Cristo, Senhor nosso…

Com o nascimento espiritual de Cristo em mente, a Coleta pode ser vista como uma luz lançada sobre esse mistério. A Encarnação no ventre da bem-aventurada Virgem Maria torna possível o nascimento temporal de Cristo em Belém, e o nascimento temporal torna possível o nascimento espiritual em nossos corações. Agora que a Luz nasceu internamente em nossos corações, pedimos-lhe que se manifeste externamente em nossas obras. 

A Coleta da Missa do Dia é a seguinte:

Concéde, quáesumus, omnípotens Deus: ut nos Unigéniti tui nova per carnem natívitas líberet; quos sub peccáti jugo vetusta sérvitus tenet. Per eundem Dóminum... — Concedei, ó Deus onipotente, que o novo nascimento do vosso Unigênito pela carne liberte aos que a antiga escravidão mantém sob o jugo do pecado. Pelo mesmo Jesus Cristo, Senhor nosso… [i]

A Coleta centra-se no nascimento histórico de Jesus Cristo em Belém (não em sua geração eterna nem em seu nascimento espiritual em nossos corações) como autor de nossa libertação do jugo do pecado. Note-se o doce contraste entre o novo nascimento de Nosso Senhor e a antiga escravidão do pecado.

A Coleta também usa preposições de modo preciso. Jesus Cristo nasce literalmente pela carne (per carnem), sendo “por” uma preposição que indica movimento. A divindade de Cristo assume e penetra-lhe plenamente a humanidade [ii], a qual, ao nascer, passa por entre a carne de sua Mãe.

Nós, porém, estamos presos sob o jugo do pecado (sub peccati jugo). O jugo deveria ser uma ferramenta de movimento, permitindo ao arado ou à carroça andar; mas, ao contrário do suave jugo do discipulado cristão (cf. Mt 11, 30), não há movimento real sob o jugo do pecado. A antiga escravidão nos mantém emperrados em nossos hábitos e nos esmaga, até que o Verbo encarnado, vindo à luz neste mundo decaído, por fim nos liberte.

Notas

  1. Das três orações Coletas aqui apresentadas, esta da Missa do Dia é a única que não foi mantida após a reforma litúrgica; agora ela é rezada no 6.º dia da Oitava de Natal, e só nele. Os Intróitos antigos foram preservados nas três Missas (N.T.).
  2. Como as naturezas divina e humana, após a união hipostática, permanecem íntegras e inconfusas, parece-nos mais adequado dizer, para evitar mal-entendidos, que a Pessoa de Cristo, subsistente na natureza divina, assume a natureza humana; daí dizer São Paulo que, em Cristo, Deus habita corporalmente (cf. Cl 2, 9) (N.T.).

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