Se a Eucaristia é a “grande escola do amor”, como diz o Papa Bento XVI, então convém, ao menos de vez em quando, que as orações da liturgia eucarística eduquem nossos afetos. A Coleta do 4.º Domingo depois da Páscoa é um ótimo exemplo disso [1]:

Deus, qui fidelium mentes uníus éfficis voluntátis, da pópulis tuis id amáre quod práecipis, id desideráre quod promittis: ut inter mundánas varietátes ibi nostra fixa sint corda, ubi vera sunt gaudia. Per Dóminum… — “Deus, que unis numa só vontade as mentes dos fiéis: dai ao vosso povo amar o que ordenais, desejar o que prometeis; para que, entre a instabilidade das coisas presentes, estejam fixos os nossos corações onde se acham as verdadeiras alegrias. Por Nosso Senhor Jesus Cristo…”. 

Sem mencionar a Ressurreição ou a Ascensão, a Coleta repete de forma indireta os temas deste tempo litúrgico. Descreve-se a Deus como aquele que faz as vontades dos fiéis serem uma só. E o declara por meio de uma agradável justaposição entre intelecto (mens) e vontade (voluntas), sem deixar de remeter à Vigília Pascal, quando alguns filhos da ira e da discórdia foram batizados e adotados como membros de uma família harmoniosa.

Do mesmo modo, o contraste eloquente na apódose entre as coisas instáveis do mundo e o lugar das verdadeiras alegria antecipa a descrição, na Epístola, do “dom perfeito que vem do alto”, do Deus em quem “não há mudança nem sombra de vicissitude” (Tg 1,17). Ao mesmo tempo, pedindo que os nossos corações estejam fixos onde estão as verdadeiras alegrias, prenuncia a Coleta da Ascensão, que reza para que “habitemos já nos céus em espírito”.

“Arrependimento de São Pedro”, por José de Ribera.

Na petição final, referente aos nossos corações, também culmina o duplo pedido inicial da Coleta a que amemos o que Deus ordena e desejemos o que promete. A importância desse pedido geminado vem ressaltada por um assíndeto: a omissão da conjunção “e” entre os dois, separados assim apenas pela vírgula. O assíndeto, além disso, acelera o ritmo da oração, conferindo-lhe certa urgência marcada pela ansiedade.

Cada pedido é digno de nota. Não basta fazer o que Deus manda; cumpre também amar os mandamentos. Assim como o cidadão obediente à lei só por medo de ser punido não é verdadeiramente justo, o fiel que evita o pecado só por medo ao inferno não é realmente santo. Como recorda Aristóteles, a felicidade consiste em conhecer, fazer e amar o bem. E os mandamentos de Deus são de fato bons.

Pedir o desejo das promessas de Deus também é importante, mas talvez seja algo um pouco misterioso. Entendemos a necessidade de pedir um amor mais profundo aos mandamentos de Deus. Quantos, por exemplo, amam de verdade a temperança? Posso ser temperante pelos benefícios que isso me proporciona (boa saúde, aparência melhor, longevidade, sobriedade no volante etc.), mas é difícil “entusiasmar-se” com a virtude da temperança, isto é, amá-la por ela mesma.

Ora, deveria ser fácil desejar o que Deus promete aos eleitos. Quem não ficaria entusiasmado com a felicidade eterna, com a visão de Deus e dos santos face a face, com a ressurreição dos corpos, transfigurados em “corpos espirituais” (1Cor 15,44)? No entanto, dada a fragilidade humana, até esses bens podem ser encarados com apatia, inclusive pelos fiéis. O pecado original e as seduções do mundo somam-se de tal forma, que até o povo de Deus precisa de um auxílio divino para se entusiasmar com o Céu! 

É significativo, de resto, que a Coleta não peça uma fuga das coisas mutáveis do mundo, mas um ponto arquimédico em que não sejamos mais afetados por elas. Ouvi recentemente um sermão terrível de um membro de uma nova ordem supostamente tradicionalista. O orador insinuava que só podem ser salvos os que vivem enclausurados. Ao que parece, o bom frade nunca leu as palavras de São Francisco de Sales: 

É um erro, ou antes uma heresia, dizer que a devoção é incompatível com a vida de um soldado, de um comerciante, de um príncipe ou de uma mulher casada (Filotéia I 3).

É também de São Francisco a seguinte metáfora, longa e fascinante, que, creio, ilustra o pedido final da Coleta, e com isto concluo: 

Como as madrepérolas vivem no mar, sem que gota alguma de água salgada nelas penetre, e como perto das ilhas Celidônias há fontes de água muito doce no meio do mar, e como as aves chamadas piranetas voam por entre as chamas sem queimar as asas; assim pode uma alma esforçada e constante viver no mundo sem ser contaminada pelo humor e gangrena mundana, achar mananciais de suave e terna piedade no meio das ondas amargas deste século, e voar por entre as labaredas dos apetites terrenos sem queimar as asas dos sagrados desejos de vida devota (Filotéia, Prefácio).

Graças sejam dadas a Deus porque, educado no amor, não há lugar em que não possa crescer um coração cristão. 

Notas

  1. A análise do autor baseia-se no texto do rito antigo. Sobre isso, vale recordar o seguinte. Primeiro, o 4.º Domingo depois da Páscoa corresponde, no calendário atual, ao 5.º Domingo da Páscoa: o calendário anterior à reforma de Paulo VI enfatizava a Páscoa e os domingos “depois” dela, enquanto o atual busca enfatizar o Tempo Pascal “com” os domingos nele incidentes. Segundo, esta oração Coleta, embora preservada na íntegra no rito novo, foi transferida para a Missa do 21.º Domingo do Tempo Comum (N.T.).

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